CORDEL COLETIVO HOMENAGEIA CICINHO GOMES

O Cordel Coletivo “Cicinho Gomes – O Poeta do Silêncio” saiu da gráfica, sábado passado. Não considero que este seja apenas um cordel, para mim é um pequeno livro. Pequeno em tamanho, porém grandioso em importância, por homenagear o saudoso poeta Cicinho Gomes, e pela quantidade de poetas que externaram suas saudades com a partida de Cicinho, através de poesias e depoimentos. São cinquenta e dois poetas em um só cordel, cada um mais emocionado que o outro.

Essa modesta homenagem surgiu graças ao Poeta Dedé Monteiro, que sensibilizado, procurou comunicar a todos os amigos de Cicinho o seu falecimento e ao mesmo tempo sugeriu o mote “Cicinho Gomes morreu”, para que todos pudessem glosar homenageando o grande poeta. O Jornal da Besta Fubana (blog), foi o veículo de comunicação utilizado, por quase todos, para transmitirem suas mensagens de pesar aos parentes e amigos do poeta Cicinho Gomes.

Observando que eram muitas poesias e muitos depoimentos, que circulavam nos emails e no referido Jornal, para se prestar homenagem e lamentar a despedida de Cicinho, tomei a liberdade de sugerir ao poeta Dedé Monteiro, a criação de um Cordel Coletivo. Ao que Dedé se prontificou sem pestanejar. Conversei a respeito com nossa amiga Ana Ferraz, da Editora Coqueiro, que, além de achar uma boa ideia, solicitou que o cordel fosse editado por ela, pois seria uma forma dela também homenagear Cicinho.

Eu e Dedé Monteiro trabalhamos diuturnamente, trocando mensagens eletrônicas, entre nós e com os diversos poetas, que conheceram e gostavam de Cicinho. Fizemos isso na intenção de que o cordel fosse elaborado com o maior número possível de glosas e tivesse uma boa qualidade. “Boa parte destas poesias foi recebida pela internet e lida antes do sepultamento, pelo poeta Dedé Monteiro”. A Editora Coqueiro nos cedeu 520 exemplares, os quais foram distribuídos com os poetas, sendo 10 exemplares para cada.

Sei que o saudoso Cicinho, pela sua grandeza poética e pela figura humana que era, merecia uma homenagem bem maior, mas nem sempre conseguimos realizar um trabalho de reconhecimento do tamanho que o homenageado merece. O importante é que, com o pesar dos poetas e amigos de Cicinho, sua ida para eternidade ficou registrada pelos que gostavam dele e o admiravam.

“Cícero Gomes Filho, Cicinho Gomes, é filho de Cícero Gomes da Cruz e Maria Tereza das Dores. Egipciense (São José do Egito- PE) do Sítio Caldeirão do Boi, mas tabirense por opção e de coração, desde o final da década de 40. Casou com Ridailda Mascena Gomes, com quem teve quatro filhos: Mozart, Sandro, Sérgio e Gustavo. Fanático por poesia e poeta desde sempre, tanto escrevia bem como improvisava. Muito introvertido e arredio, falava pouco, pensava muito e, nos últimos anos de vida, teve na solidão a sua companheira predileta e inseparável. Faleceu em Tabira-PE, na tarde do dia 11/03/2009”.

Quase todos os poemas desse cordel foram publicados no Jornal da Besta Fubana. Transcreverei aqui, apenas as apresentações feitas por mim e por Dedé Monteiro e o prefácio, magnificamente escrito pelo nosso amigo escritor e poeta, Joselito Nunes.

“Poetas e Amigos, vejam como foi, ao mesmo tempo, triste e bonita a despedida dos amigos/poetas ao vate Cicinho Gomes, que deixa bem mais pobre a nossa poesia. Abraços!”

Dedé Monteiro

“Poetas, mesmo sem o conhecer, me emocionei a cada poesia que li homenageando Cicinho. Daí veio a ideia de fazer este cordel. Com o empenho do Poeta Dedé, chegamos a esta obra prima. Abraços!”

Ismael Gaião

O SILÊNCIO DE UM POETA, FALA POR ELE MESMO.

Joselito Nunes

Já tinha visto Cicinho, em cantorias aqui pelo Recife, mas não tínhamos muita aproximação. Isso foi numa época em que, Manoel Filó, morava numa casa alpendrada ali no bairro do Hipódromo, que era na verdade uma grande embaixada sertaneja.

Foi quando Zé de Cazuza, criou coragem, pegou na viola e começou a cantar pro lado daqui. Tinha um negão, de Camaragibe, tinha Seu Nozinho do ferro velho, em Campo Grande e outros mais que agora não lembro, que eram grandes promotores de cantoria.

Nessa ocasião eu conheci Urbano Lima, com quem freqüentei todos esses lugares. Nessa época a cantoria era muito prestigiada por aqui. Pinto, Lourival e Xudu ainda eram vivos e foi não foi, estavam cantando no Recife.

Então eu via Cicinho, um sujeito calado magro e moreno com um cabelo preto e muito fino, andando na companhia do mestre Ivo Mascena. Mas eu por ser novato, não sabia do poeta que estava ali a nos observar a todos, como fazem sempre os que abraçam essa difícil e penosa arte, (todos os que são condenados a viverem e morrerem por ela).

Só muito tempo depois, é que me aproximei desse pequeno grande homem, inclusive através de uma glosa sua, que me foi passada por Antônio de Catarina, em cima do tema, "o que eu admiro":

“Eu admiro o cancão

Na cabeça de uma estaca:

Olha pra baixo e pra cima

Acuando a jararaca,

Como quem diz: "ah meu Deus,

Ah se eu tivesse uma faca!..."

Esses versos calaram em mim, não só pela perfeição de rima e métrica, mas pelo retrato em preto e branco, ali diante dos olhos.

Eu que nasci e vivi toda minha infância e adolescência na caatinga, assisti muitas vezes à perseguição tenaz, da cobra venenosa, pelo cancão, ela rastejando indiferente à sua ira e ele em cima de marmeleiros e caatingas brancas, procurando a todo custo e desarmado, defender os da sua espécie.

A serpente representava o inimigo que ele não podia matar, mas enquanto a sua voz saísse da garganta, ele resistia. Havia um ostensivo sentimento de indignação, na atitude do cancão, que pouco podia fazer além de, com o seu trinado insistente, procurar denunciar a presença de um inimigo perigoso.

Esses versos de Cicinho, indiquei para uma antologia organizada por João Veiga, Luiz Carlos Diniz e Evilácio Feitosa, que se chamou O QUE EU ADMIRO, uma das melhores publicações de 2008.

Tive vontade de procurar Cicinho depois, pra gente discutir esse tema, pois eu percebia claramente naqueles versos simplórios e profundos, um grito de indignação contra as injustiças sociais ainda tão contundentes na nossa nação nordestina, mesmo depois da virada do século.

Sempre o grande e poderoso sobre o pequeno e mais fraco. Mas não deu tempo, até por que a gente se acostumou a pensar que os poetas jamais vão nos deixar e vai deixando eles no lugar onde sempre estiveram, ou seja: ao largo da nossa lembrança.

Acho que com a morte do poeta, só quem vai ganhar nessa história é Deus. Porque Cicinho vai, com certeza, pro céu.

O seu silêncio e a sua quietude ficarão entre nós, como as coisas findas do poeta Drummond:

"Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.”

Muito me deixam orgulhoso, as atitudes de dois grandes e velhos amigos Dedé Monteiro e Ismael Gaião em me colocarem no meio de tantos poetas, nessa belíssima ANTOLOGIA.

Sinto-me um Pilatos que nunca deveria ter entrado no "credo". Os poetas, que não foram poucos, e a quem não posso nominar, de um por um, cada um deles, teceu um manto do mais fino algodão dos nossos roçados sertanejos e vêm agora oferecê-lo para embalar os sonhos desse poeta maior .

Na sua longa e silenciosa caminhada...