CONVITE À REFLEXÃO PELO FIO DA EMOÇÃO

*Dinorah CARMO

Divinópolis, cidade progressista do Centro-Oeste mineiro, nada fica a dever a outras , inclusive às capitais, no que toca às suas atividades culturais, sobretudo nas manifestações literárias, teatrais e musicais. Foi com esta impressão que deixei a agradável Terra de Candidés, que há tempos não visitava, após assistir aos RECITAIS DAZIBAO, no dia 14 de dezembro do ano que passou, sob o patrocínio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, no Teatro do SEST/Senat. Pena que havia pouco público (metade da casa) para um espetáculo denso, plasticamente bonito e tão propício à reflexão.

Dividido em três partes (1968: A poesia em Transe; O Ser Poético; e Viver em Maio), o espetáculo se encaixa nesta citação do escritor, crítico literário e ensaísta Fábio Lucas, ao abordar os limites da Literatura e Jornalismo, em artigo recente publicado no periódico Conexão Cultural, do jornalista Rogério Zola Santiago: “A contribuição simbólica é ampla, engloba a linguagem, a arte, o mito, a religião, a filosofia e a ciência. Ao usar símbolos, o homem pode exprimir intenções, significado, desejos e, portanto, adquire o poder de alterar as formas da vida social.”

E foi a isto que se propôs esse grupo divinopolitano de teatro, música e literatura, encantando o público com interessante espetáculo, produzido pela jornalista Sara Coelho e dirigido pelo professor e ator Osvaldo André de Mello.Passo a analisá-lo a seguir, até mesmo com certo personalismo, fugindo um pouco da objetividade de minhas costumeiras críticas teatrais, no que peço desculpas ao leitor, embora tenha meus nobres motivos.

Com “1968: A Poesia em Trânsito”, texto de Torquato Neto, Alex Polari, de tropicalistas e outros, os poetas/atores Adriana Versiani, Camilo Lara, Daniel Bilac, Valquíria Rabelo e Vítor Gomes (responsável pela direção musical e guitarra) deram seu recado denunciativo, criativo , retrocedendo no tempo, aos anos de chumbo, utilizando a linguagem metafórica. Com ótima interpretação coletiva, fizeram a ideologia misturar-se à poesia vanguardista, onomatopáica, dentro de um concretismo de formas e conteúdo admiráveis, na medida que entrelaçavam música e poesia da melhor qualidade . Esta parte do espetáculo atingiu meu intelecto e minha estética.

Cada passo, gesto e ação que faço são definidos pelas minhas experiências adquiridas no passado. “Nada no presente está liberto”, afirma o historiador e artista plástico Miguel Gontijo, em sua obra pictórica magistral. Declamadora e atriz que também fui, assim me senti ao apreciar, admirada, emocionada quase às lágrimas, a declamadora e atriz de circo Aparecida Nogueira, do alto de seus lúcidos e bem vividos 90 anos. Em O Ser Poético, ela apresentou seu repertório de poesias de gênero variado, revelando fantástica memória, em declamações de forte apelo emocional, mas dosadamente interpretadasos, posto que direcionadas por Osvaldo André de Mello, com segurança e sensibilidade. Ao interpretar Tédio, de Henry Heine, Aparecida Nogueira comoveu a platéia e fez-me voltar com saudade ao passado, quando também declamava o mesmo poema no meu colégio, em suas reuniões sócio-culturais, na minha pequenina Santo Antônio do Monte, também no Centro-Oeste mineiro.

Sim, é no tempo em que são depositadas as mais diversas experiências, que o passado distingue com sua probidade e sobrepõe transformando-se numa realidade nova e quase sagrada, no presente. O acontecimento, após vivenciado, torna-se apenas uma visagem a nortear um novo acontecimento.É um trabalho para ser sentido e só depois compreendido, contemplado. Foi assim que me senti, ao assistir Morrer em Maio, performance sobre os poemas de Frei Miguel Rodrigues dos Anjos, de saudosa memória, meu grande amigo, orientador espiritual e confidente recíproco, por 45 anos de conhecimento (1962 a 2007), quando partiu para outras dimensões...

Os atores, oscilando entre o sagrado e o profano, representaram profanações, pois não há nada que se torne público sem ter sido profanado. E novamente aqui Osvaldo André se revela em bom gosto na seleção dos poemas miguelinianos, na concepção direcional e de competente interpretação como ator, em cenas impactantes do espetáculo. Reforçada pela excelência dos outros dois atores (José Carlos Gonçalves e Simone Santus, com sua bela voz), que também brilharam em suas interpretações, essa última parte dos RECITAIS DAZIBAO deixa no ar o desabafo assombroso, denso, lírico e conflitado de certos momentos da vida daquele sacerdote, que também não deixava de ser homem.

E que ser humano especial era Frei Miguel, derramado em generosidade, humanismo cultura e sensibilidade, que deixou de ser Orlando, da cidade de Salinas, após seus votos de pobreza, humildade e castidade, tornando-se universal! Ali estava o divino e o profano, o espírito e a matéria, Orlando X Miguel, falando em poemas profundos de coisas tão reais, tão fortes e bonitas pela boca dos atores e por sugestivos elementos cênicos e figurino, desnudando sua alma e revelando, poeticamente, toda a dialética do sentimento humano.

*Jornalista e crítica de arte

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 16/05/2009
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