TE ENTREGA, CORISCO!

A maneira como políticos e empresários corruptos e corruptores — metidos em falcatruas, crimes do “colarinho branco” e toda sorte de malversação do dinheiro público — resistem em admitir suas culpas e acertar suas contas com a sociedade brasileira, contra todas as provas e evidências, ultrapassa, em muito, o cinismo, a falta de pudor e a convicção da própria impunidade. É uma verdadeira apologia do lema de que, ao final de tudo, “o mal sempre vence”!

Não é preciso puxar muito pela memória para trazer a estas considerações, de pronto, dezenas de exemplos disto. Do juiz Nicolau, que obteve regalias inconcebíveis, para um criminoso que tinha o dever de ofício de zelar pelo cumprimento da lei (e, portanto, maior responsabilidade moral quando a isto do que a maioria dos mortais), passando pelo presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães, que morreu sem ser punido pela fraude do painel eletrônico de votações, até o banqueiro Daniel Dantas, a cuja defesa acudiu o próprio presidente do STF, com a concessão de dois “habeas corpus”, seguidos e muito mal explicados à opinião pública.

O Brasil tem, no correr da sua História recente, um número impressionante desses casos que, noutras sociedades, redundaria em consequências graves, do “impeachment” ao “seppuku”. Sim, porque não é o caso de se pensar que não exista corrupção ou corruptos noutros países, até mais desenvolvidos do que o nosso. A diferença é que, por lá, essas coisas trazem consequências ao malfeitor, ao contrário do que se vê por aqui. Já houve, nos Estados Unidos, um presidente que perdeu o seu mandato por conta deste tipo de coisa e um congressista que reuniu a imprensa para ler um pedido de desculpas à sua família, aos seus eleitores e ao povo em geral. Depois, diante dos repórteres estupefatos, retirou um revólver, de grosso calibre, de uma sacola de papel e, antes que alguém pudesse impedi-lo, meteu o cano da arma na boca e explodiu os miolos. Confesso que gostaria muito de ver essa modalidade esportiva sendo praticada pelos políticos brasileiros: tiro ao corrupto.

No Japão, lá do outro lado do mundo, houve um 1º Ministro que, apanhado num esquema de grossa corrupção, renunciou e, para resgatar a própria honra, praticou o “seppuku” — que é o suicídio ritual japonês, popularmente conhecido como “haraquiri” — enfiando uma faca ou sabre no abdômen, para retalhar as vísceras e morrer sangrando. Dizem, aliás, que é uma morte lenta e bem dolorosa. Muito conhecido, também, é o caso da Rainha Juliana, da Holanda, que colocou o trono à disposição do povo, porque seu marido, o Príncipe Bernardo, havia aceitado propina da companhia americana Lockheed, para opinar favoravelmente aos seus aviões, num processo de compra para a Força Aérea de seu país.

Enquanto isso, no Brasil, o ex-prefeito, ex-governador, ex-deputado federal e ex-candidato a presidente da República, Paulo Maluf, talvez seja um dos casos mais emblemáticos desta situação, que nos põe no rol dos países em que a corrupção anda de braços dados com os altos escalões de governo. Apanhado, várias vezes, “pagando um boquete” na botija, nega todas as acusações, peremptória e invariavelmente, com uma caradura de fazer inveja aos seus iguais, que preferem fugir da imprensa, protegidos por advogados, seguranças e um lacônico: “nada a declarar”... Mas, por um dever de justiça, é preciso reconhecer que ele não está sozinho neste topo.

Existe o Renan Calheiros, que emprenhou a jornalista e nos fez, como contribuintes, pagar as despesas do pré-natal, da pensão alimentícia e até do “cala boca” da Mônica Veloso. Existem os “mensaleiros”, os anões do Orçamento e os quadrilheiros da Previdência. Existem o José Genoino e seus dólares na cueca, o Delúbio, o Marcos Valério, o Duda Mendonça e até o Fábio Luís Lula da Silva, aquele pequeno gênio — segundo o seu pai — que ganhava mil e quinhentos reais por mês e, em pouco tempo, comprou uma propriedade de quarenta e sete milhões de reais.

Mas todos, apanhados no pulo errado, negam... Com um cinismo de fazer corar a um frade de pedra, negam acima de qualquer evidência... Negam, jamais admitem e, menos ainda, se arrependem. Morrem negando e acabam saindo do episódio pela porta dos fundos, até que a providencial falta de memória do povo brasileiro ou a benevolência de algum magistrado “amigo” os deixe reaparecer no cenário, como se nada houvesse acontecido.

Agem, embora por motivos bem menos nobres, como se fossem o famoso componente do bando de Lampião, que não se entregou, mesmo quando tudo parecia perdido, ao ser intimado pela força policial que vinha em seu encalço: “Te entrega, Corisco!”

Ao que o cangaceiro teria respondido:

— Eu não me entrego não... Eu só me entrego na morte, de parabelo na mão!

(*) Parabelo (de “Parabellum”) é uma pistola ou um trabuco.