A ATUALIDADE DA PÁSCOA

Inácio Strieder

Embora a Páscoa seja celebrada todos os anos, esta festa não deixa de despertar sentimentos espirituais, alegrias temporais com ovos de chocolate, pães doces, encontros familiares e rituais múltiplos. A Páscoa também não é apenas uma festa cristã. Nem é originariamente uma festa cristã. Os judeus, desde os tempos de Moisés, mais de um milênio antes de Cristo, já costumavam celebrar a Páscoa, a pessah judaica. E até hoje os judeus festejam todos os anos a pessah, i.é, a libertação do povo da escravidão do Egito. As façanhas desta libertação são recordadas pelos judeus durante a semana da Páscoa, celebrada pelos judeus durante oito dias, em que muitos judeus de todo o mundo viajam para Jerusalém. Durante toda a semana, que precede a Páscoa, em restaurantes ou nas casas a páscoa é celebrada com uma ceia familiar em que os alimentos se assemelham aos que os judeus teriam comido antes do dia da fuga do Egito. E nesta ceia se serve carne de cordeiro, ervas amargas, pão não fermentado, vinho puro, ovos e diversos molhos. Cada alimento possui uma simbologia profunda, relacionada com a história do povo judeu, suas lutas pela liberdade e a constituição da identidade do povo, que se estabeleceu na terra prometida e possui os livros sagrados da Torah, a bíblia, que os cristãos denominam de Antigo Testamento, ou Primeiro Testamento. Hoje a Páscoa judaica é fundamentalmente uma festa da família, em que o pai conta aos filhos e netos história da conquista da liberdade de seu povo e fala das bênçãos de Deus. Passando pelos restaurantes de Jerusalém, na semana da Páscoa judaica, o ambiente demonstra muita alegria, e são servidos muitos copos de vinho. É uma festa de reencontro das famílias, de amor às tradições de um povo que possui uma história de 4.000 anos. Neste mesmo tempo da páscoa, os milhões de judeus, espalhados pelo mundo inteiro, celebram a páscoa, em família, como se estivessem em Jerusalém, como que se transpondo para os tempos de Moisés, sentindo-se como se também eles se estivessem libertando da escravidão do Egito.

Mas, se temos a Páscoa judaica, com tão ricas tradições, por que, então, a Páscoa cristã? Bem, Jesus de Nazaré, que era um judeu devoto, por ocasião da Páscoa judaica, se dirigiu a Jerusalém para ali celebrar a festa. Como já estivesse visado pelas autoridades religiosas, por suas críticas aos descaminhos de muitos dos líderes do povo, que mais se conduziam, no exercício do poder, por interesses escusos do que por motivações verdadeiramente religiosas, aproveitaram a presença de Jesus em Jerusalém para prendê-lo. Jesus ainda conseguiu celebrar a ceia pascal com sua “família”, não a família biológica, mas a sua família de apóstolos. Após a sua prisão o processo foi, praticamente, sumário. Condenado à morte a sua execução foi imediata. E, na sexta-feira antes do sábado da páscoa judaica, foi crucificado. A alegria da festa pascal judaica se transformou em grande tristeza para os seguidores de Jesus. Isto se reflete hoje nas cerimônias da sexta-feira santa. Mas a alegria da festa pascal retorna com a ressurreição de Jesus no primeiro dia depois da páscoa judaica, dia que hoje é o nosso domingo (o Dia do Senhor). E os cristãos, até hoje, relacionam com a Páscoa, poder-se-ia dizer a pessah cristã, com as simbologias da pessah judaica. Para os cristãos a Páscoa também é uma festa de libertação. Cristo, com sua morte e ressurreição libertou todos os homens para a liberdade, para a verdade, pois, ele mesmo diz, a verdade vos libertará. E esta liberdade é bem mais profunda do que somente uma libertação da escravidão física. Cristo liberta os homens de suas fraquezas, de seus pecados, de seu medo da morte. Pois, se Cristo ressuscitou, nós também teremos uma ressurreição. Com a morte, a nossa vida não se acaba. Nós continuaremos a viver. Desta forma, a páscoa cristã assume o seu nome da páscoa judaica, mas os cristãos não a entendem como sendo uma festa com um sentido apenas histórico e étnico de um povo. Na páscoa cristã se manifesta o verdadeiro sentido da vida humana. A vida que se prolonga para além da morte. A comunhão com Deus, a saúde espiritual que o Salvador, Jesus Cristo nos oferece. Todos estes sentidos espirituais da Páscoa são relembrados e revividos nos rituais da semana santa. Os aspectos de nossa escravidão, confusão, angústias, pecados, humilhações fraquezas, tristezas e erros são lembrados nos rituais até a sexta-feira santa. No sábado-santo e no domingo da Páscoa se supera a tristeza e se celebra a presença de Deus em nossa vida. Deus nos salva por Jesus Cristo. Quem seguir sua mensagem terá saúde espiritual, estará salvo e com Ele viverá para toda a eternidade, na felicidade de Deus. Esta alegria os cristãos manifestam na arte, na música, nos rituais litúrgicos, por diversos símbolos. Os ovos simbolizam vida nova, os coelhinhos, fertilidade abundante de vida; a memória da ceia, com o pão repartido e o vinho bebido por todos nos lembra da fraternidade universal, em que todos somos filhos do mesmo Pai, salvos pelo mesmo Salvador. Desta forma, as tradições da Páscoa cristã, todos os anos, nos lembram e nos incentivam para que vivamos a verdadeira liberdade, a fraternidade universal e a solidariedade. Desta forma se exalta a vida e não a morte. E a humanidade é convidada a valorizar tudo o que favorece a vida, que para todos é um dom de Deus.É uma festa com forte apelo ao engajamento por tudo que engrandece o ser humano, pois o seu destino último é uma vida feliz no mundo de Deus. E esta vida feliz já deve se manifestar aqui e agora.