GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO: SUA POSSIBILIDADE A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DE GRAMSCI

*Cleuza Regina Balan Taborda

*Miriam Botelho Petrenko

*Tereza Leones Monteiro

Resumo:

Um dos desafios que se impõe ao pesquisador da atualidade é o de buscar incorporar contribuições de autores clássicos tanto na coleta de dados, quanto na analise dos fenômenos estudados. Neste sentido compreendemos que o referencial teórico de Antonio Gramsci estará contribuindo, significativamente, no processo de investigação que estamos iniciando, o qual se volta para a gestão democrática da educação pública. Nos escritos de Antonio Gramsci podemos perceber sua concepção de educação, bem como, certos elementos que nos leva a reflexão e debate acerca da gestão democrática da educação. Tanto no pressuposto de que a educação se volta para a formação do homem, bem como em suas atuações no movimento político dos trabalhadores italianos visando à construção de uma nova realidade. A experiência dos conselhos de fábrica vivenciado por Gramsci, é um significativo modelo de experiência de gestão democrática, que pode ser aplicado em várias instâncias da sociedade civil dentre elas a escola.

1. Introdução

Com o desenvolvimento deste trabalho pretendemos buscar nos referenciais teóricos e históricos apresentados por Gramsci as proposições políticas possíveis para a educação na atualidade, reforçando a importância da construção da gestão democrática a partir desses pressupostos. Logo, pretendemos buscar na nos escrito de Gramsci algumas categorias que possa nos auxiliar a refletir sobre as noções de educação e de gestão escolar. Pois, o pensamento de Antonio Gramsci e sua concepção de educação permitem apresentar elementos para o debate sobre gestão democrática da educação, tanto a partir do pressuposto que a educação apresenta-se como um processo de formação do homem para um determinado modelo de sociedade, quanto pelas contribuições que oferece a partir das atuações no movimento político dos trabalhadores italianos na construção de uma realidade socialista.

A gestão democrática faz parte do discurso nacional, desde seu enunciado no contexto da Constituição Federal de 1988, porém a sua prática continua sendo um desafio que se impõe a toda a sociedade. Pois, essa prática exige o envolvimento e comprometimento de todos. Exige uma nova forma de organização na qual predomine as práticas democráticas de decisão e para isto é necessário romper com a tradição política e cultural em que sempre prevaleceu à imposição da autoridade, com uma gestão escolar centralizadora e hierárquica.

O desenvolvimento de relações efetivamente democráticas exige a liberdade política e o acesso de todos aos direitos civis e políticos. Nesse sentido o desafio que se coloca à educação é o de proporcionar a formação de cidadãos críticos e participativos, que possam atuar de forma consciente nos rumos da sociedade.

2. O pensamentos de Gramsci acerca da Educação, do Estado e da hegemonia

Para Gramsci a educação está presente no conjunto de sua teoria política como processo de formação do homem para um determinado modelo de sociedade. A noção de gestão pode ser percebida tanto na forma de organização política voltada para a construção de uma nova forma de organização social na Itália, através dos conselhos de fábricas, como pelo conceito de hegemonia apresentado por ele. Gramsci nos leva a perceber através deste conceito as relações de poder que estão presentes nas estrutura do Estado e que expressam o conjunto de relações (econômicas, sociais, políticas e culturais) que o permeiam.

Segundo Gramsci a estrutura do Estado moderno se compõe da sociedade política e da sociedade civil. Sendo que tanto uma quanto a outra atuam para o exercício do poder e para isto utilizam à coerção e do consenso. A sociedade política é a que detêm os mecanismos de repressão e controle coercitivo. Já a sociedade civil é formada de espaços privilegiados de formação de um modo de pensar homogêneo, que conduz a formação do consenso e a difusão do modo de pensar das classes dominantes.

Neste sentido Gramsci nos aponta que é possível romper com o determinismo histórico e nos mostra a possibilidade de construção de uma nova realidade, uma vez que a história é resultante da ação humana e depende da práxis coletiva dos atores sociais. Assim sendo, é possível a construção de uma nova hegemonia cultural. Nesta perspectiva Gramsci nos leva a refletir sobre as categorias de interpretação histórica, revolução passiva, crise orgânica, intelectual orgânico e vontade coletiva como mola propulsora para a construção de uma nova realidade cultural.

A hegemonia cultural segundo Gramsci é utilizada como mecanismo para a manutenção do Estado capitalista, uma vez que é principalmente através da coerção ideológica que a classe dominante se mantem no poder, utilizando-se deste mecanismo para repassar seus valores e interesses, transformando-os em “senso-comum”.

O senso comum é resultante de um processo de construção mental realizada por cada individuo grupo, ou classe, com base nas idéias recebidas e em seus projetos de vida. Daí a afirmação de Gramsci de todo o individuo é filosofo. Pois segundo o autor cada um constrói a sua concepção de mundo a partir daquilo que vivencia. Assim cabe ao intelectual o papel de desvelar o senso comum transformando-o numa visão coerente e unificada, que possibilite a compreensão dos processos históricos de construção, conservação e superação da ordem existente. Para Gramsci a história, tanto pode ser um cenário de afirmação da hegemonia existente como anunciadora de sua crise. Ela sempre é fruto de combinações entre: direção e coerção, entre consenso e força.

“... a escola é principal agência, na sociedade civil, de formação de intelectuais. De modo especial, preocupa-se com a preparação de intelectuais de novo tipo, organicamente ligados às classes subalternas, para que possam influir no processo da hegemonia civil, educando e formando o povo, ou seja, elaborando e tornando coerentes os problemas que as massas populares apresentam em sua atividade prática para, assim, constituir um novo bloco cultural e social”. “Por intelectuais deve-se entender não somente essas camadas sociais tradicionalmente chamadas de intelectuais, mas em geral toda a massa social que exerce funções de organização em sentido amplo: seja no plano da produção, da cultura ou da administração pública.” (Gramsci, 2000, vol. 3, p. 201. Caderno3, p.119).

Assim, para a manutenção da ordem existente o Estado precisa exercer uma função educadora e para isto ele atua “como movimento para criar uma nova civilização, um novo tipo de homem e de sociedade” (Q.8. Par. 130 p. 1020). Além da função educadora o exercício da hegemonia exige que o estado detenha os rumos econômicos, possa gerir crises, organizar as forças que detêm o poder, controlar o funcionamento das instituições públicas e dos meios de comunicação de massa responsáveis pela formação da opinião de grande camada da população.

A hegemonia é um complexo de atividades culturais e ideológicas – das quais os intelectuais são os protagonistas. Pois buscam organizar o consenso e permitem o desenvolvimento da direção moderada. Gramsci afirma que a organização do poder não poderá ocorrer mediante o uso da força o que estabelece uma hegemonia é um complexo sistema de relações e de mediações, ou seja, de capacidade de direção. Assim a direção intelectual e moral tornam-se uma das principais condições tanto para a conquista quanto para o exercício do poder.

A nos escritos de Gramsci podemos perceber o seu compromisso com a interpretação dos processos sociais. Ele busca desvelar as desigualdades presentes na sociedade capitalista, o caráter de luta de classes, tanto sob a ótica da classe hegemônica quanto da massa, marcando as possibilidades históricas de cada uma no processo de construção da hegemonia; através do desvendamento do jogo contraditório entre as classes. Gramsci busca tematizar as relações sociais existentes, tornando-as processos e buscando evidenciar os antagonismos que a engendram.

Outra questão fundamental na obra de Gramsci é que suas reflexões se dão sobre a militância política ao lado das massas camponesas de Mezzogiorno e das massas operárias da grande Turim, ou seja, surgem a partir de problemas reais, que possibilita a elaboração de um novo modo de pensar, estabelecendo a necessária relação dialética entre teoria e a prática.

Neste sentido, Gramsci mostra a importância da consciência critica do individuo, gerada pelo conhecimento de sua realidade concreta, bem como das relações e processos que a permeiam como forma de superação do comodismo existente e de transformação social. É preciso compreender que: “O político em ação é um criador, um instigador, mas não cria do nada nem se move no vazio turvo de seus próprios desejos e sonhos. Ele se baseia na realidade efetiva”. (SADER, 2005 p. 37) Essa realidade não é algo estático ou imóvel é antes uma relação de forças em constate movimento.

Mover-se no terreno da realidade efetiva consiste na busca por alternar continuamente o equilíbrio e a aplicação da vontade na criação de um novo equilíbrio de forças para dominar ou superar a força existente. “As idéias caminham e se efetivam historicamente com os homens de boa vontade, o estudo dos homens, de suas escolhas, a verificação de suas ações é tão necessária quanto o estudo das idéias”. (Q. 14, frag. 75, p. 1743).

Gramsci nos alerta que: “Todas as relação de ”hegemonia” é necessariamente uma relação pedagógica”. (Q. 10. par. 44, p. 37) pois a educação não se restringe apenas a ação escolar. A educação é um instrumento ideológico que permeia todas as ações sociais. Desde o nascimento o homem é submetido a um processo de conformismo “com a padronização do modo de pensar e de operar” (SANDER, 2005, p. 104). A ação educativa do Estado acontece como forma de garantir a hegemonia e volta-se para a formação e adaptação do homem aos objetivos econômicos, Sociais e políticos da sociedade em um determinando momento histórico. Ou seja, a “vida coletiva e individual deve ser organizada para o máximo rendimento do aparato produtivo”. (SANDER, 2005 P. 105).

A educação tanto pode servir para a manutenção da ordem existente, quanto para sua superação. Para Gramsci A educação deve ser compreendida como um desdobramento da teoria política e deve voltar-se para a compreensão dos projetos sociais que se pretende conservar ou instaurar.

Gramsci ressalta a importância da filosofia da práxis como método de compreensão do processo histórico e do conhecimento do passado como elemento necessário e essencial na construção das relações sociais presentes.

Como forma de manutenção da ordem existente o Estado exerce a tarefa educativa e formativa objetivando a criação de novos e mais altos tipos de “civilização, adequando a “civilidade” e a moralidade das massas populares mais amplas às necessidades do contínuo desenvolvimento econômico”. (SANDER, 2005 p. 97).

Este processo se volta para a formação de um tipo de homem que atenda as exigências do modo de produção e da economia de um dado momento histórico. Este processo exige a formação de modos de pensar e agir, de moralidade e de uma direção cultural apontada por intelectuais. A forma como desenvolve sua hegemonia nos leva a perceber como têm se dado o processo de formulação das políticas publicas de educação das últimas décadas e a quais são os compromissos das instituições políticas em relação a educação.

Nas duas últimas décadas ocorreram transformações, em nível mundial, em termos econômicos, sociais e culturais. Resultantes dos pressupostos neoliberais, da globalização da economia e das novas tecnologias da comunicação. Com isso, as ações governamentais, passaram a defender novas formas de gerenciamento, pautadas na redução da ação do Estado, tanto em relação às políticas econômicas, quanto às políticas sociais. Tais ações demonstram que a descentralização estaria assegurando uma ação estatal mais eficiente, eficaz e de qualidade na prestação de serviço.

A participação passou a ser mais um dos artifícios utilizados, pelos idealizadores de ações da política neoliberal, que concentram os mecanismos de controle. Assim, palavras e conceitos tais como transformação social, qualidade de vida, educação para a cidadania, gestão democrática, participação comunitária, defendidos pelos grupos progressistas e incorporados pelas lutas dos movimentos populares, foram apropriados, pela política neoliberal e acabaram sendo distorcidos, banalizados e descaracterizados do que epistemologicamente sugeriam.

As políticas educacionais adotadas nas duas últimas décadas, em nosso país, se basearam nas diretrizes políticas estabelecidas pelas agências internacionais, que financiam e assessoram projetos educacionais para os países em desenvolvimento. Isto demonstra que a prática de gestão adotada pelo Estado, volta-se mais para atender aos interesses econômicos do mundo globalizado e como forma de minimizar as responsabilidades sociais do Estado. Para isto cria-se a falsa idéia que as pessoas deliberam, quando na verdade quem mantém a ordem e o controle da ações é o Estado.

3. A Relação de Gramsci com a Educação e a Gestão Democrática

Nos escritos de Gramsci a educação representa a possibilidade de formação de um novo tipo de homem. Ele mostra essa possibilidade quando afirma que todo homem é filósofo e intelectual e exercem um importante papel no processo de construção de uma nova hegemonia. Pois, todos possuem a mesma capacidade de criar, de inovar, de construir e revolucionar. Assim sendo todos têm sua parcela de responsabilidade no processo de construção de uma nova ordem social. Para isto é fundamental que todos estejam incluídos neste processo. A superação de uma ordem existente para uma nova hegemonia só se dá pelo coletivo organizado, ou seja, pela democracia.

Todo ato histórico não pode deixar de ser realizado pelo “homem Coletivo”, isto é, ele pressupõe a obtenção de uma unidade “cultural-social” pela qual uma multiplicidade de contrates desagregadas, com fins heterogêneos, se solidificam na busca de um mesmo fim. Sobre a base de uma idêntica e comum concepção do mundo (geral e particular atuante transitoriamente – por meio da emoção – ou permanentemente, de modo que a base intelectual esteja tão radicada, assimilada e vivida que possa se transformar em paixão). Já que assim ocorre, revela-se a importância da questão lingüística geral, isto é, da obtenção coletiva de um mesmo “clima” cultural. (Cad. 10 Q 44. p. 37)

Gramsci ressalta a importância da educação como forma de superação da realidade posta ao concebê-la como uma forma de organização política por meio da qual os trabalhadores explicitam o seu modo de pensar e criam condições de redefinir conceitos a partir de sua atividade prática, compreendendo o conjunto de relações de poder presente. A criação de uma nova camada intelectual encontra-se relacionada com a elaboração crítica da atividade intelectual que há em cada individuo e que vai sendo modificada de acordo com seu desenvolvimento numa relação de equilíbrio e desequilíbrio conseguido através do próprio esforço muscular nervoso. A escola consiste num espaço voltado para a promoção da cultura, da técnica e dos vários campos da ciência, oportunizando a formação de intelectuais de diferentes níveis. A escola é entendida por Gramsci como:

Um instrumento utilizado para elaborar intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função intelectual [...] pode ser medida pela quantidade das escolas especializadas e pela hierarquização: quanto mais extensa for a “área” escolar e quanto mais numerosos forem os “graus” “verticais” da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado . (Cad. 12 Q. 3 p. 9)

As noções científicas difundidas na escola acabam entrando em choque com a “concepção mágica” do mundo da natureza presente no folclore. Assim como a noção de direitos e deveres transmitidos na escola confronta-se com a “barbárie individualista” e localista que também é fruto do folclore.

A escola enquanto instituição social traz em si esta marca, uma vez que cada grupo social possui um tipo de escola próprio. Pois a escola busca perpetuar uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental. A atividade teórica prática e o princípio educativo da escola elementar é que introduz a ordem social e estatal (direitos e deveres) de forma natural através da ordem do trabalho busca-se atingir um equilíbrio entre a ordem social e a ordem natural fundamentada no trabalho.

Contudo Gramsci aponta que a escola pode oferecer o ponto inicial para o desenvolvimento de uma nova concepção histórica dialética do mundo, visando à formação de um novo intelectual. Este novo intelectual está relacionado ao organizador, construtor militante que, além de elaborar e dar organicidade as formas de pensar e compreender o mundo seria o responsável por sua veiculação. Assim a escola tanto pode atuar para a manutenção da ordem existente como para sua transformação, dependendo se sua correlação de forças sociais a escola pode transformar-se numa instância produtora e criadora de ideologias, cultura e de formação de uma nova forma de governar, por esta razão ela é considerada um espaço de luta hegemônica.

Neste sentido o professor enquanto intelectual organizador da cultura e dirigente, tanto pode estar comprometido com os interesses do capital ou vinculado aos interesses dos trabalhadores. O professor enquanto intelectual comprometido com a transformação social deve, em sua ação cotidiana, voltar-se para a elevação do nível intelectual das massas, contribuindo para uma visão crítica da realidade, superando as visões mágicas e religiosas do senso comum. Este professor deve atuar para a construção e fortalecimento da concepção histórico dialética do mundo, que está ligada a um projeto de superação das relações capitalistas de produção. Por outro lado a função do professor enquanto intelectual que representa os interesses da classe burguesa consiste num trabalho de conformação da massa a esse sistema de exploração e de exclusão da sociedade capitalista que insiste em coisificar o homem, tratando como mero consumidor.

A teoria de Gramsci nos possibilita refletir sobre o conceito de democracia e do processo de gestão democrática na educação. Podemos perceber que da mesma forma como a hegemonia cultural capitalista reforça a fragmentação, impedindo que se perceba o todo e com isto as contradições existentes. Assim acontece com o processo educacional onde os princípios que regem a educação pública são considerados democráticos, porém nas relações cotidianas dos espaços escolares esses princípios nem sempre são vivenciados.

O discurso da democracia representativa veio permeando os debates e estudos na área da educação no Brasil, desde a década de 1930, e somente cinqüenta anos depois (1980), com o estabelecimento do Sistema Democrático no país, é que houve uma mudança em relação ao sentido hegemônico do debate sobre Democracia na Educação. A partir daí inicia-se toda uma discussão sobre a democratização do sistema educacional e das Instituições Escolares, que tem como pontos principais e respectivamente a descentralização e a eleição direta para dirigentes escolares. Nota-se ainda, a criação de mecanismos que assegurem a participação da sociedade civil no debate da política educacional.

Porém, a gestão democrática da educação, enunciada no contexto da Constituição de 1988, ainda continua sendo um desafio a educadores e intelectuais que se dedicam ao ensino e à pesquisa. Trata-se de uma prática que exige o empenho de toda a sociedade, porque supõe a vivência de práticas democráticas e o questionamento de uma tradição política e cultural que historicamente primou pela imposição da autoridade. Na realidade política brasileira, foram raros os períodos de vivência de relações efetivamente democráticas, prática que implica o exercício de liberdade política e o acesso da maioria da população aos direitos civis e políticos.

Segundo Schlesener “ A educação no Brasil tem presente o desafio de formar para a liberdade, desenvolvendo a consciência crítica no âmbito de sua responsabilidade, que é a formação das novas gerações”. Em relação a gestão democrática Schlesener ressalta:

a gestão democrática da educação, na forma específica da formação escolar, insere-se no contexto da formação do Estado moderno e no processo de instituição das modernas democracias. O Estado, ao exercer a sua função efetiva de implementar um projeto econômico e político, também realiza a sua função educativa de adequar os indivíduos às exigências da produção e às condições sociais de uma época e de uma sociedade, ou seja, a política efetiva-se pela relação com a cultura e toda ação que vise concretizar um projeto político precisa considerar a questão da formação do homem.

O que podemos perceber é que as políticas educacionais adotadas nas duas últimas décadas, em nosso país, se basearam nas diretrizes políticas estabelecidas pelas agências internacionais, que financiam e assessoram projetos educacionais para os países em desenvolvimento.

A modernização da gestão escolar passou a ser um dos aspectos amplamente abordados nos projetos educacionais, como forma de melhoria na produtividade do sistema educacional. A Gestão Escolar ganha destaque nos debates educacionais, voltando-se para a defesa de uma administração escolar democrática participativa, dinâmica. Visando com isso, superar as mazelas existentes, da administração centralizadora e hierarquizada.

As reformas ocorridas na educação deram abertura para que as escolas públicas pudessem estar repensando sua estrutura e funcionamento, tanto do ponto de vista pedagógico, como do ponto de vista administrativo. Neste sentido, a implantação da gestão democrática e da autonomia passou a fazer parte das políticas educacionais. Os sistemas de ensino, em atendimento a legislação em vigor, buscaram consolidar essa medida com a implantação de processo eleitoral para o cargo de diretor das escolas, com a criação de conselhos escolares e ressaltando a necessidade, de que cada unidade escolar estivesse elaborando o seu Projeto Político Pedagógico de acordo com a realidade específica de cada unidade escola.

Apesar da garantia expressa na legislação em vigor a gestão democrática ainda não é totalmente compreendida e incorporada à prática social global e à prática educacional, pesar de sua importância como recurso de participação humana e de formação para a cidadania.

De acordo com Torres, (2005 p. 2, 3), “a gestão escolar instalada hoje nas escolas não está inspirada em uma teoria revolucionária, capaz de viabilizar a escola anunciada por educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire”. A gestão já não é a mesma. A escola alcançou certo tipo de autonomia, descentralização e participação, porém a gestão democrática não tem conseguido avançar significativamente. Ainda prevalecem no interior das escolas uma cultura de silêncio e um modelo administrativo que insiste em tratar o aluno como cliente e a educação como produto mercadológico. O que tem faltado aos atores que compõem a escola é a crença em um projeto de sociedade e a paixão anunciada por Gramsci como necessária e essencial para que ocorram as transformações.

Gramsci nos alerta que para atingir os seus objetivos o Estado utiliza-se da organização civil e militar especial como forma de resistência e conservação.Esta estratégia é utilizada pelo Estado como forma de controlar o adversário impedindo que ele se reforce e venha a desenvolver ações inovadoras para a superação da ordem existente.

Não é nada além de uma teorização sofista da passividade, de uma maneira “astuta” [...], em que a “tese” intervém para delibitar a “antítese”, pois exatamente a antítese, que pressupõe a renovação de forças latentes e adormecidas que precisam ser arduamente estimuladas, tem necessidade de se propor objetivos mediatos e imediatos para reforçar seu movimento de dominação. Sem a perspectiva de objetivos concretos, não pode existir movimento algum (SANDER, 2005, p. 128).

A experiência dos Conselhos de Fábrica apresentado por Gramsci pode ser compreendida como a primeira experiência de organização da hegemonia e de educação voltada para um novo modelo de gestão democrática da sociedade. A organização política dos trabalhadores representa o compromisso com a valorização da educação de cada um e com a difusão do saber e da experiência do grupo, independente dos grupos intelectuais, ou seja, da educação escolar tradicional.

No processo de tomada das fábricas e de construção de uma nova forma de governo Gramsci reforçava a importância de se libertar dos conceitos ideológicos transmitidos pelos intelectuais de carreira que buscava disciplinar de forma mecânica e autoritária os indivíduos afastando toda e qualquer possibilidade de desenvolverem uma visão crítica da realidade. Gramsci ressalta a importância de intensificar a cultura para aprofundar-se na consciência crítica da realidade. Pondo fim ao conformismo e assumindo para si a responsabilidade com a coletividade e com transformação social.

Compreendendo que toda construção hegemônica está permeada por uma relação de forças (GRAMSCI, 1995), coloca que a construção de um processo de democratização da gestão escolar esta no contorno de um movimento de idas e vindas, encontrando-se, na maioria dos casos (Estados e Municípios) sujeita à vontade dos detentores do poder e contando, em poucos casos, com a participação das forças progressistas da sociedade civil, podendo gerar apatia ou conformismo por parte dos diversos segmentos escolares, os quais se sentem à parte do processo, pois consideram que não foi uma conquista sua.

Nesse sentido, (BASTOS, 2002, p.10), afirma que Isso ocorre porque “os atores sociais que participam do debate nem sempre são os mesmos que constroem os movimentos, e aqueles que se comprometem com os movimentos nem sempre são os mesmos que constroem as práticas administrativas compartilhadas”.

O histórico da educação brasileira sempre foi marcado por deficiências e contradições exorbitantes, desde sua implantação, no período colonial. A classe hegemônica sempre utilizou a educação como forma de manutenção do status quo. Os projetos educativos em sua maioria foram excludentes e elitistas da grande maioria da população. As ações educacionais propostas nas políticas públicas do Estado, quase sempre, reduziam-se a interesses políticos eleitorais e na maioria das vezes foram marcadas pela morosidade. Neste sentido Paro nos alerta:

Uma sociedade autoritária, com tradição autoritária, com organização autoritária e, não por acaso, articulada com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposta à da democracia. (...) os determinantes econômicos, sociais, políticos e culturais mais amplos é que agem em favor dessa tendência, tornando muito difícil toda ação em sentido contrário. (PARO, 2004 p. 19)

Esta afirmação nos leva a refletir sobre a experiência vivenciada pelos trabalhadores de fábrica que ao se organizarem tinham em mente que a liberdade individual só se constrói através da união e da solidariedade na busca de determinados fins, atuando de acordo com as metas estabelecidas coletivamente através do debate. A superação do individualismo só poderia se dar através de uma nova noção de liberdade, construído através da solidariedade e respeito aos outros.

A gestão democrática não pode ser compreendida como algo concedido. A democracia como afirma Paro (2004) “não se concede, se realiza” é um processo que se constrói a partir de mecanismos voltados para a democratização e um dos primeiros passos nesta direção é a busca pelo conhecimento crítico da realidade existente, analisando os determinantes da atual situação e buscar meios para sua superação. Com certeza o caminho não é fácil, porém é necessário, uma vez que não pode existir democracia plena sem a existência de pessoas democráticas para exercê-la.

4. Considerações Finais

Se educar consiste em forma o individuou para viver em sociedade, de acordo com projetos pesados por outros (classe hegemônica), criando uma idéia de civilização. E se esta função cabe ao Estado, é necessário conhecer sua estrutura, desvelar os mecanismos que utiliza para “criar e manter um certo tipo de civilização e de cidadão”, ou seja, é preciso compreender qual o compromisso das instituições políticas e sociais com a formação do homem. (Q. 13, par. 11, p. 1977).

É nessa linha de raciocínio que Gramsci discute a organização da escola, pois a considera uma das mais importantes instituições que movimentam o conteúdo ético estatal, isto é, das ideologias que circulam na sociedade civil seja com a finalidade de legitimar o grupo dominante tradicional, ou de lutar contra ele para fundar uma nova sociedade.

Ao refletirmos sobre essas palavras e as vincularmos ao nosso objeto de pesquisa, percebemos que não podemos analisar a Gestão Democrática apenas na sua relação administrativa, precisamos descobrir e estudar as várias inter-relações que este objeto abrange e como a realidade interage com o mesmo. Pois, a gestão democrática escolar implica a participação e o envolvimento de todos os segmentos nos rumos da escola, buscando oferecer uma educação de qualidade com base nos princípios da solidariedade, da democracia do valor ao ser humano e do respeito ao educando.

Acreditamos que um passo fundamental para isto é a necessidade de interpretar e analisar o discurso ideológico da globalização. Para nos rebelarmos contra essa ameaça que nos atinge, ao ponto, de como seres humanos, negarmos nossa condição em favor de uma ética de mercado, aberta a gula do lucro e insensível aos apelos da gente.

Gramsci nos dá um exemplo de que é possível desenvolver um novo modelo de gestão democrática capaz de gerar a possibilidade de participação política efetiva de todos os atores envolvidos na estrutura política da sociedade. O que não podemos é deixar nos levar pelo discurso ideológico do neoliberalismo. Gramsci já em 1920 alertava para a necessidade de elaboração de uma consciência crítica e contextualizada, mostrando os limites da democracia burguesa e ampliando a noção de educação. Ele mostrou através do Conselho de Fábrica que é possível a construção de uma nova ordem social, com a gestação de um novo Estado construído coletivamente através da solidariedade, da consciência crítica, visando possibilitar a liberdade individual no conjunto da vida coletiva.

Assim, a construção de um processo de gestão centrado em valores democráticos, é tarefa política e educativa da escola, que se constitui num local privilegiado de formação do cidadão como ser social histórico e sujeito de relações. Desta forma a escola, deve possibilitar no seu cotidiano, a participação de todos os seus atores em experiências que explicitem de fato os valores democráticos.

Não existe uma fórmula de tornar a escola democrática. Na realidade, a democracia é um processo que se constrói coletivamente, no processo político e cultural da escola, onde a gestão não se limita ao administrativo, pressupõe autonomia administrativa, financeira e pedagógica. No qual cada escola estabelece seus objetivos, suas metas em consonância com a sua missão; tendo claro que tipo de cidadão quer formar, para atuar em que tipo de sociedade.

Para isto a escola deve elaborar, conjuntamente, seu projeto político pedagógico e estabelecer seu próprio sistema de avaliação. Isto faz com que a escola vai se tornando democrática na sua essência pedagógica, traduzida por seu caráter público e pelas novas relações sociais que estabelece através do diálogo, do debate, do partilhamento de decisões, e, principalmente pela formação para a cidadania.

Compreendemos que um trabalho desta natureza implica na colaboração, na co-responsabilidade e na solidariedade, o que torna a participação, da comunidade interna e externa fator essencial nessa construção coletiva de prestação de serviço educacional de qualidade, comprometido com a formação do ser humano.

Enquanto educadores comprometidos com a transformação social, nós precisamos nos mobilizar e lutar pela “ética da solidariedade humana”. Isso só será possível através do desenvolvimento de uma prática educativa e um modelo de gestão, embasados, segundo Paulo Freire (1996), na ética pedagógica e numa visão de mundo alicerçada na rigorosidade, na criticidade, no risco, na humildade, no bom senso, na tolerância, na alegria, na curiosidade, na competência, na generosidade... permeada pela esperança. Educando para a autonomia. Pois a autonomia faz parte da natureza educativa. Sem autonomia não há educação, não há ensino e nem tão pouco a aprendizagem. Mais importante que levar todas as crianças para a escola é possibilitar que elas tenham uma educação realmente de qualidade voltada para a emancipação do homem e a politização da sociedade.

5. Referências Bibliográficas

BASTOS, J.B (Org.) Gestão Democrática . Rio de Janeiro. 2002

GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. (1989 a).

GRAMSCI, A., Quaderni del Carcere. Torino, Einaudi.Editore, 1977.

____, Cadernos do Cárcere: introdução ao estudo da filosofia de Benedetto Croce. Volume 1. Trad. COUTINHO, Carlos Nelson et al. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 494p.

____, Maquiavel, a política e o estado Moderno. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. (1989b).

____, Os intelectuais e a organização da Cultura. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1991.

PARO, Vitor Henrique Gestão Democrática da Escola Pública 3. ed. São Paulo: Ática, 2004.

SADER, Emir, Gramsci: poder, política e partido. Tradução: Eliana Aguiar 1. ed. São Paulo. Expressão Popular, 2005.

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Cleuza Regina
Enviado por Cleuza Regina em 28/04/2009
Reeditado em 30/04/2009
Código do texto: T1563850
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