Pelo Dia do Ócio*

O primeiro dia de maio foi dedicado ao trabalho – mas o que ele significa? Na Bíblia, o trabalho representou castigo para o primeiro homem. Na mitologia grega, ele foi tido por suplício. Em latim, tripalium, de onde vem trabalho, nomeia o instrumento de tortura, feito com três paus. Assim, até o século XVI, trabalho significou negatividade, castigo, punição, pena e tortura.

Foi a revolução protestante, iniciada com Lutero, que imprimiu novo sentido ao trabalho, que passou a nomear as ações produtivas dos escolhidos por Deus, cujo trabalho seria positivo. Quanto mais obras, mais bênçãos divinas.

Essa visão se identificou com o uso da ciência produtora de ferramentas tecnológicas. Chegado o século XX, já colhíamos os frutos da intervenção tecnocienticista no mundo. Individualizado pela ideologia liberal e ocupando o centro do mundo por conta de uma visão que o catapultou ao centro e ao topo, o homem desembestou. Que dormíssemos com o barulho da depredação da natureza, bruta e desencantada. E que nos apegássemos à metafísica materialista da paz perpétua e da felicidade universal, preconizadas pelo Iluminismo, o movimento aferrado à ordem, ao progresso e à evolução.

Essa parecia a nova sina das Evas e dos Prometeus modernos, premidos pela urgência da produção descomedida de mercadorias. Desse modo, de tanto estar no centro, conhecendo tudo, desvendando ordens, progressos e evoluções, o homo tecnologicus contemporâneo tornou-se bastante afoito para ter na própria obra sua primeira inimiga.

Hoje, em pleno século XXI, nosso desafio parece ser o de encontrarmos um sentido no ócio, aquele sem o qual os gregos não viam possibilidades de cultivo da vida espiritual e intelectual, a condição de possibilidade da mente sã que pressupõe o corpo sadio.

Esse postulado se torna mais grave quando vemo-nos metidos numa correria tão obtusa, que perdemos de vez o foco de nossa ação no mundo. Sem saber onde chegar, vemo-nos feito oroboros, a serpente a morder o próprio rabo. E não saímos do lugar, nem ascendemos a patamares de existência qualificados pelo sentido da vida.

Sobre o sentido da vida, Viktor Frankl, que foi prisioneiro em Aushiwtz, o famoso campo de concentração nazista que contribuiu sobejamente para o holocausto, ensinou que ele, esse sentido, pode ser encontrado na ação produtiva, no amor e na experiência do sublime, interconectados. Não creio, pois, no trabalho desvinculado do afeto e do encantamento, posto que, com essa configuração, o trabalho não supera a marca da negatividade com que apareceu no início da nossa cultura ocidental.

Talvez, aí, tenhamos de voltar aos gregos. O ócio começa a surgir como o caminho para o cultivo de si, da vida e do humano. Sem ele, pouco se pode falar de produção interessante, com qualidade e criatividade, esses qualificativos sem os quais tornamo-nos autômatos desencantados, sem razão de ser, sem porquê.

Pensando nesses valores, não é chegado o momento de pensarmos em um Dia Mundial do Ócio, sobretudo para que o humano resgate o cuidado de si?

* Publicado no Diário da Manhã, dia 09.05.2009, p. 19.