CONSELHO ESCOLAR COMO UNIDADE EXECUTORA: OS DESACERTOS NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

TABORDA,Cleuza Regina Balan; (GPMSE/UFMT); cbalantaborda@gmail.com

Este artigo é fruto de uma pesquisa que desenvolvemos com a finalidade de compreender as implicações decorrentes da constituição e operacionalização dos Conselhos Escolares como Unidades Executoras (UEx) entidades de direito privado no processo de construção da gestão democrática das escolas municipais de Juara-MT. Para isto buscamos identificar e analisar os determinantes que facilitam ou dificultam este processo, analisando a política de implantação dos conselhos escolares na Rede Municipal de Ensino e suas ações práticas junto a três escolas municipais que primeiramente tiveram seus conselhos constituídos. O desenvolvimento deste estudo encontra-se referendado em autores como Gadotti 2003, Libâneo 2007, Mendonça 2000, Paro 2004, Peroni 2003, Torres 2005, 2006, Trivinos 1987, Najjar 2006, Linhares e Silva, 2003, Dagnino, 2004 , Souza 2001, Barroso, 2002 Adrião E Peroni 2007, Gentili, 1996 .

As reformas educativas dos últimos 20 (vinte) anos ocorreram em sintonia com a recomposição do sistema capitalista mundial, que incentiva a reestruturação global da economia, e forma norteadas pela doutrina neoliberal. De acordo com Libâneo (2007) o neoliberalismo apresenta traços bem distintivos, tais como: mudança no processo de produção, associada aos avanços científicos e tecnológicos, superioridade do livre funcionamento do mercado na regulação da economia e redução do papel do Estado.

Neste contexto as unidades escolares têm sido pressionadas a repensar seu papel diante das transformações ocorridas na sociedade, em escala mundial, tanto em termos econômicos como sociais e culturais. As reformas educativas ocorridas nas duas últimas décadas ocorreram em sintonia com a recomposição do sistema capitalista mundial, que incentiva a reestruturação global da economia e foram norteadas pela doutrina neoliberal. (LIBÂNEO, 2007)

Neste sentido palavras e conceitos tais como transformação social, qualidade de vida, educação para a cidadania, gestão democrática, participação comunitária defendidos pelos grupos progressistas e incorporados pelas lutas dos movimentos populares, foram apropriados pela política neoliberal e acabaram sendo distorcidos, banalizados e totalmente esvaziados do sentido epistemológico originário.

As ações desenvolvidas pela política neoliberal seguem as orientações estabelecidas pelos órgãos internacionais, como o Banco Mundial, e se voltam para a minimização das políticas sociais. As estratégias desenvolvidas favorecem ao Estado, oportunizando-lhe o controle dos fins e resultados do processo educacional (através do sistema de avaliação) e transferem para as famílias dos alunos e a comunidade, onde a escola está inserida, a responsabilidade pelo controle dos meios e o modo de organização, sem, contudo, oferecer-lhes condições concretas para que isto aconteça (BARROSO, 2002, p. 188).

A defesa da qualidade da escola pública, bandeira de luta dos movimentos sociais tornam-se pauta dos discursos neoliberais os quais afirmam “que os sistemas educacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização e extensão”. (GENTILI, 1996 p. 17).

Na ótica neoliberal, a crise educacional é resultante de sua expansão acelerada, desordenada e anárquica. Porém, essa expansão não foi acompanhada de uma distribuição eficiente dos serviços oferecidos pelas escolas. A crise do sistema educacional é considerada uma crise de qualidade, gerada pela ineficácia e ineficiência da escola no desenvolvimento das práticas pedagógicas e na gestão administrativa, bem como do Estado em gerenciar as políticas públicas (GENTILI, 1996 p. 17,18).

Na retórica neoliberal existem escolas, professores, materiais pedagógicos suficientes para oportunizar a escolarização de todos. Os recursos destinados à educação são suficientes, entretanto, o que falta é uma melhor aplicação desses recursos. Para modificar esta situação é preciso introduzir, na esfera pública, novas formas de gerenciamento pautadas na lógica do mercado cuja qualidade perpassa pela eficácia no emprego dos recursos financeiros destinados a escola, visando atingir o “máximo resultado com o mínimo de custo” (NAJJAR, 2006, p. 161).

No cenário dessas transformações, as ações governamentais, na década de 90, passaram a defender novas formas de gerenciamento, pautados na redução da ação do Estado, buscando demonstrar que a descentralização e a autonomia estariam assegurando uma ação estatal mais eficiente, eficaz e de qualidade na prestação de serviço.

A descentralização em favor da escola pública se dá na dimensão financeira, por meio da transferência de recursos diretamente à escola. Porém, a precariedade de recursos repassados às instituições de ensino força um gerenciamento eficaz da escassez disponibilizada.

Nesta perspectiva, a questão da participação passou a ser mais um dos artifícios utilizado pelos idealizadores da política neoliberal, como forma de assegurar os mecanismos de controle. Neste sentido, palavras e conceitos tais como transformação social, qualidade de vida, educação para a cidadania, gestão democrática e participação comunitária, defendidos pelos grupos progressistas e incorporados pelas lutas dos movimentos populares, foram apropriados pela política neoliberal e acabaram sendo distorcidos, banalizados e descaracterizados do que epistemologicamente sugeriam.

Segundo Dagnino (2004) isto é fruto de uma disputa simbólica que se instaura em uma crise discursiva resultante da “confluência perversa” entre os dois projetos políticos distintos de construção da gestão democrática em nosso país. Sendo que de um lado, temos um processo de “alargamento da democracia”, através de um “projeto democratizante e participativo”, construído a partir da década de 80 pelos movimentos sociais, tendo como base a “expansão da cidadania e o aprofundamento da democracia”. De outro lado, surge o projeto do Estado, voltado para o ajuste neoliberal, com o encolhimento de suas responsabilidades sociais e a transferência para a sociedade civil.

Surgem assim, dois projetos distintos, que embora requeiram uma sociedade civil ativa e propositiva, as direções apontadas por cada um são diferentes e até antagônicas. O risco que se corre, de acordo com Dagnino (2004), é de que a participação da sociedade civil nas instâncias decisórias, bandeira de luta dos grupos sociais, passe a ser utilizada como estratégia para a construção de um projeto antagônico ao aprofundamento da democracia e a redução da exclusão.

As políticas educacionais das últimas décadas recolocam em pauta vários termos utilizados pelos grupos progressistas, tais como as questões relacionadas à autonomia da escola, associando este termo à necessidade de se buscar transformações firmes e rápidas em resposta à demanda da sociedade globalizada.

Nesta perspectiva, a modernização da gestão escolar passou a ser um dos aspectos amplamente abordados nos projetos educativos, implementados pela política neoliberal, como forma de melhoria na produtividade do sistema educacional, voltando-se para a defesa da administração escolar democrática, participativa e dinâmica.

A garantia da gestão democrática, como princípio do ensino público, foi uma inovação garantida no artigo 206, inciso V, VI da Constituição Federal. Essa inovação está, de certa forma, ligada a forte atuação dos movimentos sociais organizados que, no período de elaboração da Constituição Federal, travaram vários embates em defesa da redemocratização do país. A luta pelo fim da ditadura militar deu lugar a luta por maior participação e democratização das várias esferas da sociedade e do governo.

O processo de elaboração da LDB 9.394/96, também foi marcado por intensa disputa político-ideológica entre grupos que sustentavam concepções, não só diferentes entre si, mas antagônicas em relação à sociedade, educação, escola, formação de professores; causando contradições e confusões que podem ser percebidas na redação final da Lei

Apesar da inovação constitucional, a execução do princípio da gestão democrática, passou a ser regulamentado por legislações complementares encarregadas da sua regulamentação constitucional, da definição do seu significado e dos mecanismos a serem aplicados na sua implementação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei (9.394/96) reafirma , no Artigo 3, inciso VIII , a gestão democrática como princípio do ensino. Porém, não explicita de forma clara, a definição de que tipo de participação se espera dos profissionais da educação e da comunidade escolar e nem estabelece mecanismos de como ela se dará. A LDB estabelece a participação dos profissionais da educação na elaboração da proposta pedagógica e da comunidade escolar em conselhos escolares.

Os movimentos sociais sempre lutaram em favor do direito de participação da comunidade escolar (profissionais da educação, pais, alunos e comunidade local) na definição das políticas educacionais. As reivindicações pautaram na crença de que a formação de cidadão críticos, participativos e atuantes, perpassa por vivências democráticas no âmbito escolar por meio de mecanismos participativos na gestão da própria escola e do sistema de ensino.

A qualidade também é bandeira de luta dos movimentos sociais. Porém, a qualidade defendida é bem distinta da qualidade estabelecida pela política neoliberal. Como muito bem nos descreve Jorge Najjar:

Forja-se, [...], uma idéia de qualidade marcada por uma perspectiva produtivista, pois escola de qualidade passa a ser sinônimo de uma escola que consegue, com recursos limitados, atingir determinadas metas mensuráveis, referentes, sobretudo, ao fluxo escolar e à inculcação, por parte dos alunos, de determinados conteúdos previamente selecionados das disciplinas que são tradicionalmente trabalhados nas escolas (NAJJAR, 2006 p. 161)

A qualidade defendida pelos movimentos sociais é a qualidade social, compreendida como a luta contra todo e qualquer tipo de exclusão, discriminação (e suas causas), a igualdade de acesso à informação e usufruto dos direitos humanos e sociais. Além disso, esta forma de qualidade (social) representa garantia de acesso, permanência e sucesso na escola de todos os cidadãos, bem como a consolidação de melhorias nas condições do processo ensino e aprendizagem, com a garantia de condições materiais e de infra-estrutura escolar adequada. Requer ainda, a oferta de um ensino contextualizado e problematizador que possibilite o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para a formação de pessoas autônomas e participativas. A defesa é também por condições dignas de trabalho aos profissionais da educação, participação coletiva e democrática na resolução dos assuntos relacionados ao cotidiano escolar. Com uma ação educativa que possibilite a formação de sujeitos com pensamentos críticos, criativos e produtivos. Com uma ação educativa que os instrumentalizem para atuar na transformação da sociedade , transformando-a em uma sociedade mais justa e mais humana.

Os modelos de gestão instituídos pelas reformas educativas apresentam, em seu discurso, a priorização da descentralização e autonomia, porém, na prática o que ocorre é um controle minucioso das ações desenvolvidas no interior da escola, por meio de uma burocracia excessiva, que exige , inclusive, o preenchimento de fichas e relatórios, constantemente.

As estratégias empregadas pela política neoliberal, ao estimular a participação da comunidade externa na gestão da escola, não estão embasadas num princípio democrático e sim em razões econômicas (SOUZA, 2001, p. 68). Apesar das “garantias” expressas na Lei, o que se tem percebido é que, nos moldes colocados, a participação da comunidade na gestão da escola é uma estratégia que visa responsabilizar a sociedade pelas funções que são de encargo do Estado.

No contexto de descentralização da política educacional foi instaurado na década de 90, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FNDE), o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE), alterado posteriormente para Programa Dinheiro Direto na Escola (PPDE).

Este programa consistia e consiste no repasse de dinheiro direto para as escolas públicas e organizações não governamentais que atendem a educação especial, visando a assistência financeira para o custeio e manutenção das unidades escolares. Uma das exigências para que as escolas pudessem receber este recurso foi à criação de uma entidade jurídica de direito privado denominada Unidade Executora (UEx). Com a função de administrar os recursos disponíveis para a escola, tanto de fontes governamentais (União, Estado e/ou Município), como de outras fontes que a escola conseguisse arrecadar.

A política de repasse de recursos suplementares, direto às escolas públicas, foi apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso como forma de eliminar o ritual burocrático que dificultava e até impedia a chegada do dinheiro até as escolas. As propagandas vinculadas ao programa, ressaltavam o estímulo ao ensino fundamental, o fortalecimento da autonomia de gestão da escola cujos objetivos voltavam ao atendimento das necessidades básicas da escola tais como: a melhoria das instalações físicas e a aquisição de materiais escolares e de consumo. Os recursos deveriam ser utilizados em projetos pedagógicos e de desenvolvimento de atividades educacionais.

A Secretaria de Educação Fundamental buscou incentivar a criação das unidades executoras, desenvolvendo campanhas publicitárias que explicitavam as vantagens que as escolas teriam com a sua criação. As matérias apresentadas nos levam a perceber que a intencionalidade na criação dessas unidades era a de promover o desenvolvimento de uma gestão baseada na diminuição de gastos, principalmente, através do empenho da comunidade local na superação dos problemas vivenciados pela escola. A participação valorizada neste programa é uma participação de caráter funcionalista. A caracterização dos conselhos escolares em Unidades EXECUTORAS buscava, por parte da política governamental, instituir certa padronização institucional, delegando a responsabilidade da gestão dos recursos públicos descentralizados para uma instituição de natureza privada (PERONI, 2007, p 258-159)

A ênfase destes conselhos se dá em relação aos aspectos procedimentais com a prestação de contas junto ao Tribunal de Contas da União, isto leva a uma super valorização da dimensão técnico-operacional, relegando a um plano secundário a dimensão política dos processos coletivos. A ampliação da participação reduziu-se ao exercício de tarefas gerenciais. (PERONI, 2007 p. 259)

Na década de 90 houve por parte do movimento sindical dos profissionais da educação o alerta em torno das intencionalidades do governo federal em exigir a criação de uma sociedade civil de direito privado dentro de uma instituição de ensino público. Na época, o sindicato fez campanhas alertando que essa era uma das estratégias do governo neoliberal para a privatização do ensino público e da educação básica.

A exigência da constituição da Unidade Executora, principalmente ou exclusivamente, para o repasse de recurso financeiro na Rede Estadual do município de Juara foi fortemente criticada, por educadores e pelo SINTEP. Eles buscavam, explicitar que a responsabilidade pela gestão financeira da escola, deveriam ficar a cargo das APMs que já acompanhavam a aplicação dos recursos repassados as escolas pela Secretaria de Estado de Educação SEDUC, através das Assessorias Pedagógicas. Porém, apesar da resistência inicial, as escolas acabaram tendo que ceder e os Conselhos Escolares foram instituídos nas escolas estaduais através do Decreto Governamental 740/1995. Esses conselhos foram registrados em cartório e se tornaram entidades jurídicas. Com isso os conselheiros passaram a acompanhar a aplicação dos recursos repassados às escolas pela Secretária de Estado e pelo Governo Federal para a manutenção e reparos da unidade escolar.

[...] a proposta de transformação dos Conselhos Escolares em unidades executoras assumiu um caráter de disputa política entre diferentes segmentos da educação. O dilema vivido pelos sistemas relacionava-se à opção em alterar a natureza jurídica dos Conselhos Escolares, transformando-os em unidades executoras, cuja conseqüência seria a instalação de uma instituição de direito privado na esfera da gestão da escola ou, de outro modo, o fortalecimento do Círculo de Pais e Mestres (COM), estrutura análoga às Associações de Pais e Mestres (APM), tradicionalmente menos democráticas e, em muitos casos, não subordinadas ao controle do colegiado gestor. (ADRIÃO E PERONI, 2007, p. 260)

Nas escolas da Rede Municipal de Ensino, os Conselhos Escolares já nasceram embasados pela lógica da Unidade Executora, uma vez que o sistema municipal de ensino de Juara-MT até a implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola não contava com nenhum mecanismo coletivo de gestão. Neste sentido o programa proporcionou a participação de todos os segmentos, mesmo que de maneira formal, no funcionamento da escola. A criação dos conselhos representava, para as escolas municipais, a possibilidade de gerenciar os recursos da própria unidade escolar.

Os eixos norteadores para o desenvolvimento desta pesquisa buscam refletir acerca da estrutura e funcionamento desses conselhos no âmbito escolar, questionando: Como se deu a implantação dos conselhos escolares junto a Rede municipal de Ensino? Qual a ênfase dada a estes conselhos? Valoriza-se a dimensão técnico-operacional ou dimensão política dos processos decisórios? Como tem se dado a composição destes conselhos? Os conselheiros que os compõem de fato representam aqueles em nome dos quais foram eleitos? Quem de fato escolheu os conselheiros e por quê?Existe uma participação política efetiva dos diferentes atores? Todos os conselheiros são ouvidos e têm seus pronunciamentos respeitados? Ocorre a descentralização de poder no interior da escola? Os recursos são utilizados em favor do ensino? Existe o envolvimento do Conselho com os aspectos pedagógicos? Quais os mecanismos existentes no interior da escola que favorecem o processo de construção da gestão democrática? Assim buscamos observar se os Conselhos Escolares, criados pela lógica das unidades executoras, têm contribuído para o desenvolvimento de práticas decisórias democráticas no interior da escola ou se voltam, meramente, para uma melhora da eficiência e eficácia da gestão.

É no bojo dessas questões que desenvolvemos a pesquisa buscando compreender as implicações decorrentes da constituição/operacionalização de Conselhos Escolares como entidades de direito privado para o processo de participação política e social dos diferentes atores, no processo de construção de uma escola comprometida com a formação de sujeitos críticos e atuantes.

A fim de compreender as implicações decorrentes da constituição/operacionalização dos Conselhos Escolares como Unidades Executoras (UEx), no processo de construção da gestão democrática das escolas municipais de Juara, buscamos identificar e analisar os determinantes que facilitam ou dificultam este processo. Para isto, partimos da análise critica da política de implantação desses conselhos, bem como sua constituição e a dinâmica de funcionamento. Observamos se os mesmos têm contribuído para uma ampla participação dos diferentes atores. Buscamos observar como são realizadas as reuniões do conselho, se existe uma participação efetiva de todos os segmentos, se os conselheiros deliberam sobre questões relacionadas à dimensão pedagógica, como são conduzidas as reuniões e se existe uma participação efetiva de todos os conselheiros nas tomadas de decisão.. Logo, buscamos observar se a criação do conselho escolar favoreceu o processo de construção da gestão democrática ou tem sido, meramente, utilizado como mecanismo voltado para a melhora da eficiência e eficácia da gestão financeira.

Na operacionalização da pesquisa, adotamos uma abordagem qualitativa ancorada na perspectiva de Bogdan, que aponta o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave, preocupado com o processo e não simplesmente com os resultados e o produto final, é uma pesquisa essencialmente descritiva. Sendo que o significado é a preocupação essencial. (BOGDAN Apud TRIVIÑOS, 1987, 128, 130).

Das escolas municipais existentes no perímetro urbano, selecionamos três para o desenvolvimento da pesquisa. A escolha se deu em razão de terem sido as primeiras a constituírem suas UEx .

Os sujeitos da pesquisa são pessoas que estão diretamente envolvidos com o Conselho Escolar, ou seja, professores, servidores e pais de alunos que acompanharam o processo de criação desses conselhos e aqueles que atualmente os compõem. Buscamos entrevistar professores que participaram da ata de fundação do conselho, o diretor atual de cada Escola, bem como, conselheiros do segmento de professores, do segmento de pais e o diretor regional do SINTEP.

Para o desenvolvimento da pesquisa, realizamos, inicialmente, com a finalidade de confirmar o problema, um diagnóstico acerca do funcionamento dos Conselhos Escolares, questionando os professores e servidores que vivenciaram os processos de total centralização de ações no órgão central ao que eles atribuiam as mudanças processadas na Rede Municipal de Ensino? Questionando se seria em razão da democratização das relações de poder ou tratava-se de uma estratégia voltada para a melhoria da eficiência e eficácia da gestão escolar? Realizamos visitas nas escolas selecionadas para a observação de campo, a fim de verificar o funcionamento do Conselho Escolar e se o mesmo contribui para uma ampla participação dos diferentes atores. A investigação exigiu, também, uma análise de documentos nacionais e locais que normatizaram a criação, implementação e funcionamento dos Conselhos Escolares como unidades executoras, analisando como são constituídos, representados e materializados os conselhos. Assim, por meio da análise documental dos registros de criação e das Atas de reuniões do Conselho Escolar, verificamos como se deu a composição inicial, como tem se dado as novas composições, verificando a caracterização do processo eleitoral, que deve acontecer a cada dois anos, observando número de votantes por segmentos, qual a forma de votação utilizada, perfil dos eleitos, total de conselheiros efetivos e suplente em cada unidade escolar pesquisada, analisamos o número de reuniões realizadas, a participação dos diferentes segmentos, os principais assuntos abordados pelo conselho no período de 1997 a 2007, a periodicidade em que ocorrem as reuniões, ou seja, se as datas das reuniões ocorriam nos períodos em que as escolas recebiam os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola e precisavam deliberar sobre sua aplicação e nos momentos de prestação de contas.

A entrevista semi-estruturada nos auxiliou na obtenção de informações acerca do funcionamento dos Conselhos Escolares como unidade executora, bem como, das expectativas e frustrações dos conselheiros acerca da sua implantação e funcionamento. Para Bourdieu (1997) a entrevista é percebida como principal recurso metodológico e enquanto técnica de obtenção de informações. O autor destaca a importância de compreendê-la como uma relação social por meio da qual o entrevistador busca obter informações dos entrevistados, dentro de uma objetividade e clareza necessárias à apreensão de informações acerca do comportamento e da consciência dos atores envolvidos.

Concomitantemente, buscamos aprofundando no estudo de referências teóricas necessárias para o entendimento do processo de reformas, pautado na redução da ação estatal através da descentralização de suas responsabilidades para a sociedade civil, tendo como foco a estrutura organizacional e gestionária da escola pública e o modo como vem se configurado o processo de democratização das relações sociais em seu interior. Para a compreensão mais detalhada das conseqüências dessa política a nível regional e conseqüentemente local realizamos uma revisão da literatura mato-grossense sobre a gestão escolar.

O contato com a realidade escolar possibilitou observar se a criação e das Conselhos Unidades Executoras, proporcionou maior autonomia às escolas, favorecendo a descentralização de poder e a utilização dos recursos para o fortalecimento da escola e a qualidade do ensino.

Com a realização desta pesquisa não tinhamos a pretensão de encontrar soluções, para os problemas enfrentados acerca da gestão escolar. Mas esperamos contribuir para o fortalecimento dos mecanismos e processos de democratização da escola, oportunizando a reflexão sobre os desafios, os limites, as possibilidades da gestão democrática e da autonomia escolar nos rumos da educação municipal.

A análise documental permitiu perceber que os conselhos escolares na Rede Municipal de Ensino de Juara-MT foram constituídos com base na determinação legal visando habilitar as unidades escolares para o recebimento dos recursos provenientes do Programa Dinheiros Direto na Escola. Os estatutos dos conselhos estabelecem que eles devem contribuir para a manutenção e melhoria da infra-estrutura física e pedagógica das unidades escolares e, ao mesmo tempo, reforçar a autonomia gerencial e participação social nas instituições de ensino, concorrendo assim para a equidade na oferta e elevação da qualidade de ensino.

Através dos dados coletados verificou-se que as potencialidades destes conselhos não têm sido exploradas de forma adequada. Os aspectos pedagógicos e administrativos acabam não sendo deliberados pelos conselheiros. A ênfase maior dada às ações dos conselhos escolares volta-se para a fiscalização na aplicação dos recursos descentralizados, visando maior transparência na aplicação financeira. A existência dos conselhos escolares acaba não provocando mudanças estruturais na cultura escolar no que diz respeito aos processos de deliberação coletiva. O avanço alcançado é o da caracterização dos conselhos deliberativos como mecanismos da globalização neoliberal (TORRES, 2006)

A gestão escolar desenvolvida nas escolas municipais de Juara-MT não está inspirada em uma teoria revolucionária, capaz de viabilizar a escola anunciada por educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire. Apesar das alterações ocorridas na gestão escolar e a escola ter alcançado certo tipo de autonomia, descentralização e participação em relação a gestão democrática parece não haver avanços significativos. Pois ainda prevalece no interior das escolas uma cultura de silêncio e um modelo administrativo que insiste em tratar o aluno como cliente e a educação como produto mercadológico (TORRES, 2005).

Concordamos com Medonça (2000) quando afirma que a implantação da gestão democrática e da autonomia escolar não poderá ocorrer através de mecanismos democratizadores isolados. Mas sim através da interação orgânica desses mecanismos através de uma política pública de educação que envolva, inclusive, a reorganização da estrutura dos níveis centrais dos sistemas de ensino para que essas políticas possam ser conduzidas com conseqüência.

A democracia, como afirma Paro (2004), "não se concede, se realiza", é um processo que se constrói a partir de mecanismos voltados para a democratização e um dos primeiros passos nesta direção é a busca pelo conhecimento crítico da realidade existente, análise dos determinantes da atual situação e busca por meios para a sua superação que segundo Gadotti (1993), se dá na participação no processo de tomada de decisão, refletindo a realidade da escola e garantindo a qualidade do ensino com a formação de sujeitos políticos comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Palavras Chaves: Conselho Escolar - Gestão Democrática - Participação

REFERÊNCIAS

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BARROSO, João. Gestão Local da Educação: entre o Estado e o mercado, a responsabilização colectiva. IN Machado Lourdes Marcelino e Naura Syria Carapeto Ferreira (org.). Política e Gestão da Educação: Dois Olhares. Rio de Janeiro DP&A, 2002.

GADOTTI, Moacir, Escola Cidadã. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

LIBÂNEO, José Carlos, Educação escolar: políticas, estrutura e organização. José Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira, Mirza Seabra Toschi (orgs). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

LINHARES, Célia & SILVA, Waldeck Carneiro da Silva, Política de formação de professores: limites e possibilidades colocados pela LDB para as séries iniciais do Ensino Fundamental. In SOUZA, Donaldo Bello de, FARIA, Lia Ciomar Macedo de (Orgas) Desafios da Educação Municipal. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

MENDONÇA, Erasto Fortes. A regra e o jogo: democracia e patrimonialismo na educação brasileira, Campinas, SP: FE/UNICAMP; R. Vieira, 2000.

NAJJAR, Jorge, O Sindicalismo dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE/RJ) e disputa pelo conceito de qualidade da escola In: Artemis Torres, Giovanni Semeraro e Luiz Augusto Passos (orgs.). Educação fronteiras políticas. Cuiabá: EdUFMT, 2006.

PARO, Vitor Henrique Gestão Democrática da Escola Pública 3. ed. São Paulo: Ática, 2004

PERONI, Vera Vidal Política educacional e papel do Estado: no Brasil dos anos 1990, São Paulo: Xamã, 2003.

TORRES, Artemis. A Escola que temos... como vai a Gestão? Texto apresentado no Seminário Qualidade da Educação: desafio de todos, promovido pela Secretária de Estado de Educação, em Cuiabá (MT), em Julho de 2005.

_________. Conselhos escolares: balizas da democracia na escola pública IN. Artemis Torres, Giovanni Semeraro e Luiz Augusto Passos (orgs.). Educação, fronteira política. Cuiabá: EdUFMT, 2006

_________.Artemis et al. Democracia na educação: leituras de discursos e práticas sociais. Cuiabá, MT: GPMSE/UFMT, 2007 projeto de pesquisa. Mimeo.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução a Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa na educação. São Paulo, Atlas , 1987.

Cleuza Regina
Enviado por Cleuza Regina em 27/04/2009
Reeditado em 30/04/2009
Código do texto: T1562503
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