Alegoria agnóstica

Três amigos caminhavam por uma feira quando suas atenções voltaram-se para um sujeito que segurava um pequeno copo em cada mão. Diante dele estendia-se uma pequena mesa quadrada sobre a qual podia-se notar uma pequena bola de espuma. O homem logo desafiou os camaradas a participarem de seu jogo às custas do que carregavam no bolso. Os amigos interessam-se pela proposta e então procuraram conhecer as regras que os levariam a realizar suas apostas. Com efeito, o homem disse:
"Esconderei a bolinha, que se acha nessa mesa, sob um dos copos que tenho nas mãos. Mistura-los-ei rapidamente e então mantê-los-ei inertes. Vocês deverão escolher em qual copo se encontra a bola. Mas antes que eu revele qual o copo, as apostas deverão pousar sobre a mesa."
Os três amigos concordaram e agiram de acordo. Observaram com muita atenção a habilidade do prestidigitador, que logo parou os copos.
Apenas dois dos três amigos depositaram todo o dinheiro que tinham sobre a mesa, visto que possuíam irrefutáveis argumentos sobre a posição exata da bola. O terceiro estava resolvido a apenas assistir o resultado, evitando qualquer aposta.
Os dois camaradas fizeram suas escolhas e apostaram em copos diferentes, já que possuíam motivos distintos para suas convicções quanto ao copo verdadeiro.
O primeiro revelou os motivos pelos quais estava certo de que escolhera o copo verdadeiro:
"Estou certo que minha escolha é a verdadeira. Serei o vencedor por simplesmente ter feito melhor uso de meu raciocínio. Durante a ágil movimentação das mãos do homem, pouco antes de pousar os copos, notei titubeio acidental que me permitiu observar o deslizar da bola abaixo do copo, que nesse instante se acha na direita. É, com efeito, essa a minha sensata e irrefutável escolha, na qual faço minha aposta."
Em seguida, o segundo apostador passou a falar dos motivos que o levaram a escolher o outro copo:
"Sua crença imprecisa soa mal aos meus ouvidos adestrados à sabedoria. É óbvio que o que viste, durante o mencionado titubeio das mãos do homem, não se tratava da bola, mas de uma mera silhueta gerada pela rápida mudança de posição com o copo vazio que escolheste. Estou certo de que se enganou em sua escolha por um simples fenômeno de retardação da retina. Escolho, consequentemente, o copo da esquerda."
É digno de nota que as escolhas adversas desses dois amigos, bem como os motivos pelos quais puderam chegar até elas, geraram discussão entre ambos. A razão é que os argumentos de uma crença, quando abalados pelos de outra, subjuga imediatamente o raciocínio de seu defensor o qual se entrega a um frenético combate verbal a fim de proteger a integridade da crença que julga veraz.
Logo, o terceiro amigo os interrompe a fim de apaziguar a situação e resolvê-la.
"Você é preguiçoso e conformado." disse um dos interrompidos para quem o interrompera. "Por qual motivo assumiste uma posição retraída quanto à posição da bola? O que o fez deixar de apoiar uma escolha e satisfazer-se com a observação dos que escolhem? Mostra-nos a lógica disso."
"Já que desejam conhecer os motivos pelos quais considerei mais razoável a posição neutra quanto à posição da bola," disse o camarada que não apostou. "passarei a detalhá-los, mas antes que o faça, ficaria grato se o homem erguesse os copos a fim de revelar-vos, empiricamente, o que até então só lhes era possível crer pela teoria."
O homem apanhara então os copos com ambas as mãos e os erguera da mesa causando sobressalto aos dois apostadores: nos lugares onde a certeza desses homens repousavam, não havia nada. A prestidigitação do sujeito havia sobrepujado os olhares aguçados dos apostadores. Eles não perceberam o momento em que arremessara a bola para fora da mesa.
Destituído de qualquer assombro, o sujeito que não havia feito parte nas apostas expusera seu ponto de vista:
"Antes de tudo, devo mencionar o quão lamentável fora o modo cego como permitiram que as teorias, nas quais depositaram fé, os levassem ao engano gerado pela ignorância de um ponto elementar da lógica. Eu, como observador do jogo, em momento algum tive certeza da exata posição da bola. Fui o único que não perdi nada simplesmente por ter admitido certas possibilidades que vocês ignoraram. Numa visão superficial do jogo poder-se-ia encontrar duas opções para o verdadeiro paradeiro da bola: o copo da esquerda ou o da direita. Todavia, para o pensador treinado, haveria mais do que essas duas possibilidades. A opção de retirada da bola durante o jogo é uma delas. Dessa forma, ao menos três possibilidades razoáveis existiam para o paradeiro da bola, em vez de apenas duas, como a princípio aparentava. Vale notar que poderia haver uma quarta possibilidade. Essa, por limitação de nosso conhecimento, não analisamos. Por desconsiderarem essas coisas, perderam as apostas. Eu, que fui chamado de preguiçoso, não perdi nada.
Em seguida, ao encerrar o discurso, o camarada propusera um almoço às suas custas, visto que era o único entre os presentes que possuía algum dinheiro para tal.

Alexandre Grasselli - Maio 2009










 
Alexandre Grasselli
Enviado por Alexandre Grasselli em 07/05/2009
Reeditado em 16/05/2022
Código do texto: T1580022
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.