Adorno: educação e progresso ou violência e progresso*.

Um dos conceitos mais interessantes elaborado pelos filósofos da escola de Frankfurt para descrever nossa época é o da sociedade unidimensional.

A sociedade totalmente administrada, um dos aspectos mais lúgubres herdados da ideologia iluminista, destruiu a nossa autonomia. Assistimos, ao desaparecimento do sujeito e, concomitantemente, à ascensão das massas.

Nesse sentido, a Ciência não encontrou a sua destinação humanista. Observamos a ênfase na racionalidade técnica que separou os meios e os fins. Trata-se do impulso para a dominação completa da natureza e do homem. Todavia, continuamos temendo o desconhecido. Ironicamente, a mesma angústia encontrada no Mito.

Segundo Adorno: mito e ciência se aproximam como tentativas de controlar a natureza. Tanto o feiticeiro, como o cientista, trabalham com o princípio da identidade. A Matemática transformando o pensamento em instrumento de poder.

Para compreendermos melhor a ligação entre progresso e violência, reflitamos na Odisséia, mais precisamente o canto XII, através da interpretação de Adorno e Horkheimer no livro Dialética do esclarecimento. Pensemos nessa epopéia e na construção da individualidade.

Sem dúvida, a narrativa dos perigos do retorno de Ulisses de Tróia para Itáca, ainda é uma grande lição para nós. Vejamos: o caminho percorrido através dos mitos por um eu fisicamente muito fraco em face das forças da natureza, a emergência da razão, o retorno à pátria e aos seus bens e, finalmente, as seduções que desviam o eu da trajetória de sua lógica.

Ulisses cede a cada sedução experimentando-a como um aprendiz voraz e incorrigível. Usa sempre a astúcia. Não se trata de uma luta física. Perder-se para poder se ganhar, porém o preço da vitória é o desencantamento, a tristeza e a solidão. Herói somente se realiza em completa separação de todos os demais homens. O outro se transforma em inimigo, ponto de apoio ou simples instrumento para se chegar ao final da viagem.

Constatemos tais afirmações através do célebre episódio das sereias, ou seja, da fusão entre beleza e morte. Como Ulisses, ou Odisseu, herói da astúcia, enfrentou tal embate?

Percebemos que ele elaborou duas estratégias para vencer: 1º - Tapou os ouvidos dos marinheiros com cera. Eles, desse modo, são duplamente sacrificados, pois não renunciam por vontade própria. 2º-O herói amarra-se ao mastro da embarcação. Trata-se do autodomínio. Ele desfrutou seu desejo porque o transformou em um espetáculo. A renúncia, a dominação e o controle da natureza interna e externa constituem-se em fundamentos da nossa civilização.

Portanto, quanto mais poder, maior será a alienação. Possibilidades modeladas por inúmeras agências que servem para inculcar nos indivíduos comportamentos normalizados por determinados padrões de conduta que favorecem o capitalismo. A difusão da economia mercantil promove a destruição das forças primitivas e a sua substituição por uma nova e dramática barbárie.

O encontro com as sereias revela algumas importantes características da civilização. Por um lado, obediência e trabalho, por outro lado, satisfação aparente e beleza sem poder para mudar a vida das pessoas.

Nós somos os remadores, alertas e sempre concentrados nas nossas funções. Devemos olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado. A praticidade é tida como sinônimo de utilidade.

A separação entre trabalho manual e fruição artística resulta no servo subjugado e no senhor que regride. Tal separação prejudica ambos, pois empobrece tanto o pensamento como a experiência: “A maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão”.

A regressão definida aqui como a incapacidade de ouvir o imediato com os próprios ouvidos. Ela transforma-nos em seres genéricos e isolados na própria coletividade. Os remadores que não podem falar estão atrelados pelo mesmo compasso, ou seja, pelas mesmas condições de trabalho: “Quanto mais complicada e mais refinada a aparelhagem social, econômica e científica para cujo manejo o corpo já há muito foi ajustado pelo sistema de produção, tanto mais empobrecidas as vivências de que ele é capaz”.

Prof. Dr. Matheus Marques Nunes.

Ribeirão preto, 14 de outubro de 2008.

*Palestra conferida na 8ª Semana de Pedagogia da Faban.

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 20/05/2009
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