A EPILEPSIA NO ADULTO PARTE I
AS EPILEPSIAS
“No que concerne à doença chamada de sagrada: Parece-me
que de maneira alguma seja mais divina ou mais sagrada
do que outras doenças, mas sim que tenha uma causa
natural, de qualquer origem, como
ocorre em outras afecções”
Hipócrates, médico grego nascido no ano 460 A.C.
I
HISTÓRICO
A epilepsia é tão antiga como a própria humanidade, sendo uma entidade mórbida conhecida desde vários séculos antes de Cristo. Pela sua incidência, pelas suas manifestações, por vezes dramáticas, e pelas repercussões sociais que acarreta, vem atraindo a atenção de médicos e leigos há mais de 2000 anos.
O termo epilepsia significa ser atacado bruscamente, de surpresa. AVICENA foi o primeiro a utilizar tal denominação, no século XI.
A doença recebeu uma imensa variedade de nomes, durante o passar dos séculos. Na literatura médica, morbus sacer (doença sagrada) morbus demoniacus (doença demoníaca), morbus comicialis (doença comicial), morbus caducus (doença caduca), epilepsia e morbus insputatus, foram os mais usados. Esta última denominação advém do fato de que, entre certos povos, se costumava cuspir no doente em crises convulsiva. Os romanos tinham o hábito de interromper os seus comícios se algum espectador apresentasse uma crise epiléptica. Daí surgiu a denominação de morbus comicialis.
Algumas das denominações utilizadas dão-nos uma idéia a respeito do que se pensava fosse a etiologia da doença.
Na própria Bíblia, os epilépticos eram tratados por exorcismos com os quais os espíritos invasores deveriam ser expulsos do pobre enfermo com a finalidade de permitir a libertação do espírito malígno, enclausurado no cérebro do paciente, orifícios de trépano eram praticados com grande perícia.
Julgou-se, a princípio, que a moléstia dependesse de forças sobrenaturais, divinas ou demoníacas. HIPÓCRATES opôs-se vivamente a tais hipóteses e, quatro séculos antes de Cristo, elaborou teorias, mostrando as relações da epilepsia com alterações da fisiologia cerebral. GALENO, cerca de cinco século após HIPÓCRATES, também admitia a origem cerebral da epilepsia, mas dizia que outras partes do corpo também poderiam ter uma participação na causa da doença.
Os conhecimentos modernos sobre a epilepsia tiveram início com HUGHLINGS JACKSON e WILLIAM COWERS. O primeiro estabeleceu, em 1870, o conceito de foco irritativo cerebral. GOWERS classificou as epilepsias em dois grupos: as resultantes de lesões orgânicas cerebrais demonstráveis e aquelas em que não se evidenciavam tais lesões.
A eletrencefalografia, introduzida por BERGER na quarta década do nosso século, permitiu o registro de descargas epilépticas, contribuindo para a elucidação dos mecanismos fisiológicos das crises convulsivas
Antes do nosso século, os epilépticos receberam os tratamentos mais variados e mais estapafúrdios possíveis, chegando, por vezes se comparados com os meios atuais às raias do absurdo. A terapêutica antipiléptica só se tornou verdadeiramente eficaz nos últimos 50 anos, com o uso dos barbitúricos e, posteriormente, com os hidatoinatos.
Em virtude dos preconceitos tão profundamente arraigados durante séculos, a epilepsia continua sendo, ainda, nos tempos de hoje uma doença mística e maligna. Provavelmente no futuro com um maior esclarecimento popular, tais preconceitos se esmoreçam, e quando esse dia chegar, os epilépticos se sentirão mais a vontade, portadores que são de uma doença como outra qualquer e com a vantagem de tratamento fácil e viável economicamente.
O termo epilepsias engloba todas as condições mórbidas crônicas, caracterizadas clinicamente por crises epilépticas recorrentes. A crise epiléptica é o resultado de uma descarga súbita, excessiva e anormal, que pode ocorrer em qualquer população neuronal do sistema nervoso central (SNC).
Na definição das epilepsias , os termos crônicas e recorrentes assumem a maior importância. Assim, afecções cerebrais transitórias, que determinem crises convulsivas isoladas, não se devem rotular como epilepsias. A distinção entre crises convulsivas isoladas, em pacientes não epilépticos, e epilepsia, é freqüentemente, imprecisa e difícil, depende da freqüência, do número e da duração das crises. A importancia prática de tal distinção é tanto no que diz respeito às implicações sociais, como na orientação terapêutica.
II
CLASSIFICAÇÃO DAS EPILEPSIAS
Até o momento não se conseguiu estabelecer uma classificação prática e simples das epilepsias, ou seja, das várias doenças crônicas, cujo sintoma dominante, senão único, é representado por crises convulsivas recorrentes. Por outro lado, a classificação dos diferentes tipos de crises epilépticas é relativamente fácil.
As crises epilépticas são classificadas, do ponto de vista clínico e eletrencefalográfico em:
-Crises com perda inicial da consciência, alterações motoras generalizadas, bilaterais e simétricas e distúrbios vegetativos globais. As alterações eletrencefalográficas são difusas, bilaterais, síncronas e simétricas. A descargas neuronal responsável parece se originar em estruturas cerebrais profundas (centrecéfalo) e propaga-se, através das vias de projeção difusa, a todas as áreas corticais. Estas crises são classificadas como centrencefálicas, centrais, difusas ou generalizadas.
Dentre as crises epilépticas generalizadas distinguem-se um grupo convulsivante (tônico-clônicas ou crise grande mal, tônicas, clônicas, espasmos infantis e mioclonias bilaterais) e um grupo não convulsivante (ausências típicas ou crise tipo pequeno mal, ausências atípicas, crises atônicas e crises acinéticas).
-Crises em que o primeiro sintoma clínico indica ativação de sistemas anatômicos ou funcionais bem delimitados. As alterações eletrencefalográficas são restritas pelo menos no seu início, a uma região do encéfalo. São as crises focais ou parciais. Tais crises são classificadas segundo suas características clinicas em:
-Crises motoras (jacksonianas, versivas, mastigatórias).
-Crises sensitivas (sômato-sensitivas, visuais, auditivas, olfatórias, gustativas, vertigiosas).
-Crises vegetativas (gastrintestinais, cardiocirculatórias, respiratórias, sexuais).
-Crises psíquicas (ilusões, alucinações).
-Crises psicomotoras (automatismos)
A classificação das epilepsias baseia-se em critérios relativos às crises convulsivas, tais como freqüência, fatores precipitantes, quadro clínico, mecanismos fisiopatológicos, etiologia e idade do aparecimento dos ataques. Assim, um dado caso pode ser considerado sob diferentes aspectos e classificado em várias categorias.
Classificação das epilepsias de acordo com a freqüência e com os fatores desencadeantes das crises epilépticas
CRISES ISOLADAS - São, usualmente, generalizadas. Ocorrem em pacientes, de qualquer grupo etário, na vigência de processos que aumentam, transitoriamente, a excitabilidade cerebral ou diminuem o limiar convulsivo. Não constituem verdadeira epilepsia. Fatores diversos atuam como desencadeantes destas crises: hipertemia, reação a vacina, intoxicações exógenas ou endógenas, distúrbio circulatórios, processos inflamatórios.
CRISES RECORENTES (EPILEPSIAS) - A freqüência das crises e a sua evolução variam de paciente para paciente. Sendo assim, podem aparecer:
ESPONTÂNEAS - Quando não há fatores desencadeantes previsíveis.
Podem variar de algumas crises durante toda a vida, até centenas de crises por dia. Constituem a grande maioria.
CÍCLICAS - Quando as crises apresentam certa periodicidade.
Relacionam-se, em alguns casos, a fatores precipitantes conhecidos.
Há crises que só aparecem durante o sono, diurno ou noturno (epilepsia morféica ou hípnica). Outras estão relacionadas a fatores hormonais, como as crises do período pré-mestrual (epilepsia catamenial) e as crises da gravidez (epilepsia gravídica).
EVOCADAS- Constituem uma minoria. São desencadeadas por fatores sensorias (estímulos visuais, acústicos, sômato-sensitivos, interoceptivos) e por fatores não sensoriais (hipertermia, hiperpnéia, exaustão física ou intelectual, ingestão de álcool, distúrbios metabólicos, emoções). As crises cíclicas, provocadas por estímulos sensoriais, são conhecidas como epilepsias reflexas.
CRISES PROLONGADAS E REPETIDAS - Representam o status epilepticus.
Classificação das epilepsias de acordo com o quadro clínico e a fisiopatologia das crises epilépicas
EPILEPSIAS GENERALIZADAS - Compreendem os casos em que há repetição crônica das crises convulsivas generalizadas. Formas puras de epilepsias generalizadas são raras. Freqüentemente há associação de mais de um tipo de crise que se alternam a intervalos variáveis.
EPILEPSIAS PARCIAIS - Caracterizam-se por crises focais recorrentes.
Classificação das epilepsias de acordo com a etiologia das crises epilépticas
As epilepsias são divididas, conforme a demonstração ou não do agente lesional cerebral, em orgânicas e não orgânicas (funcionais).
EPILEPSIAS FUNCIONAIS - Compreendem os casos em que não há lesão epileptógena orgânica demonstrável, resultando de distúrbios cerebrais transmitidos geneticamente ou adquiridos através de distúrbios metabólicos. As crises convulsivas das epilepsias funcionais geralmente são generalizadas.
Dentre os fatores metabólicos mais importantes, no desencadeamento de crises epilépticas, há: distúrbios do metabolismo da piridoxina, distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia, hiponatremia, intoxicação hídrica), distúrbios metabólicos da insuficiência renal e hepática, distúrbios do metabolismo dos hidratos de carbono (hipogricemia, galactosemia), toxemia da gravidez. Na maioria das vezes, mecanismos hereditários e metabólicos estão associados na determinação das crises epilépticas.
EPILEPSIA ORGÂNICAS - As crises convulsivas são na maioria das vezes, parciais, com ou sem generalização secundária. As principais causas, responsáveis por tais crises epilépticas são:
1. No período pré-natal - doenças infecciosas e parasitárias maternas (sífilis, rubéola, toxoplasmose), doenças hemorrágicas, incompatibilidade sangüínea (fator Rh), exposição a irradiações, hipóxia intra-uterina.
2. Nos períodos natal e neonatal - Prematuridade, hipermaturidade, traumas de parto, icterícia neonatal, outras causas que determinam anóxia cerebral.
3. No período pós-natal - As lesões epileptógenas após o nascimento são divididas em:
• Congênitas: malformações vasculares (síndrome de Sturge-Weber), esclerose tuberosa de Bourneville, cranioestenose.
• Adquiridas: encefalites, meningites, encefalopatias, doenças parasitárias (cisticercose, hidatidose), traumas cranioencefálicos, afecções vasculares cerebrais, intoxicações (monóxido de carbono, chumbo, álcool), lesões expansivas cerebrais (neoplasias, abscessos), doenças degenerativas.
• As Epilepsias orgânicas e as metabólicas são conhecidas como epilepsias sintomáticas.
ANATOMIA PATALÓGICA - As epilepsias orgânicas podem ser causadas pelos mais variados agentes (infecções, tumores, traumas, alterações vasculares etc.) Nestes casos, evidentemente, os aspectos anátomo-patológicos variam de acordo com o agente etiológico.
As assim chamadas epilepsias funcionais caracterizam-se de um ponto de vista anátomo-patalógico, pela ausência de lesões epileptógenas demostráveis. Nestes casos, quando se encontram alterações cerebrais, estas seriam, para alguns, conseqüência de distúrbios circulatórios ocorridos durante as crises convulsivas.
Nos casos em que as convulsões ocorrem muito tempo após uma agressão ao encéfalo, encontram-se lesões cicatriciais. Verificam-se com maior freqüência, no hipocampo (esclerose do corno de AMON) e no cortex cerebral.
Nesta, podem surgir células anormais na sua camada tangencial (células neuroblastiformes e células de Cajal-Retzius) ou pode ocorrer a chamada gliose de Chaslin. Em outras eventualidades, encontra-se um dano córtico-cerebral severo (em um lobo, em um ou em ambos hemisférios). Estruturas subcorticais também podem ser acometidas, como, por exemplo, o tálamo, o corpo estriado e o cerebelo.
Classificação das epilepsias de acordo com a idade de aparecimento das crises epilépticas
EPILEPSIAS DO RECÉM-NASCIDO - O Cérebro do neonato é muito excitável, porém incapaz de descarregar de modo uniforme e global. Nesta fase da vida, a epilepsia se traduz por crises convulsivas parciais, com descargas neuronais que variam de região para região, de um ou de ambos os hemisférios cerebrais (crises errativas do recém-nascido).
EPILEPSIAS DA INFÂNCIA - No segundo ou terceiro ano de vida, o cérebro é muito excitável. Progressivamente, torna-se capaz de descarregar de modo difuso. Predominam as crises convulsivas generalizadas ou hemigeneralizadas.
A partir do terceiro ano de vida há acentuada redução da predisposição do aparecimento de crises convulsivas. A tendência do cérebro, em descarregar difusamente determina o maior número de crises generalizadas nesta faixa etária.
EPILEPSIAS DO ADOLESCENTE, DO ADULTO, E DO VELHO - A partir da puberdade, há maior redução da predisposição à epilepsia. Crises de origem funcional são raras. Cedem lugar a crises de origem orgânica, geralmente parciais.
CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS CRISES EPILÉPTICAS:
GENERALIZADAS (centrencefálicas, centrais, difusas)
Convulsivas - tônico-clônicas (grande-mal), clônicas, espasmos-infantis, mioclonicas bilareais
Não convulsivas - ausência típicas (pequeno-mal), ausênsias atípicas, atônicas, acinéticas
FOCAIS (parciais)
Motoras - JACKSONIANAS, versivas, mastigatórias
Sensitivas - sômato-sensitivas, visuais, auditivas, olfatórias, gustativas, vertiginosas.
Vegetativas - gastrintestinais, cardiocirculatórias, respiratórias, sexuais
Psíquicas - ilusões, alucinações
Psicomotoras - automatismo
De acordo com a freqüência e com os fatores desencadeantes das crises epilépticas - crises isoladas, crises recorrentes (epilepsias) { espontânea, cíclicas, evocadas}, crises prolongadas e repetidas (Status epilepticus)
De acordo com o quadro clínico e a fisiopatologia das crises epilépicas - epilepsias generalizadas, epilepsias parciais
De acordo com a etiologia das crises epilépticas - epilepsias funcionais (não orgânica) epilepsias orgânicas.
De acordo com a idade de aparecimento das crises epilépticas - epilepsias do período neonatal, epilepsias da primeira infância, epilepsias da segunda infância, epilepsias da adolescência, da idade adulta e da senilidade.
III
QUADRO CLÍNICO DAS EPILEPSIAS
As manifestações clínicas das epilepsias traduzem descargas neuronais anormalmente polarizadas, em conseqüência de um fator patológico. Dessa forma, compreende-se que elas possam se exteriorizar de maneiras diversas, dependendo da localização, na substância cinzenta cerebral e do ponto de origem das descargas elétricas anormais. Assim, há crises que afetam ou não a consciência, a motrocidade, o tônus muscular, a sensibilidade geral, as diferentes esferas sensoriais, o sistema vegetativo e a vida psíquica, tornando, factível, qualquer expressão clínica, destacando-se como característica, de relevante importância, a tendência paroxística e repetitiva das descargas.
Do ponto de vista clínico, as epilepsias dividem-se em duas grandes variedades fundamentais: crises epilépticas generalizadas, nas quais as alterações bioelétricas podem ser registradas em toda a calota craniana e nas quais as funções cerebral é afetada de maneira global e as crises focais ou parciais nas quais tanto a manifestação clínica quanto o distúrbio bioelétrico revelam a limitação da descarga em determinado setor.
1. EPILEPSIA GENERALIZADAS
As crises generalizadas podem manifestar-se sob forma convulsiva e não convulsiva. Dentre as crises generalizadas convulsivas destacam-se, em primeiro plano, as crises tônico-clônicas, também denominadas “grande mal”. Tais crises, puderam ser minuciosamente analisadas mediante filmagem. Iniciam-se por algumas rápidas mioclonias que duram alguns segundos e se acompanham de um grito característico, a partir do qual a consciência torna-se completamente abolida, caindo o paciente ao solo, ocorrendo, às vezes, fraturas e contusões. Aparece, então, um espasmo tônico, com duração de 10 a 20 segundos, interessa a toda a musculatura esquelética e que determina uma série de atitudes características, segundo a seqüência de músculos acometidos.
De maneira geral, ocorre uma curta fase de flexão, seguida de uma longa fase em extensão, ambas se caracterizando por uma rigidez muscular completa. Segue-se a fase tônica vibratória, constituída por episódios de descontração muscular completa, interrompendo ritmicamente a contração tônica. Os intervalos de descontração vão se espaçando e os movimentos clônicos vão desaparecendo. Desde o início da crise, inúmeras manifestações vegetativas podem ser observadas, tais como elevação da pressão arterial e a freqüência cardíaca, bem como aumento da pressão intravesical, porém sem emissão de urina, nesta fase inicial, devido à contração simultânea dos esfíncteres. Observam-se ainda midríase, congestão cutânea com sudação e piloereção e, por fim, uma hipersecreção glandular, principalmente salivar e tráqueo-brônquica. Terminada a fase clônica, surge uma nova fase tônica, com duração de 20 a 4 segundos, durante a qual pode novamente ocorrer trismo, como na primeira, com mordedura de língua. Verifica-se, em seguida, relaxamento esfincteriano, com emissão de urina e começam a regredir os fenômenos vegetativos. Normaliza-se a PA, desaparecem a taquicardia e a midríase e o coma vai se superficializando, retornando o indivíduo gradativamente à consciência. Ao final da crise, o paciente queixa, às vezes, de cefaléia intensa (apresentando uma amnésia lacunar total) ou cai em sono profundo. A duração da crise varia de 5 a 15 segundos, sem incluir o eventual sono pós-crise.
A crise tônica, antes denominada crise tetanóide ou crise tônica postural, ocorre com maior freqüência na infância, embora possa ser descrita em outras idades. Caracteriza-se por contração tônica completa não vibrató
ria cuja duração varia de alguns segundos a 1 minuto. Por ter início abrupto que acomete de maneira mais intensa, classifica-se em três variedades: crise tônica axial, crise tônica axo-rizomélica e crise tônica global. Geralmente, ocorre uma perda de consciência apenas momentânea, porém há referências a casos em que surge estado confusional de curta duração após a crise, durante o qual se verificam automatismos.
A crise clônica é menos conhecida ainda que a crise tônica, aparecendo exclusivamente na primeira infância. Inicialmente, ocorre uma perda da consciência, com amiotonia, havendo, às vezes, breve espasmo tônico, antecedendo a queda. Iniciam-se então mioclonias que variam em relação à freqüência, amplitude e topografia. Praticamente não há fenômenos vegetetativos, com exceção das crises mais longas, quando pode perdurar um estado comatoso ou confusional.
No curso de encefalopatias, de evolução subaguda ou crônica, eventualmente surgem mioclonias em tudo semelhantes às do pequeno mal, só se diferenciando deste por uma duração mais longa, maior reatividade aos estímulos sensoriais e por uma tendência a se repetir de maneira periódica.
Ainda mais específicos que as mioclonias são os denominados espasmos infantis. Ocorrem em lactentes que apresentam uma encefalopatia com hipsarritmia e se caracterizam por um espasmo tônico muito breve que predomina sobre os músculos flexores, repetindo-se ritimicamente a intervalos de 2 a 10 segundos. Recebem também a denominação de espasmo de reverência.
De formas generalizadas não convulsivas, destacam-se, em primeiro plano, as ausências típicas ou pequeno mal. Caracterizam-se por uma “suspensão das funções psíquicas, com abolição da consciência e da memória”. Tais crises podem iniciar-se e terminar de maneira súbita e tem uma duração variável em geral de 5 a 15 segundos, chegando , eventualmente, a durar vários minutos. Durante este período, o paciente permanece parado, com o olhar vago e fixo, retomando seu gesto ou sua frase ao final da crise, como se nada houvesse acontecido, e sem se recordar do que ocorreu.
Em outros casos, não chega a haver abolição da consciência e pode persistir uma atividade automática que, freqüentemente, é confundida com os automatismos da epilepsia psicomotora temporal. As ausências se acompanham, às vezes, de fenômenos vegetativos (salivação, midríase, sudorese, rubor seguido de palidez etc.) e não apresentam aura. Pode ainda ocorrer uma queda súbita, como se houvesse um interferência sobre os mecanismos e manutenção do tônus postural. Em alguns casos, surgem movimentos mioclônicos nos membros superiores bilaterais e simétricos, bem como repentina flexão da cabeça ou do corpo, ou então os abalos mioclônicos se apresentam nas pálpebras (piscar rápido e sucessivo) ou em toda a face ou na musculatura cuticular do pescoço, observando-se também desvios dos globos oculares para cima. O EEG do pequeno mal é bem característico, constituindo-se em um ritmo da ponta-onda, com freqüência de 3 c/seg.
Ao contrário das crianças acometidas de outras formas de epilepsia, especialmente daquelas do lobo temporal, no pequeno mal não há distúrbios de conduta e de ajustamento a elas costumam ser normais tanto física quanto intelectualmente.
Outras crises, freqüentemente na infância e excepcionais nos adultos, são as denominadas crises atonicas. Caracterizam-se por uma perda súbita do tônus muscular e o paciente cai ao solo, recuperando-se imediatamente e retornando à sua atividade. Alguns casos sem perda de consciência.
Fato que deve ser colocado em evidência é que, tanto no grande mal como no pequeno mal, também chamadas epilepsias centrecefálicas, não existe aura, isto é, a perda da consciência é inicial e abrupta, não aparecendo os sintomas prévios que, em geral, indicam o caracter focal das crises. Dentre as auras, a mais freqüente é a aura epigástrica.
Estas auras tem grande valor diagnóstico para se precisar a topografia funcional das descargas. São encontradas nas epilepsias focais ou parciais que, ao contrário das generalizadas, constituem grupo essencialmente complexo. Dependem da descarga de um setor específico e, do ponto de vista clínico, podem abarcar uma grande variedade de fenômenos (motores sensitivos, sensoriais, vegetativos e psíquicos).
2. EPILEPSIAS PARCIAIS OU FOCAIS
Inicialmente, destacam-se as crises motoras jacksonianas que se caracterizam por convulsões clônicas. Estas podem se manifestar em uma porção de um hemicorpo, onde permanecem localizadas, ou propagar-se a regiões vizinhas, atingindo todo o himicorpo. Tal crise é própria de uma descarga da circunvolução pré-rolândica e do setor correspondente do tálamo e de estruturas mais profundas.
As convulsões localizam-se de preferência no polegar, indicador, comissura labial e halux, o que justifica pela representação sômato-tópica destas estruturas sobre o córtex, as convulsões passam de um território a outro, seguindo uma ordem de representação cortical.
Tal seqüência, denominada marcha jacksoniana não constitui regra absoluta, podendo ser substituída por uma propagação subcotical muito mais rápida (de 1 a 20 segundos ) que varia de crise para crise.
A crise jacksoniana se segue, às vezes, de paralisia pós-crise (denominada paralisia de Todd) que afeta os grupos musculares que apresenta as convulsões. Habitualmente, esta paralisia ou paresia é interpretada como um estado de exaustão, de esgotamento metabólico a que foram levados neurônios que participaram de descarga epiléptica.
Tal paralisia pós-natal deve ser diferenciada da paralisia ictal, que ocorre, excepcionalmente, em certas formas de epilepsia. Caracteriza-se por uma paralisia flácida, transitória, de um membro ou segmento de membro, constituindo a crise amiotônica parcial, tratando-se de fenômeno de inibição local desenvolvido na região sômato-motora.
Dentre as crises motoras devem ser focalizadas ainda as crises versivas, nas quais se verifica o deslocamento conjugado dos olhos, da cabeça e do tronco para o lado oposto ao hemisfério que descarrega, sob o efeito de grupos musculares bilaterais e sinérgicos. Excepcionalmente, o desvio pode ocorrer para o lado que descarrega (crises ipsiversivas).
Nestas crises, podemos observar:
-O simples desvio conjugado dos olhos pode ser tônico, se o deslocamento é lento e os olhos se colocam em posição extrema, ou clônico, quando aparecem movimentos rápidos como se fosse um nistagmo (movimentos óculo clônicos).
-O desvio conjugado de cabeça e do olhar, como se o paciente olhasse para trás.
-A crise versiva propriamente dita que associa, ao desvio conjugado de cabeça e dos olhos, a elevação e abdução do braço homolateral semifletido e de punho fechado.
-A crise giratória, na qual à crise versiva se associa uma rotação do corpo, como se o paciente fosse fazer um giro sobre si mesmo.
-As crises versivas podem ocorrer como conseqüência de descargas de várias regiões encefálicas, mas mais particularmente de regiões frontais e temporais, enquanto as crises de desvios oculares traduzem descargas de regiões frontais posteriores ou ocipitais.
-Ainda entre as crises parciais ou focais, enquadram-se as chamadas crises sensitivo-sensoriais, isto é, crises que traduzem descargas epilépticas nos setores em que ocorre a recepção de mensagens sensoriais.
Assim, pode ocorrer a crise sômato-sensitiva, que é o equivalente sensitivo da crise sômato-motora e por isso chamada, erroneamente, por alguns, de crise jacksoniana sensitiva. Caracteriza-se por sensações sem objeto (parestesias) que podem se traduzir por uma sensação positiva de formigamento, picada, choque elétrico ou uma sensação negativa de insensibilidade. Tais crises traduzem descarga do córtex pós-rolândico, acometendo principalmente as extremidades dos membros, língua e região peri-oral, propagando-se segundo a mesma marcha jacksoniana lenta, subcortical, das crises sômato-motoras.
As crises visuais se caracterizam por sensações luminosas sem objeto, de caráter positivo (fosfenas) ou sensações de caráter negativo (escotomas, amaurose). As sensações luminosas são as mais variadas possíveis, sendo freqüentemente descritas como discos ou bolas brilhantes brancas ou coloridas que se encontram ou não em movimento. Podem ser percebidas no campo visual oposto ou córtex ocipital que sofre a descarga ou em ambos os campos.
A crise auditiva constitui-se de paracusias, isto é, sensações sonoras sem objeto, em geral referidas bilateralmente, quase sempre de caráter positivo (acufenas) e que podem ser descritas como um som contínuo, grave ou agudo, ou então um som interrompido no que diz respeito ao ritmo.
Quando ocorre uma descarga da região ântero-superior do uncus temporal, o paciente refere uma sensação de odor, em geral desagradável e difícil de identificar, e que constitui a crise olfativa ou uncinada.
Quando à crise gustativa, é extremamente rara e traduz descarga do lobo temporal.
Ainda correspondendo à descarga de uma região mal determinada do lobo temporal, podem surgir as crises vertiginosas, constituídas por sensação de deslocamento para cima, para baixo, em eixo giratório do corpo em relação ao meio.
Dentre as crises parciais, devem ser citadas, ainda, as crises vegetativas, com manifestações clínicas as mais variadas (cardiovasculares e circulatórias, digestivas, respiratórias, etc.)
Essas crises raramente se manifestam isoladamente, associando-se, de maneira geral, a outras manifestações de crises parciais mais complexas.
Ainda enquadradas como crises parciais, porém com sintomatologia bem mais complexa, estão as crises psíquicas, ou psico-sensoriais que podem se dividir em dois tipos:
ILUSÕES - Nas ilusões, ocorrem alterações das percepções, o objeto é efetivamente percebido com forma ou dimensões alteradas. Assim, podem se manifestar ilusões visuais somestésicas (deformações de uma parte do corpo), auditivas, vertiginosas, olfativas e gustativas, correspondendo a descargas de regiões temporais, têmporo-ocipitais e têmporo-parietais.
ALUCINAÇÕES - As crises alucinatórias constituem-se de percepção sem objeto, podendo ser visuais, auditivas, olfativas etc. As mais freqüentes são as visuais, descritas pelos pacientes como se fossem cenas de um filme colorido ou em preto e branco, ora acelerado, ora em câmara lenta.
Todas as crises sensitivas, sensoriais e psíquicas, que correspondem a descargas de setores do encéfalo, encarregados de receber mensagem sensitivo-sensoriais, são denominadas auras.
Podem constituir apenas o início de uma crise motora que ocorre, a seguir, ou se limitam exclusivamente à experiência sensorial, mas constituem, em si mesmas, a própria crise se tem grande valor para a identificação do foco epiléptico inicial.
IV
EPILEPSIAS PSICOMOTORA TEMPORAIS E NEUROVETATIVAS
1. EPILEPSIAS PSICOMOTORA TEMPORAIS
O termo epilepsia psicomotora foi introduzido, em 1937, por GIBBS, GIBBS e LENNOX, para definir um quadro eletrecefalográfico mais ou menos característico e associado a um tipo especial de crise epiléptica, durante a qual “o paciente, embora podendo realizar atos aparentemente conscientes, não obedecia a ordens. Pode apresentar movimentos tônicos involuntários. Pode revelar distúrbios psicomotores... e, recobrando a consciência, tem amnésia completa da crise”.
Desde então, o termo “epilepsia psicomotora” se difundiu passando a constituir um novo tipo clínico de epilepsia passível de diagnóstico eletrencefalográfico. Não obstante, esta é uma manifestação focal de determinadas áreas cerebrais cujo quadro clínico está na dependência das características funcionais das áreas comprometidas.
As manifestações clínicas da epilepsia psicomotora temporal engloba fenômenos sensitivos, sensoriais, vegetativos e psíquicos, automatismos elementares e complexos.
A diversidade de tais manifestações é função da diversidade funcional do lobo temporal e de suas múltiplas conexões com outras estruturas cerebrais.
Os automatismos psicomotores são de observação relativamente freqüente, podendo ser manifestações críticas ou pós-críticas. Parecem ser devidos a descargas originadas, principalmente, no uncus, no núcleo amigdalóide e no córtex têmporo-insular, propagando-se, por vezes, imediatamente às estruturas centrecefálicas, com perturbação da consciência e movimentos automáticos e, muito raramente, convulsão. Tais automatismos, seriam consecutivos a uma liberação secundária à “paralisia” do nível superior de integração.
Mais comumente, compreendem movimentos dos lábios, movimentos de mastigação, vocalização, linguagem automativa e automatismos mais complexos. Podem ser precedidos ou coexistir com manifestações clínicas diversas como fenômenos vegetativos, crises confusionais, manifestações cefálicas, parestesias, manifestações tônicas adversivas, manifestações de familiaridade (fenômeno de “dejá vu”), manifestações de estranheza (fenômeno de “jamais vu”), alucinações auditivas, olfativas ou visuais, “dreamy state” etc. Nas diversas crises psicomotoras, as auras mais comumente referidas pelos pacientes são as vegetativas e as sensoriais. Segue-se um lapso de consciência, geralmente de curta duração e durante o qual o paciente executa automatismos elementares como passar a mão repetidamente sobre a cabeça, retirar o lenço do bolso e limpar a boca, marcar um compasso musical sobre uma mesa ou mesmo andar de um lado para o outro como se estivesse procurando alguma coisa. Tudo isso pode se passar sem que os circunstantes se apercebam do que está ocorrendo. Gradualmente, o paciente retorna ao estado normal, restando apenas discreta confusão mental e tendo, quase sempre, amnésia lacunar do ocorrido.
Outras vezes, o automatismo pode ser verbal: o paciente pode fazer uso de palavras sem sentido ou afirmações sem relação com a situação do momento. Por um breve período, ele pode falar como alguém que apresentasse um “delírio tóxico”.
Existem casos que o automatismo liberado envolve comportamento em mais complexo. É o caso de pacientes que, durante as crises, são capazes de realizar longos percursos a pé, atravessando ruas e desviando-se dos obstáculos com total desenvoltura. Quando em seus carros, são capazes de dirigir em condições de tráfego as mais atribuladas, sem produzir abalroamento ou infligir códigos de trânsito. Outros que desempenham as mais diversas atividades profissionais são capazes, durante as crises de longa duração, de levar a contento suas funções habituais com grande desempenho, mesmo que estas demandem tempo relativamente grande e envolvam grau elevado de complexidade.
Existem casos em que o paciente, com manifestação da epilepsia psicomotora, pratica atos anti-sociais de que, vencida a crise, não permanece qualquer recordação.
As sensações de estranheza ou fenômeno do “jamais vu” e de familiaridade (fenômeno do “dejá vu”) são de observação relativamente freqüente em paciente portadores de crises psicomotoras.
Uma forma especial de crise psicomotora que, por se originar no uncus do hipocampo, é denominada de crise uncinada. Habitualmente, a crise principia por uma sensação subjetiva de cheiro desagradável que o indivíduo compara, conforme sua vivência ou sua ocupação a odor de borracha ou de pano ou mesmo de chifre queimado. Inicialmente, estranhando o aparecimento dessas alucinações e, até então, perfeitamente consciente, o paciente indaga dos circunstantes se esse também percebe o cheiro estranho. Diante das respostas negativas, do prosseguimento e da repetição das crises, o indivíduo acaba por aceitar o caráter patológico dessa disfunção sensorial e nada mais pergunta. Excepcionalmente, a característica da alucinação olfatória é agradável, acompanhando então ao odor de flores ou de perfumes. Logo a seguir, o estado de consciência é qualitativamente alterado e o paciente tem a impressão de que os fatores diários que se desenrolam façam parte de uma representação em um palco. Às vezes pensa que não esteja vivendo a realidade mas um sonho (“ dreamy state”). Concomitantemente ou a seguir, o paciente refere a sensação subjetiva em que todas as pessoas e os objetos são vistos em miniatura (micropsia) . A seguir, após tempo variável, o enfermo pode ter uma evolução dos sintomas ou, então, estes podem continuar numa crise convulsiva indiferenciada.
2. EPILEPSIAS NEUROVEGETATIVAS
Há um estudo especial, chamado Epilepsia neurovegetativa ou hipotalâmica, que se apresenta com ou sem convulsões e que, apesar do nome, somente ao longe recorda as epilepsias habituais. O tipo das crises é variável com o sistema principalmente interessado, simpático ou parassimpático. Estes dois sistemas são complementares, com a atividade de um implicado em atividade ou hiperatividade do outro. A crise pura de um dos sistemas é excepcional. Assim, o predomínio do simpático determina midríase, taquicardia, vasiconstrição, piloconstrição, broncodilatação, diminuição do peristaltismo e das secreções (com exeção das secreções sudorípara e sebácea) que são estimulados (simpaticotomia). Por outro lado, o predomínio do parassimpático determina miose, bradicardia, vasodilatação, aumento do peristaltismo e de secreções (vagotomia).
No telencéfalo, há funções psíquicas, somáticas e vegetativas, sendo o sistema neurovegetativo um intermediário entre o encéfealo e os órgão viscerais, o sistema circulatório, as glândula endócrinas e as expressões da emoção. Os centro autônomos localizam-se em determinadas regiões do sistema nervoso central e subcentros autônomos residem nas paredes do coração, vaso, trato gastritestinal e demais vísceras. Experiências no homem e em animais demonstraram que, no córtex cerebral, existem localizações relativamente precisas das funções neurovegetativas, em proporção adequada e quase sempre perto das áreas somáticas.
As respostas autonômicas obtidas tem um nível segundo o tipo e importância do estímulo. Há um nível medular, um nível do tronco cerebral e sistema reticular, um nível hipotalâmico onde se entrecruzam complexas vias de circuitos reguladores da homeostasia, um nível talâmico, um nível córtex pré-frontal. O nível mais elevado do sistema autônomo está representado pelo sistema límbico ou cérebro-visceral, em íntima relação com o lobo temporal. Por sua vez, o sistema rinencefálico está em íntima conexão com o hipotálamo que é a estação principal do sistema nervoso autônomo, já tendo sido demonstrado que as respostas autônomas, que se obtêm a partir do córtex, têm seus fundamentos no hipotálamo. Sabe-se também que o lóbulo temporal do hemisfério dominante é mais importante que o lado oposto e o córtex temporal medial é mais importante que o lateral.
A estimulação experimental de certas regiões do sistema nervoso central determina respostas neurovegetativas, o que implica em um critério de localização:
1. A estimulação do córtex piriforme determina apnéia, hiperfagia e também aumento de sexualidade.
2. A estimulação da ínsula determina náuseas, dor na região umbilical ou epigástrica, sensação de elevação no epigástrio, gosto, sensação no estômago ipsilateral, região costal e braço contralateral.
3. Estímulo da região periamigdaliana determina taquipnéia, hipertermia, piloereção, relaxamento dos esfíncteres e respostas de medo e fúria, assim como sudorese facial e lacrimejamento ipsilateral.
SINAIS E SINTOMAS NEUROVEGETATIVOS
Os sinais e sintomas autonômicos, além de aparecer na epilepsia vegetativa, são aspectos proeminentes das convulsões generalizadas e participam, em menor grau, de outros tipos de crises:
-ENURESE E DEFECAÇÃO - São elementos freqüentemente relatados após o advento de uma crise convulsiva, especialmente quando generalizada, sendo a primeira mais constante. A enurese pode coincidir com pequenos lapsos de consciência, sendo excepcional o seu encontro sem este elemento. É freqüente a enurese noturna.
-DISTÚRBIOS VASOMOTORES - Um fenômeno freqüente e inicial é a alteração da amplitude e da freqüência das batidas cardíacas, é acompanhada de uma sensação semelhante a sensação torácica que se experimenta quando em um momento de terror, sendo também chamada de aura cardíaca. Estas alterações do pulso e da pressão arterial podem ocorrer como expressão primária de descargas em centros autonômicos ou ser secundárias a outras descargas. Observa-se também um eritema na face, pescoço e porção superior do tórax, como manifestação de descargas epilépticas. Ondas de calor, com sensação de febre e rubor, podem fazer parte do quadro, assim como palidez.
-MODIFICAÇÃO PUPILARES - Ocorrem amiúde como fenômeno associado no decurso das crises. Geralmente, a pupila entra em midríase no início de crises alimentares, crises motoras e crises viscerais, com típico fenômeno simpático.
-CIANOSE - É fenômeno secundário e aparece no decurso de uma crise generalizada, especialmente ao seu final. Admite-se que seja conseqüência da paralisia do mecanismo respiratório no tronco cerebral. Quando ocorre cianose, há aumento apreciável na pressão venosa.
-PRIAPISMO - É de ocorrência excepcional, aparecem em ataques mais violentos
- BULIMIA - O paciente apresenta, repentinamente, uma sensação de fome intensa, mesmo que tenha se alimentado antes. Trata-se de um fenômeno involuntário, imperioso, um verdadeiro impulso, pois a ingestão de alimentos não acalma a sensação e, em certos casos, a sensação de fome desaparece bruscamente mesmo sem ter comido qualquer coisa. Com relativa freqüência precede a crises convulsivas ou alterna-se com as mesmas.
-SEDE - Ocorre uma necessidade imperiosa de tomar água ou qualquer outro líquido, sem constituir solicitação normal do organismo. Eventualmente, alternando-se a fome e a sede.
Um estado particular é a chamada dipsomania que se manifesta com intensa sensação de mal-estar somático e psíquico durante a qual o indivíduo tem impulso de ingerir bebidas alcoólicas, mas, sem que isso lhe cause alívio. Em tais casos, o doente bebe não por apreciar a bebida, mas porque tem necessidade, não medindo sacrifícios nem humilhações para obtê-la, tolerando doses exageradas sem apresentar embriaguez, quando esta se manifesta é sempre anormal, com estado confusional ou delírios. A crise dura alguns dias, seguindo-se de estado de mal-estar com repugnância para as bebidas, náuseas, atordoamento não guardando, a pessoa, lembrança do acontencido.
-DORES ABDOMINAIS - É relativamente freqüente a incidência de dores abdominais em pacientes com crises tipo grande mal.
-VERTIGENS - Podem ocorrer como elemento primário de uma crise ou ao término de crises generalizadas diencefálicas.
-HIPERTERMIA E HIPOTERMIA - Podem fazer parte de uma crise, como expressão da mesma ou como elemento desencadeante. A hipertermia é achado freqüente ao término de uma crise convulsiva tipo grande mal.
Além destes elementos, mais individualizados, existem outros provenientes de distúrbios respiratórios, gastrintestinais e secretórios.
Os componentes acima descritos são muito diversos , ocorrendo em diferentes combinações e em diferentes ordens de aparecimento, variando de paciente para paciente. Entre eles, os sintomas gastrintestinais são os mais freqüentes.
QUADRO CLÍNICO DAS EPILEPSIAS NEUROVEGETATIVAS
As crises vegetativas quando ocorrem, confinadas ao sistema nervoso autônomo, recebem a denominação de crises autonômicas. Estas, como as convulsões somáticas, podem ser sensitivas ou motoras, isto é, viscero-sensitivas, viscero-motoras ou mistas. Entre os fenômenos vísceros-sensitivos são freqüentes a aura epigástrica e a sensação de náuseas. São víscero-motora as variações do diâmetro pupilar e os fenômenos gastrintestinais, pilomotores e vasculares.
Na maioria dos casos não é viável separar os fenômenos das crises autonômicas dos fenômenos de outros tipos de crises, ou seja, as crises geralmente são complexas. Existem alguns exemplos de crises exclusivamente neurovegetativas, quando a localização focal é diencefálica. Tipos de crises relativamente determinadas:
-CRISES RESPIRATÓRIAS - Quando ataques consistem em movimentos paroxísticos e involuntários dos músculos respiratórios com uma vigorosa hiperpnéia que é mantida por um ou dois minutos, podendo ocorrer elementos de alcalose respiratória por apnéia, podendo haver cianose.
Eventualmente há movimentos de extremidades e, excepcionalmente, convulsões generalizadas. Tais crises podem ocorrer várias vezes por dia.
Os pacientes deste grupo amiúde apresentam problemas de comportamento e as crises, em geral, são determinadas por emoções frustradas, sendo inibidas por atividades e interesses agradáveis. A maioria dos casos registrados é de seqüela de encefalite epidêmica, mas uma história pessoal ou familiar de algum tipo de ataque epiléptico é comum.
-CRISES ELEMENTARES - As crises nas quais as manifestações são limitadas ao trato digestivo, são muito raras, com os sinais e sintomas sendo referidos da boca ao reto. Tais crises podem aparecer como parte de um complexo de fenômenos produzidos por descargas no interior do córtex da cisura lateral.
-EPILEPSIA ABDOMINAL - Com certa freqüência ocorrem crises de dor de estômago, intestino ou mesmo de vesícula biliar em crianças ou adolescentes. Essas dores se manifestam abrupta ou lentamente, acompanhadas de alteração do humor e da afetividade, de modo que, tratando-se de crianças, ao invés de chorar como é o hábito quando elas tem alguma dor, se tornam sérias e retraídas, abandonando os brinquedos ou qualquer outra distração. Mostram palidez e a fisionomia é rígida. Tais crises duram minutos a horas. Podem ser acompanhadas de sonolência e quando a dor está localizada na fossa ilíaca direita, simulam apendicite aguda.
-VÔMITOS CÍCLICOS E NÁUSESAS - são sintomatologias frequentes.
PRÓDROMOS DAS EPILEPSIAS NEUROVEGETATIVAS
São conceituados como as sensações que precedem e, muitas vezes, anunciam um ataque próximo, podendo durar horas ou dias. Em relação às crises neurovegetativas, os pródromos mais freqüentes são flatulência, dispepsia, constipacão, sensação de língua espessa, apetite exagerado ou anorexia, micção freqüente ou profusa, eritema, uriticária, prurido, uma vaga sensação visceral de mal-estar, opressão torácica, letargia, rubor, palidez, pupilas dilatadas, assim como bocejos e espirros.
AURA DAS EPILEPSIAS NEUROVEGETATIVAS
A aura autonômica pode ser de vários tipos:
1. Aura secretória - É representada por hipersecreção de saliva ou de lágrimas ou de suor.
2. Aura afetiva - Caracteriza-se por brusco sentimento de pena ou de angústia ou de cólera ou de euforia.
3. Súbita sensação de fome ou de sede.
4. Auras vasomotoras - São expressas pelos pacientes em termos de temperatura e circulação: frio, calafrios, palpitação, vermelhidão, rubor, palidez, sudorese ou cianose.
5. Aura visceral - É a aura vegetativa mais freqüente, sendo representada por uma sensação de nó no epigástrio, irradiando-se para o tórax e podendo atingir até a garganta ou, então, há dor em um segmento do colo ou do reto, dando ao indivíduo a sensação do órgão crescer de volume. Náuseas, plenitude gástrica, desejo de evacuar, dispnéia, sensação de sufocação fazem parte do quadro. Um aspecto particular é a aura apigástrica, muito comum. É descrita como vaga sensação próxima ao apêndice xifóide e desta localização ela ascende para o pescoço ou para a cabeça e quando alcança este nível a inconsciência sobrevem, sendo, com freqüência, o sinal premonitório de uma crise consulsiva generalizada. Ocasionalmente, é referida no umbigo e, neste caso, é descrita como dor.
6. Aura cefálica - É relatada como dor, pressão, compreensão, batimenos na área temporal.
CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS NAS EPILEPSIAS NEUROVEGETATIVAS
Os distúrbios neurovegetativos são observados mais freqüentemente em jovens e as suas manifestações, tal como no pequeno mal, tendem a decrescer após a adolescência. O tipo das crises é variável com o sistema principalmente interessado, simpático ou parassimpático. Como os sinais e sintomas autonômicos são muito difusos, o que dificulta a sua análise, é comum a ocorrência de um ou mais dos sintomas que foram enumerados.
Alguma outra forma de epilepsia pode estar presente, cada uma separadamente ou como acompanhante dos fenômenos autonômicos. Este grupo é o mais freqüente e as crises psicomotoras são as acompanhantes habituais das crises vegetativas.
Os ataques devem ser distinguidos das ondas de calor da menopausa e, especialmente, dos fenômenos que acompanham as neuroses.
Aqui, mais do que nos outros tipos de epilepsia, a influência de fenômenos associados deve ser levada em consideração para o diagnóstico de epilepsia autonômica. Apesar disso, algum distúrbio neurovegetativo pode aparecer, mais sem qualquer elemento satélite que sugira epilepsia.
O diagnóstico se orienta pela variedade dos sintomas, pela sua possível apresentação sucessiva, pelo seu caráter acessional e pela eventual comprovação de uma lesão diencefálica.
Os elementos que suportam um diagnóstico positivo são uma história familiar de epilepsia ou enxaqueca, uma história pessoal de outro fenômeno epiléptico, um eletrencefalograma anormal, o benefício com o uso de drogas anti-epilépticas, a idade do paciente, o desencadeamento por stress emocional ou físico e, sobretudo, o relato de uma testemunha.
Em muitos casos, os ataques autonômicos são um prelúdio de uma crise generalizada, psicomotora e , raramente do pequeno mal.
V
FISOPATOGENIA DAS EPILEPSIAS
A epilepsia não é, em si, uma doença. Significa, antes, sinal de doença ou de um estado fisiológico alterado, evolvendo, por sua vez, o sistema nervoso central.
Fisiologicamente, a crise epilética é uma alteração súbita de função do sistema nervoso central, resultante de uma descarga elétrica paroxística de alta voltagem que pode ocorrer em qualquer população neural do telencéfalo ou do tronco cerebral. A descarga paroxística pode se iniciar espontaneamente, em neurônios patológicos ou em neurônios normais, através de estímulos elétricos, farmacológicos ou fisiológicos.
A semiologia clínica e eletrencefalográfica, devidem-se de início, dois grandes tipos de crises epilépticas: as crises focais (ou parciais), decorrentes de alteração de sistema anátomo-funcionais específicos e as crises generalizadas, decorrentes de modificação de todo o cérebro (ou pelo menos de grande parte dele).
1. CRISES EPILÉPTICAS GENERALIZADAS
Múltiplos são os mecanismos neurofisiológicos envolvidos na produção de uma crise convulsiva generalizada.
Existem controvérsias em torno deste assunto.
Restringindo-se na teoria fisiopatogênica idealizada por H. GASTAUT que, se tem o defeito de não ter sido inteiramente demonstrada, tem a grande vantagem de explicar, sob uma base única, as diferentes formas de epilepsia generalizada, que do ponto de vista clínico, que do ponto de vista eletrecefalográfico.
Numerosos experimentos, desde aqueles iniciados há mais de um século, até os modernos dados fornecidos pela eletroneurofisiologia, mostram que:
-As estruturas reticulares do tronco cerebral desempenham um papel determinante da manutenção da consciência, por intermédio do sistema ativador ascendente (formação reticuladas do tronco cerebral, refere-se num sentido amplo, a todas as estruturas não específicas que se estendem desde o bulbo até o polo anterior do tálamo). O conjunto destas estruturas corresponde ao “centrecéfalo”. Daí, as crises generalizadas serem também chamadas de crises centrencefálicas).
-A ativação das formações reticulares do tronco cerebral inferior (infratalâmicas) produz um espasmo muscular tônico generalizado e fenômenos vegetativos maciços, ao mesmo tempo que uma dessincronização do eletrencefalograma (ritmos muito rápidos e de baixa voltagem).
-A estimulação talâmica induz o aparecimento no eletrencefalograma de um ritmo em torno de 10 c/s, generalizado, bilateral, síncrono e simétrico, chamado ritmo recrutante.
-A estimulação de certos núcleos talâmicos medianos e anteriores dos efetores musculares e viscerais.
-A ação progressivamente intensificada do sistema inibidor anti-recrutante, expressa no eletrencefalograma pelo aumento de amplitude e de duração das ondas lentas e, clinicamente por descontrações cada vez mais prolongadas, é facilitada pelo esgotamento igualmente progressivo do córtex, muito sensível às conseqüências anóxicas e tóxicas da descarga neuronal prolongada.
-Fase pós-crítica - Uma vez que o tálamo está na origem tanto do sistema recrutante tálamo-cortical como do sistema inibidor tálamo-caudadeo, vê-se que a descarga reticular, responsável pela crise tônico-clônica, determina o seu próprio término, pois ativa concomitantemente dois sistemas antagonistas cujo efeito é anular-se.
Chega-se, assim, do ponto de vista eletrocenfalográfico, a um verdadeiro silêncio elétrico (extinção cortical), que se segue à última clonia e ao último complexo poliponta-onda. A exclusão funcional completa do córtex, traduzida pela extinção elétrica, explica a persistência do estado de inconsciência (coma pós-crítico). Somente após o retorno de uma certa atividade elétrica cerebral (ondas lentas regressivas), correspondendo a um reinício das funções corticais, é que a consciência emerge progressivamente e que as funções musculares e viscerais retornam ao estado normal.
2. A AUSÊNCIA NO PEQUENO MAL
Trata-se de uma descarga talâmica ocorrendo face a um sistema inibidor bastante ativo, de tal modo que a produção de uma única onda recrutante seja suficiente para desencadear uma onda lenta inibidora, assim gerando: do ponto de vista eletrencefalográfico, a imagem de complexos ponta-onda rítmos, em torno de 3 c/s; do ponto de vista clínico, um perda de consciência, sem fenômenos motores importantes (por vezes, com clonias amortecidas, concomitantes às ondas recrutantes).
3. DO PEQUENO MAL MIOCLÔNICO
Trata-se de uma descarga reticular de todo o tronco cerebral face a um sistema inibidor relativamente ativo, de tal maneira que somente após a produção de algumas ondas recrutantes se desencadeia uma onda lenta inibidora. Assim, produz-se no eletrencefalograma o aspecto de complexos poliponta-onda repetidos e, clinicamente, abalos mioclônicos maciços, concomitantes às polipontas.
4. AS MIOCLONIAS
Mioclonias maciças - Trata-se de uma descarga reticular de todo o tronco cerebral, de tal forma breve que não chega a acionar um sistema inibidor normalmente desenvolvido. No eletrencefalograma, vamos encontrar um surto de polipontas e , clinicamente, um abalo mioclônico generalizado.
Mioclonias parciais - Trata-se de descarga reticular infratalâmica, na qual a extrema brevidade da descarga meso-rombencefálica não chega sequer a se propagar localmente, o que explica serem estas miocionais muito breves, fracas, localizadas e sem qualquer modificação eletrencefalográfica concomitate.
5. CRISE AMIOTÔNICA (“crise de desmonte”)
Esta crise se explica por uma descarga talâmica em indivíduo ou em condições tais que o sistema inibidor anti-recrutante é mais ativo ainda do que na ausência pequeno mal. Daí ocorre o aspecto eletrecefalográfico, no qual predominam as ondas lentas, com mascaramento quase completo do ritmo recrutante e o quadro clínico de uma resolução muscular total, algumas vezes interrompida por clonias amortecidas (crises amiotono-clônicas).
6. CRISES TÔNICA
Há dois mecanismos possíveis, cada um correspondendo a um dos aspectos eletrencefalográficos encontradiços nestas crises:
-Quando a crise se acompanha de uma dessincronização do eletrencefalograma, significa que ela resulta de uma descarga reticular exclusivamente infratalâmica.
-Quando a crise se acompanha de um ritmo recrutante de 10 c/s, significa que ela resulta de uma descarga talâmica, em indivíduo com sistema inibidor pouco ativo. O espasmo tônico e a descarga vegetativa se realizam através das vias tálamo-retículo-espinhais e tálamo-córtio-retículo-espinhais. O sistema inibidor pouco ativo não chega a interromper o espasmo tônico para realizar uma fase clônica. No eletrencefalograma, observa-se uma descarga recrutante seguida, apenas no final, por um surto de ondas lentas.
7. CRISES EPILÉPTICAS FOCAIS
O foco epileptogênico é um grupo de células anormais que inicia a descarga paroxística, responsável pela produção de uma crise.
O foco epileptogênico é bastante autônomo em seu comportamento elétrico. Assim é que a descarga paroxística ainda persiste no eletrencefalograma, após a indução de silêncio elétrico no córtex normal, por administração parenteral de barbitúricos de ação ultra-rápida. Também o isolamento do córtex, por interrupção de suas conexões com estruturas subcorticais, que produz um silêncio elétrico em neurônios normais, não interrompe a atividade paroxística de células epilépticas.
Foi demonstrado, historicamente, que neurônios epilépticos possuem menor número de terminações sinápticas em seus dendritos e, portanto, parcialmente desencadeia um processo de inibição ativa (manifestado no eletrocefalograma pelo aparecimento de ondas lentas), agindo ao mesmo tempo sobre o próprio tálamo (com isto suprindo a resposta recrutante) e sobre o tronco cerebral inferior, interrompendo a contração tônica e os fenômenos vegetativos, produzidos por sua estimulação. Há várias razões para crer que tal processo realize através de um circuito inibidor tálamo-caudado.
Os diferentes aspectos eletrecefalográficos e clínicos dependem apenas de variações:
-Quando à sede de descarga (talâmica, infratalâmica, ou ambas).
-Sua duração.
-Maior ou menor eficiência do sistema inibidor encarregado de interrompê-la.
8. CRISE GENERALIZADA TÔNICO-CLÔNICA
(grande mal)
Fase tônica - Decorre de uma descarga maciça de toda a formação reticular do tronco cerebral.
A partir da porção infratalâmica, explicam-se a contração generalizada e os fenômenos vegetativos. A partir da porção talâmica, explica-se o ritmo recrutante observado no eletrencefalograma, durante esta fase.
Fase clônica - Decorre da entrada em ação do sistema inibidor circular tálamo-caudo-talânico responsável:
-Pela interrupção periódica do ritmos recrutante por ondas lentas inibidoras compondo o aspecto eletrencefalográfico de complexos poliponta-onda.
-Pela interrupção igualmente periódica do estado de contração “desenfreados”.
A excitabilidade aumenta e a hipersensibilidae das células epilépticas são os fatores responsáveis pelas descargas paroxísticas reiteradas que se observam em certas epilepsias reflexas, nas quais estas descargas podem ser desencadeadas por estímulos aferentes relativamente suaves. O exemplo clássico é a descarga induzida por foto-estimulação intermitente.
A hipersensibilidade das células epilépticas pode também ser observada pelo desencadeamento de descargas paroxísticas e de atividade crítica, como resposta a uma hipertemia, hiperhidratação, hiponatremia, hipóxia e hipoglicemia.
Respostas paroxísticas reiteradas, perante uma isquemia cerebral, alterações de tensão de CO2 e hiperhidratação celular são clinicamente evidentes em paciente cujas crises são precipitadas durante hiperventilação ou durante o período mestrual.
Durante a atividade paroxística autônomo de um foco epileptogênico, o eletrencefalograma registra uma descarga de alta voltagem e curta duração, ponta (espícula) ou onda aguda (onda sharp), que pode ou não ser seguida de onda lenta.
As modificações elétricas no eletrencefalograma, durante a descarga paroxística, são o resultado de uma seqüência de excitação e inibição. A descarga rápida representa potenciais excitadores (despolarizantes) e a onda lenta coincide com os potenciais inibidores (hiperpolarizantes). Esta atividade de inibidora é produzida pela ação de interneurônios inibidores, ativados por fibras colaterais recorrentes, nascidas nas próprias células epilépticas. Em torno de um foco epiléptico, demonstrou-se a existência de populações de neurônios que desenvolvem potenciais inibidores durante as descargas paroxísticas. Isto sugere que um “meio circundante inibidor” pode limitar a difusão cortical de uma atividade crítica, reduzindo-a à área do foco.
Periodicamente, no entanto, uma descarga paroxística focal se difunde para neurônios normais, incorporando-os numa descarga epiléptica prolongada. Esta difusão pode fazer:
-Dentro do próprio córtex, através de curtas conexões sinápticas córtico-corticias.
-Através de vias eferentes, para células anatômicas e funcionalmente relacionadas, situadas em estruturas subcorticais.
-Por vias eferentes, para núcleos talâmicos não específicos e formação reticular mesencefálica, a partir de onde as descargas podem ser transmitidas difusamente para todo o telencéfalo.
9. CRISES FOCAIS SIMPLES
O tipo clínico da crise que se desenvolve, a partir de um determinado foco, depende da área onde este se situa e dos sistemas anatômicos e funcionais envolvidos na difusão da descarga.
Uma descarga paroxística, que permaneça localizada numa determinada área cortical, poderá não produzir crise clínica. Provavelmente, nenhum sintoma discernível ou sinal clínico poderá ser observado, enquanto a descarga epiléptica permanecer restrita ao córtex.
Entretanto, quando uma descarga epiléptica se desenvolve, envolvendo estrutura subcorticais anatomicamente relacionadas, podem-se observar alterações na função do sistema nervoso central. Em experiências, mostram que macacos com focos epileptogênicos crônicos no córtex motor desenvolvem manifestações críticas (movimentos convulsivos nas extremidades contralaterais) quando o foco projeta potenciais epilépticos em certos centros subcorticais. Também mostrando que descargas paroxísticas restritas ao córtex motor não se acompanham de movimentos convulsivos. Centros motores extrapiramiais, incluindo o subtálamo, o pallidum, o núcleo rubro e o tegumento mesencefálico, precisam ser envolvidos para que os fenômenos convulsivos motores se expressem clinicamente.
Semelhantes considerações se aplicam às crises focais originadas em outras áreas corticais.
São divididos em quatro grupos as crises focais corticais e os sistema anatômicos e funcionais, cada área cortical descarregando em estruturas subcorticais específicas:
-O córtex granular frontal, para o núcleo caudado e o núcleo dorso-medial do tálamo.
-O córtex central, para o putâmen e a massa nuclear lateral do tálamo.
-O córtex temporal, para a amígdala, o hipocampo e os núcleos septais.
-O córtex estriado, para o pulvinar e os núcleos geniculados laterais.
10. CRISE FOCAIS COMPLEXAS
As crises epilépticas originais no lobo temporal e suas conexões são consideradas separadamente, devido a sua sintomatologia complexa. A descarga epiléptica desenvolvida no córtex do lobo temporal pode envolver um ou mais mecanismos, relacionados com vivência consciente, memória, intelecto, regulação vegetativa, comportamento volitivo e comportamento afetivo.
O centro anatômico e fisiológico responsável pelas diversas manifestações das crises temporais é o complexo amigdalo-hipocampal, com suas relações anatômicas e funcionais.
Uma descarga epiléptica no córtex temporal medial, temporal posterior, insular ou têmporo-parietal, que envolva apenas projeções para estruturas hipocampais ou amigdalinas localizadas, pode produzir vários tipos de falsas vivências. As mais comuns são as ilusões e alucinações olfativas, visuais, auditivas ou afetivas.
Essas crises focais não se acompanham dos outros fenômenos clássicos das crises temporais, a menos que haja ulterior difusão da descarga para centros subcorticais mais profundos. Entretanto, quando a descarga epiléptica se propaga, invadindo áreas de projeção do sistema amígdalo-hipocampal, uma crise perceptual elementar se transforma num automatismo, caracterizado por amnésia, perda de contato consciente com o ambiente, movimentos de degustação, movimentos mastigatórios e outros comportamentos repetitivos ou automáticos, bem como fenômenos vegetativos.
A propagação da descarga epiléptica que envolve os circuitos amigdalinos resulta em envolvimento, também, do córtex homotópico contralateral, bem como em difusão para centros mesodiencefálicos. Provavelmente, os automatismos temporais com amnésia só ocorrem com o envolvimento simultâneo de ambos os lobos temporais no processo epiléptico.
O complexo amigdalino pode ser considerado um sistema de projeção difusa, semelhante à formação reticular do tronco cerebral e aos sistema talâmico de projeção difusa, tanto assim que sua estimulação direta, em animais e em seres humanos, provoca modificações generalizadas do eletroencefalograma, do tipo dessincronização ou reação de alerta. Este dado reforça o conceito de que o sistema límbico é importante no mecanismo de memória, o que explica, em parte, a amnésia que é um dos aspectos característicos dos automatismo epilépticos.
A projeção das descargas da amígdala, para os centros reguladores hipotalâmicos e centros controladores do tronco, explica as respostas vegetativas, tais como modificações da pressão arterial, parada respiratória, dilatação e contração pupilar.
Infelizmente, apesar das conexões difusas de suas estruturas, nem sempre as descargas epilépticas, nascidas na profundidade do lobo temporal, são projetadas para a superfície, resultando estes casos em eletrencefalogramas negativos.