A EPILEPSIA NA CRIANÇA PARTE I

A EPILEPSIA NA CRIANÇA

… las más agudas, más graves,

y más mortales enfermedades,

y aquellas que son más difíciles

de entender debido a la inexperiencia

atacan al cerebro.

Hipócrates

A epilepsia é uma entidade mórbida conhecida desde vários séculos AC. Todavia, a crise convulsiva devido ao carácter abrupto e inesperado do seu aparecimento e a dramaticidade de suas manifestações habituais sempre se revestiam, em toda sua evolução, paralela à própria evolução do homem, de um carácter místico, dependente de interferências sobrenaturais, divinas ou demoníacas.

Suas diversas denominações populares já testemunhava o carácter esotérico das causas a ela atribuídas. Era “o mau sagrado” (“morbus sacer“) .

Segundo a tradição sua manifestação em qualquer participante de um comício romano, seria sinal que essa reunião, desagradável aos deuses deveria ser interrompida. Era denominada então “morbus comicialis”.

Há relatos bíblicos, em que, os epilépticos eram purificados, com exorcismos, para libertar do corpo, o demônio que o havia possuído.

As vezes com a finalidade de se permitir libertação do espírito maligno aprisionado na cabeça do paciente, orifícios de trépano eram praticados com grande perícia, apesar das parcas técnicas cirúrgicas e anestésicas da época, supostamente denominado pelos demônios.

Hipócrates 460 AC. Tentava explicar a seus discípulos que o “mau sagrado”, era proveniente de alterações fisiológicas do cérebro, fato este confirmado por Galeno cinco séculos depois, admitindo não só a origem cerebral da epilepsia e afirmava que outras partes o corpo também participava da causa de tão grave mal.

No período triste da Inquisição, os epilépticos, eram purificados pelo fogo sagrado, com a finalidade de libertar o espírito maligno que por bruxarias e feitiços havia possuído o infeliz paciente.

Há centenas de anos portanto, vem se estudado a epilepsia, e até hoje os cientistas não chegaram a uma conclusão do que ela é.

Seguramente foi com o advento da Eletroencefalografia, que as primeiras luzes se acenderam na compreensão do mecanismo das epilepsias.

Sabe-se que do ponto de vista fisiopatológico que as epilepsias representam uma alteração do rítmo neuronal cujos mecanismos bioquímicos e fisiológicos são imprecisos. Dependendo do local onde apareça esta descarga neuronal evidencia-se, as formas mais variadas de alterações do mecanismo eletroencefálicos.

A maioria dos casos inicia-se na infância devido ao fato de haver, neste período, imaturidade córtico, sub-cortical, e baixo limear convulsivante, pois alterações metabólicas são suficientes para desencadear as crises.

1.1. INCIDÊNCIA

A idade de início das crises é variável, mas existem faixas etárias preferênciais. Nos primeiros dois anos, entre os 4-8 anos e no início da puberdade. Ao primeiro grupo etário são relacionadas as alterações pré-natais, ficando o segundo grupo sem causa aparente. O terceiro, provavelmente, está relacionado às alterações bioquímicas e fisiológicas da adolescência.

1.2. ETIOPATOGENIA

Sob esse aspecto a epilepsia pode-se dividir em dois tipos: orgânica e funcional.

As orgânicas são devidas a lesões adquiridas nos períodos pré, peri e pós-natal.

As funcionais são devidas a uma hiperexcitabilidade cerebral, transmitida genéticamente ou provocada por alterações metabólicas, bioquímicas ou fisiológicas. Por vezes, as crises funcionais são prolongadas, causando lesão e se transformando em epilepsia orgânica.

Das patologias do período pré-natal, destacamos as alterações placentárias acarretando anoxia, o uso de medicamentos, os processos infecciosos e os transtornos vasculares. Por outro lado, não podemos esquecer as moléstias heredo-degenerativas, tais como as facomatoses, leucodistrofias, moléstias de depósito e erros inatos do metabolismo.

No período pós-natal, teremos como causa os traumas obstétricos, as alterações metabólicas (hipoglicemia, alcalose, hipocalcemia, hipernatremia, carência de piridoxina), moléstias infecciosas do SNC, hemorragias do SNC e colecões subdurais.

Numa época mais tardia, as responsáveis são as alterações tóxicas exógenas, moléstias parasitárias (cisticereose, toxoplasmose, malária, hidatidose), encefalopatias e tumores.

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CLASSIFICAÇÃO

2.1. CRISES GENERALIZADAS

Não convulsivas:

Com alteração só da consciência:

• Breve (ausência típica e atípica).

• Longa (estado de ausência).

Com alteração da consciência e outros fenômenos.

Ausência típica ou atípica com:

• Componente clônico (ausência mioclônica).

• Aumento do tono postural (retropulsiva ).

• Diminuição do tono postural (atônica).

• Automatismos.

• Com sintomas vegetativos (abdominal, enuréticos)

• Mista

Convulsivas

1. Mioclônicas:

• Generalizadas (espasmo infantil)

2. Parciais

3. Clônicas

4. Tônicas

5. Tônico-clônicas

2.2. CRISES HEMIGENERALIZADAS.

Parciais:

Com sintomatologia elementar:

1. Sintomas motores:

• Focais

• Adversivas

• Posturais

• Somáticas inibidoras

• Que afetam a palavra.

2. Com sintomas sensoriais ou somato-sensoriais:

• Sômato-sensoriais

• Visuais

• Auditivas

• Olfativos

• Gustativos

• Vertiginosos

3. Com sintomas vegetativos

4. Mistos

Com sintomatologia complexa:

1. Com alterações só da consciência.

2. Com sintomas intelectuais:

• Dismnésicas.

• Transtornos de pensamento.

3. Afetiva.

4. Psico-sensorial.

5. Psicomotora.

6. Mistas.

2.3. CRISES SECUNDARIAMENTE GENERALIZADAS.

• Erráticas do recém-nascido.

• Crises não classificadas.

As crises do tipo pequeno mal, que são generalizadas, não convulsivas, se caracterizam por início e término súbito, variando de segundos a minutos, média de 15 segundos, com transtorno da consciência acompanhado ou não de automatismos motores. É considerada forma de epilepsia essencial. Aparece, em 80% dos casos, entre os 4-10 anos de idade, havendo maior incidência no sexo masculino do que no feminino.

O pequeno mal pode ser dividido em três grupos:

1. Ausência

2. PM mioclônico

3. PM acinético ou amiotonica

As ausências que freqüentemente são confundidas, pelos familiares e professores, com as chamadas distrações, se apresentam de forma súbita, com perda da consciência, sem manifestações convulsivas, olhar fixo, por vezes acompanhado de batimentos palpebrais. Em certos casos, poderá ser observado relaxamento esfincteriano, vesical, sendo estão denominado PM enurético. Outras alterações vegetativas, difíceis de se perceber são a sialorréia, a alteração do rítmo respiratório e cardíaco, sudorese, rubor, palidez e erecção.

As mioclonias são movimentos musculares bruscos, abruptos, interessando, principalmente, a musculatura flexora axial (pescoço e membros superiores), sendo, em geral, bilaterais, síncronas, podendo, em certas ocasiões, ser assimétricas e alternar-se de um lado a outro do corpo. São desencadeadas também por estímulo sensorial (raio de luz).

As crises amiotônicas são caracterizadas por perda brusca do tono muscular, durando segundos, sendo notadas de três formas: queda brusca ao solo, flexão dos membros inferiores, sem queda, simulando uma claudicação da articulação do joelho e súbita flexão da extremidade cefálica.

No caso das crises tônico-clônicas que sempre se iniciam com perda da consciência, seguem-se movimentos tônicos e/ou clônicos, podendo, ao final, aparecer fenômenos vegetativos tais como relaxamento esfincteriano, taquicardia, taquipneia, sialorréria e midríase.

As crises “hemigeneralizadas” são muito freqüentes e, nas crianças, apresentam as mesmas características das crises generalizadas, mas acometem apenas um hemicorpo. Quando muito prolongadas ou freqüentes, com intervalo curto, podem desencadear a síndrome HH (hemiconvulsão, hemiplegia) ou HHE ( hemiconvulsão, hemiplegia, epilepsia).

As crises parciais ou focais são breves, com início e final abruptos. Aparecem com sintomas motores ou sensoriais, o que dependera do local onde se inicia a descarga. No caso, a perda da consciência não é um fenômeno inicial. Particularmente na criança pequena, e muito difícil que se verifiquem crises sensoriais, sendo mais evidentes as motoras e psicomotoras.

As crises manifestadas com fenômenos vegetativos tem especial importância, pois podem, de certa forma, confundir o médico quanto ao diagnóstico. No setor digestivo, encontramos hipersalivação, cólicas abdominais e sensação epigástrica ascendente.

No setor circulatório e vasomotor, temos alteração do ritmo cardíaco e da pressão arterial, palidêz, rubor, cianose, sudorese, arrepio, enurese. Na área respiratória, surgem polipneia, sufocação e hiperpneia. Na parte sexual, ocorrem erecção e priapismo,

As formas mais comumente encontradas no recém-nascido são as convulsões tônicas ou clônicas, geralmente unilaterais e que podem se alternar quanto ao lado.

Os lactentes e crianças até 2-3 anos apresentam, na maioria dos casos, crises hemigeneralizadas, podendo estar sujeitos também a crises generalizadas. Predominam, nesses casos, as crises do tipo tônico. Ao redor do quinto e sexto ano de vida, as crises hemigeneralizadas tornam-se raras. Em torno de 6-7 anos, começam a aparecer as crises parciais, principalmente as somatomotoras e visuais.

Nos lactentes, exercem especial influência, no desencadeamento das crises, dois fenômenos importantes: a perda do fôlego e a elevação brusca da temperatura.

As crises de perda de fôlego estão relacionadas a transtornos de ordem emocional (mêdo, contrariedade, traumatismo) e são desencadeadas quando a criança inicia o choro ou quando chora excessivamente, provocando parada da respiraçao com cianose perioral, durando em torno de 1 minuto. Prolongando-se por espaço de tempo maior, há perda da consciência e, por vezes, convulsão. Usualmente, o fenômeno é notado no final do primeiro e terceiro ano de vida.

No caso de haver convulsão, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com a epilepsia. Em certas ocasiões, encontram-se alterações do EEG que poderão ser devidas a apnéia ou, ainda, trata-se de crianças predispostas e a crise de apnéia seria o fator desencadeante.

Deve-se destacar, também, a existência de certas alterações da personalidade e da conduta nos pacientes epilépticos. Os distúrbios de conduta podem fazer parte do quadro clínico da epilepsia temporal. Por outro lado, a agressividade, irritabilidade e outras anormalidades do comportamento são evidentes na fase pós-critica da epilepsia tipo GM ou mesmo na fase pré-ictal, precedendo a crise, as vezes, em até 48 horas.

Em outras ocasiões, as modificações do comportamento são determinadas pelo uso do medicamento anticonvulsivo que é capaz de controlar a crise, mas não o suficiente para impedir a disfunção cerebral. As superdosagens do medicamento, para os casos mais rebeldes, também modificam o comportamento, pois levam o paciente a um estado de sonolência, prostração ou confusão permanente.

Por vezes, encontramos, nos pacientes epilépticos, comportamento hipocinético, o que sobretudo ocorre em portadores do tipo mioclônico.

O emprego prolongado do medicamento deve ser considerado, pois poderá acarretar ao paciente certo grau de inferioridade em relação ao ambiente. Apesar das alterações encontradas, devidas as próprias formas de epilepsia, deve-se ressaltar a importância da conduta das pessoas em contato diário com as crianças portadoras, pois elas podem influir na questão.

Por vezes, a criança é rejeitada em determinados ambientes, mesmo pelos parentes próximos, ao passo que, em outras ocasiões, é superprotegida, sendo impedida de participar de uma série de atividades, principalmente esportivas, fator importante de integração social.

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DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de uma crise convulsiva e de epilepsia (convusões recorrentes) é, na maioria dos casos, retrospectivo e baseado na anamnese. Isto deve-se ao fato de que, raramente, o médico presencia as crises, a não ser em seviços de pronto socorro ou quando elas são muito freqüêntes. Os exames clínico, neurológico e laboratoriais complementam e confirmam a suspeita diagnóstica.

Dependendo da idade, a criança pode fornecer informações interessantes, principalmente no que diz respeito a sensações subjetivas que precedem ou sucedem as crises. Cefaléia, sensação vertiginosa, mal-estar epigástrico ou retro-esternal e dor abdominal são algumas queixas freqüentes. Podem preceder uma convulsão ou podem constituir, por si só, o fenômeno epiléptico. Entretanto, obtém-se a maioria dos dados de pessoa que mantenha contato constante com a criança e que tenha presenciado as crises, de preferência a mãe do paciente.

Os antecedente familiares dizem da existencia ou não de parentes convulsivos. Isto, entretanto, é de valor apenas relativo, já que a epilepsia funcional é pouco freqüente (3 a 5% ). Nestes casos, as crises aparecem após o terceiro ou quarto ano de idade. Por outro lado, os dados de hereditariedade, relacionados com doenças que, além de outras anormalidades, levam também ao desencadeamento de convulsões, são bastante úteis. É, o caso, por exemplo, da esclerose tuberosa e da fenilcetonúria.

A gestação é de suma importância, dados os freqüentes distúrbios que podem lesar o sistema nervoso central neste período. Merecem atenção os processos infecciosos, por vezes mal definidos (toxoplasmose, citomegalia) e a hemorragia genital. A duração da gravidez e o peso do neonato também são de importância. Os recém-nascidos pré-termo, os de baixo peso, bem como os de peso exagerado são mais suscetíveis a lesões encefálicas.

O parto requer informações detalhadas, em face da grande freqüência de situações nas quais o encéfalo é lesado (parto prolongado, muito rápido, pélvico, cirúrgico, prolapso de cordão). Nestas circunstâncias, podem ocorrer anoxia e hemorragia intracraniana que, imediatamente ou anos mais tarde, provocam crises convulsivas.

No recém-nascido, é comum a ocorrência de alterações potencialmente lesivas ao sistema nervoso central, como distúrbios metabólicos transitórios (hipoglicemia) e infecções. Pode-se suspeitar de alguma anormalidade acontecida nesta fase, através dos dados sobre a vitalidade, sucção, deglutição, crises de cianose, observadas nos primeiros dias de vida.

A análise dos detalhes da evolução psicomotora da criança (idade em que sentou, andou, iniciou a linguagem, escolaridade) informa sobre eventual encefalopatia, também causa das convulsões.

Os antecedentes patológicos, como desidratações, teníase, traumas de crânio, infecções em geral (e, obviamente, aquelas do sistema nervoso central) indicam o possível fator etiológico.

A descrição das crises é fundamental para inferir o tipo de convulsão. A idade de início, a freqüência, a duração, os fenômenos que precedem ou sucedem as crises e os eventuais fatores desencadeantes são obtidos espontâneamente ou pela anamnese dirigida.

A idade de aparecimento das convulsões relaciona-se, em termos gerais, com alguns fatores etiológicos e com certos tipos de epilepsia. No recém-nato, as convulsões, quase sempre atípicas, focais ou migratórias, implicam em patologia aguda, seja ou não primitiva do sistema nervosa central. Após o sexto mês, ocorre a convulsão febril benigna. Neste caso, muitas vezes, surgem as primeiras crises no fim do primeiro ou no decurso do segundo ano de vida. Costumam desaparecer aos seis anos de idade. Ainda durante o primeiro ano, ocorre a síndrome de WEST (espasmo infantil) e, entre o terceiro e o quarto ano, a síndrome de LENNOX-GASTAUT. 0 pequeno mal (ausência) inicia-se entre o quarto e o oitavo ano, evoluindo, em geral, até a puberdade. As crises psicomotoras ocorrem em qualquer idade, porém são mais elaboradas quanto maior for a criança.

A freqüência das convulsões, muito variável, pode, por si só, sugerir algumas entidades clínicas. A convulsão febril benigna raramente se repete no mesmo dia ou o faz uma ou duas vezes somente. Os espasmos da síndrome de WEST sucedem-se, isolados ou em salvas, com grande freqüência, até centenas por dia.

O horário, quando constante para um dado paciente, tem importância principalmente em relação à terapêutica. É o caso, por exemplo, de crianças com crises somente durante o sono (crises morfeicas).

O tempo de duração de cada episódio sugere, ocasionalmente, certas patologias. Os espasmos da síndrome de WEST, assim como as crises do pequeno mal mioclônico e do pequeno mal acinético, são muito rápidos (apenas segundos). No pequeno mal (ausência), a duração média e de 5 a 20 segundos. A convulsão febril benigna comumente perdura poucos minutos, raramente além de 10 ou 20 segundos.

A informação do paciente ou do observador sobre a existência de fenômenos que precedem a perda de consciência, como contrações musculares localizadas, parestesias, facies ansioso, insinuam a provável sede do foco convulsivo ou, pelo menos, sugerem que se trata de epilepsia focal. Do mesmo modo, as paralisias transitórias pós-críticas (paralisias de TODD), comumente de um segmento ou de um hemicorpo, implicam em epilepsia focal e indicam a possível sede lesional.

A eventual repetição de fenômenos que precedem a convulsão pode identificar um agente desencadeante (epilepsia de precipitação aferente). Assim, encontram-se casos devidos a sons específicos ou não (crises audiogênicas) e a estímulos luminosos. Grande tensão emocional, períodos de sonolência ou determinadas fases do sono e hipertermia são outros tantos exemplos.

Reunindo-se os vários dados, pode-se diferenciar, por exemplo, à crise do pequeno mal (ausência) da pseudo-ausência temporal. Na primeira não há aura, a duração é de 5 a 20 segundos, o início e o término são bruscos e não há fenômenos pós-ictais. Além do mais, as crises são freqüentes, até 10, 50 ou 100 por dia. Na pseudo-ausência, costuma haver alguma alteração pré-crítica, a duração é maior do que meio minuto e segue-se um período de certa confusão mental. O número de crises é muito menor do que no pequeno mal. Em ambos, pode haver automatismos que, entretanto, são muito mais comuns nos casos de foco temporal.

Outro aspecto importante é verificar na anamnese a presença ou ausência de diferentes fenômenos clínicos acompanhando as convulsões. A cefaléia esporádica representa, às vezes, apenas uma manifestação disrítmica. Entretanto, quando freqüente, progressiva e associada a diplopia e a mudança de comportamento, sugere hipertensão intracraniana. A regressão motora e mental, que acompanha crises convulsivas, faz pensar em patologia evolutiva, geralmente grave, como a panencefalite esclerosante subaguda e as sindromes de WEST e de LENNOX-GASTAUT. Na panencefalite esclerosante subaguda, além da regressão psicomotora, ocorrem mioclonias generalizadas, freqüentes e periódicas. Um quadro febril, seja agudo, subagudo ou crônico, precedendo ou acompahando as convulsões, lembra uma etiologia infecciosa, por exemplo, meningencefalite (purulenta ou virótica) e neurotuberculose.

Assim, portanto, a história clínica informa sobre o tipo de convulsão e orienta também quanto a possível etiologia.

O exame clínico (inclusive medida da pressão arterial) e o exame neurológico (obviamente com oftalmoscopia) são os procedimentos seguintes.

Reunidos os diversos dados da história clínica, do exame físico e do exame neurológico, avaliam-se a gravidade, a urgência, o provável agente etiológico, bem como os exames laboratoriais a serem realizados.

Entre os exames complementares, o único diretamente relacionado com a epilepsia é o eletrencefalograma (EEG). Um EEG normal não exclui a hipótese de distúrbio epiléptico. Entretanto e um exame que fornece dados para confirmar o diagnóstico de epilepsia, especialmente se esta não ficou bem caracterizada pela anamnese. Permite ainda, distinguir o tipo de disritmia, se centrencefálica, focal ou outra qualquer. O EEG pode também identificar entidades com traçado característico, como o pequeno mal (ausência) e a síndrome de WEST (hipsarritmia).

O estudo radiográfico do crânio, embora freqüentemente normal, é útil porque, em certas ocasiões, mostra anomalias que dificilmente são detectáveis por outros meios. Assim, calcificações como as conseqüentes a toxoplasmose, neurocisticercose e doença de inclusão citomegálica podem ser visualizadas. As radiografias chamam a atenção para hipertensão intracraniana, através do aparecimento de disjunção de suturas ou alterações da sela turca. Também evidenciam, às vezes, traços de fratura ou afundamento ósseo, conseqüentes a traumatismos.

O exame do líquido céfalo-raquiano indica-se com urgência frente a suspeita de processo infeccioso e nos recém-natos. Além das infecções agudas e crônicas, o liquor identifica também hemorragia subaracnóide. Nas leucoencefalites, os valores das proteínas liquóricas estão alterados.

Na eventualidade de a reação de WEINBERG ser positiva no sangue de um paciente convulsivo, deve-se indicar a punção liquórica para confirmar ou excluir a neurocisticercose.

O ecoencefalograma, que mostra a posição normal ou os desvios das estruturas encefálicas em relação a linha mediana, e aplicado para a pesquisa de processos patológicos que ocupam espaço (tumores, hematomas e abscessos supratentoriais).

Em certos casos tornam-se necessários os estudos metabólicos (glicemia, natremia, caliemia, pH sangüíneo, identificação de substâncias tóxicas), enquanto, em outros, tem indicação os testes para avaliação do desenvolvimento motor, mental e inclusive da personalidade.

Os exames neuro-radiologicos e os exames funcionais (tomografia computorizada de crâneo (TC), ressonância magnética de crâneo (RMC) e tomografia por emissão de fotom único (SPECT)), tem indicação, quando, acompanhando as convulsões, aparecem sinais neurólogicos focais e/ou progressivos. Deste modo, procuram-se processos tais como neoplasias, malformações vasculares, doenças degenerativas, disgenesias cerebrais, hematomas e abscessos.

Assim, verifica-se que os exames complementares, com exceção do EEG, tem por finalidade a identificação do agente etiológico das convulsões.

A anamnese, os exames físico geral, neurológico e laboratoriais permitem identificar um paciente como convulsivo e enquadra-lo em um dos grupos etiológicos seguintes:

• Causa intracraniana crônica não progressiva (epilepsia).

• Causa intracraniana crônica progressiva (por exemplo, doenças degenerativas).

• Causa intracraniana aguda (por exemplo, meningencefalite, hipertensão intracraniana).

• Causa extracraniana aguda (por exemplo, hipoglicemia, hiponatremia, hipernatremia, intoxicação exógena).

No primeiro grupo, as convulsões são o problema principal e constituem a epilepsia idiopática ou adquirida (seqüela). Nos três últimos, as convulsões são fenômenos clínicos acrescidos a uma patologia. em evolução mais ou menos rápida que, obviamente requer especial atenção.

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TRATAMENTO

Procura controlar, as convulsões e permitir a criança o exercício de suas atividades habituais.

Além do uso de medicamentos que visam as convulsões, é muito importante o enfoque da epilepia junto aos familiares e a própria criança, conforme a idade. É necessário explicar o significado das crises, as limitações que implicam e esclarecer sobre os conceitos errôneos de que a epilepsia leva a decadência física e mental. É óbvio que crianças, com deficiência psico-motora ou com doenças progressivas e também com convulsões, requerem outra orientação.

As limitações que a epilepsia impõe são relativas a atividades nas quais a ocorrência de uma convulsão coloca em risco físico o paciente ou outras pessoas como, por exemplo, a natação sem supervisão.

Devem-se evitar também desencadeantes conhecidos de convulsões (exposição muito prolongada ao sol, privação de sono por muitas horas além do habitual, ingestão, em uma só refeição, de exagerada quantidade de hidratos de carbono ou de líquidos e ainda bebidas alcóolicas). As atividades recreativas, esportivas e escolares não necessitam restrições. Se, além das crises convulsivas, há também dificuldade escolar, tornam-se necessárias uma avaliação e uma orientação especiais.

Deve-se prevenir a família contra os inconvenientes da superproteção, totalmente desnecessária. Precisa-se orientar também a criança para que não se sinta “diferente”, pelo fato de ter uma doença crônica, por receber remédios constantemente e mesmo por sofrer ocasionais convulsões.

As peculiaridades do tratamento medicamentoso da epilepsia necessitam explicações detalhadas, de modo que a criança e seus familiares possam observar e informar ao médico os efeitos positivos, bem como as manifestações de intolerância e mesmo, tomar as primeiras medidas para contornar estas últimas.

A colaboração da criança e das pessoas que dela cuidam é indispensável para a elaboração e continuidade de um esquema terapêutico. Este, por vezes, só se estabelece após várias tentativas e, uma vez encontrado o esquema ideal, deve-se prolonga-lo por muito tempo, geralmente vários anos.

Inicia-se o tratamento assim que se firma o diagnóstico, seja pela ocorrência de uma crise epiléptica bem definida (mesmo com EEG normal), seja pela associção de um fenômeno possivelmente epiléptico com EEG mostrando disritmia.

É importante lembrarr que a terapêutica habitual para a epilepsia é sintomática e se propõe apenas a controlar as suas manifestações, sem pretender atuar sobre o agente causal. Este, quando suscetível de tratamento, requer outras medidas, clínicas ou cirúrgicas. Nestes casos, a terapêutica e etiológica. Em determinadas ocasiões (foco convulsigeno bem delimitado e incontrolável pelos meios clínicos), tem indicação os procedimentos cirúrgicos que se devem dirigir para a extirpação do foco, independentemente de sua causa.

Há critérios para o emprego dos medicamentos anticonvulsivantes. Eis alguns deles:

• Determina-se a dose da medicação para cada paciente. Varia entre a mínima capaz de controlar as crises e a máxima tolerável pela criança. Para indicar as doses iniciais e orientar sobre os efeitos colaterais, são úteis os cálculos em relação ao peso corporal.

• É preferível, de início, prescrever apenas uma droga a fim de melhor avaliar sua eficácia e aceitação. Se necessário for, acrescenta-se outra medicação.

• Administrar, nos primeiros dias, apenas frações da dose total prevista. Aumentá-la, de modo progressivo, a fim de avaliar os seus efeitos.

• Dividir a dose total diária em duas a três tomadas conforme o tempo de ação de cada substância.

• Aguardar, de duas a quatro semanas, para julgar a respeito da utilidade da(s) droga(s), pois, nas doses habituais, é necessário algum tempo para que atinja(m) níveis efetivos.

• Uma vez estabelecido um esquema, mantê-lo constantemente, sem interrupções e, de preferência, sempre no mesmo horário

• A suspensão ou troca de medicação, já em uso regular, faz-se de modo lento e progressivo, a não ser em face de intolerância grave. No caso de substituição, a medida que se retira uma droga, iritroduz-se outra, em doses crescentes, no período de, pelo menos, duas semanas.

• Dispensar especial atenção aos efeitos colaterais (sonolência, excitação) e tóxicos (hipoplasia de medula óssea) que podem surgir mesmo após tempo de uso de algumas substâncias.

De acordo com o tipo de crise, alguns anticonvulsivantes podem ter maior probabilidade de êxito.

Em geral, usam-se em crianças as mesmas drogas usadas para adultos, porém em doses proporcionalmente maiores. Nos tipos habituais de convulsões, é preferível iniciar o tratamento com drogas melhor conhecidas e menos tóxicas como, por exemplo, o fenobarbital, a difenil-hidantoina ou a primidona.

Eis, a seguir, de modo muito sucinto, uma relação dos anticonvulsivantes mais usados e dos seus efeitos colaterais e tóxicos mais freqüentes:

O fenobarbital (Gardenal), na dose de 50 a 100 mg, usa-se, de preferência, a noite, devido a sonolência que produz. Pode, paradoxalmente, provocar excitação. É pouco tóxico e é de grande utilidade na maioria dos tipos de epilepsia.

A difenil-hidantoina sódica (Epelin, Hidantal) prescreve-se de modo isolado ou em associação ao fenobarbital na dose de 100 a 300 mg diários, divididos em duas ou três tomadas. Observe-se, com certa freqüência, hiperplasia gengival, hipertricose, reação alérgica, ataxia e, eventualmente, leucopenia.

A primidona (Mysoline) usa-se na dose de 250 a 500 mg diários, divididos em duas tomadas. Tem as mesmas indicações que as drogas anteriores, isto é, crises tipo grande mal e crises focais. Pode provocar, entre outras reações, sonolência, nauseas e ataxia.

A carbamazepina (Tegretol) – bastante útil nos distúrbios intercríticos de comportamento, tem indicação na epilepsia temporal. Sua dose varia de 200 a 400 mg diários, divididos em duas a três tomadas. Pode produzir sonolência e, por vezes, excitação.

O valproato de sódio, não leva a indução enzimática e sua associação em politerapia eleva os níveis de outras drogas epilépticas. A dose média efetiva varia de 1000 a 3000 ml/dia em crianças maiores.

O clonazepan é outro benzodiazepínico reconhecido para as crises miioclônicas e crises tônico-clônico generalizadas. A dose diária varia de 0,5 a 2 mg/dia.

Entre os medicamentos coadjuvantes, a acetazolamida (Diamox) tem indicações, em vários tipos de crises, na dose diária de 250 a 750 mg. Desencadeia, por vezes, náuseas, vômitos e aumento da diurese. Entre os estimulantes, empregados no combate a sonolência provocada pelos anticonvulsivantes, usam-se o metilfenidato (Ritalina) e a imipramina (Tofranil). O ACTH tem indicações específicas nas sindromes de WEST e de LENNOX-GASTAUT. Usam-se as dionas (Tridione, Paradione) e a succinamida (Zarontin) no pequeno mal (ausência). Os benzodiazepinicos (Diazepam, Nitrazepam), além de suas indicações no tratamento das crises convulsivas, por via venosa, são ainda úteis, por via oral, no pequeno mal e nas sindromes de WEST e LENNOX-GASTAUT.

Uma vez estabelecido um esquema terapêutico bem aceito pela criança, importa avaliar seu efeito sobre os sintomas epilépticos e estar atento para eventuais manifestações tóxicas, relativamente raras.

Alguns sintomas de intolerância medicamentosa são precoces e podem ser transitórios. A sonolência e a apatia ou mesmo a excitação, devidas principalmente aos barbitúricos, desaparecem, em algumas crianças, em dias ou semanas. A reação alérgica ao hidantoinato costuma ocorrer após duas semanas de uso. A ataxia, devida à superdosagem ou sensibilidade exagerada a este fármaco, também é precoce. Já a hiperplasia gengival e o hirsutismo aparecem após vários meses do emprego da droga, sendo que este último persiste, mesmo após a suspensão do medicamento. As crianças com transtorno da atenção e do aprendizado costumam reagir com excitação e irritabilidade exageradas aos anticonvulsivantes, mormente aos barbitúricos.

De um modo geral, qualquer anticonvulsivante pode provocar hipoplasia da medula óssea. Isto, entretanto, é rara, mas obriga a vigilância clínica constante e, eventualmente, a feitura de exames laboratoriais. Reações tóxicas mais graves do tipo aplasia medular, lesão hepática, lesão renal e lúpus eritematoso disseminado são bastante raras.

Julga-se a respeito da efetividade de um esquema terapêutico pelo controle das crises que, por vezes, é apenas parcial no início. Nas reconsultas (a principio mensais e, após, semestrais e até anuais), faz-se a reavaliação dos medicamentos, das doses, dos horários. Dos efeitos colaterais e, ainda, do desenvolvimento global e das atividades do paciente. Na grande maioria dos casos, é possível obter o desaparecimento ou a redução substancial das convulsões.

O EEG não acompanha, necessariamente, a evolução clínica. Algumas crianças mostram anormalidade persistente no traçado, mesmo na ausência de crises durante vários anos. Por outro lado, a normalização eletrencefalográfica não significa nem o desaparecimento de epilepsia, nem tampouco indica a suspensão da medicação.

Durante o acompanhamento de uma criança com convulsões, deve-se procurar surpreender as anormalidades clínicas que, porventura, possam aparecer. Determinadas doenças iniciam suas manifestações apenas com crises (grande mal, pequeno mal), sem qualquer outro dado que permita seu diagnóstico. Após meses ou anos, surgem sintomas e sinais que lhes conferem identidade clínica. Se bem que estas patologias sejam relativamente raras, ocasionalmente se encontram malformações vasculares, doenças degenerativas e neoplasias.

Os tumores supratentoriais raramente causam convulsões na infância. Neste período etário, as neoplasias mais freqüentes são aquelas da fossa posterior. Entretanto, uma pequena proporção de crianças manifesta, alguns anos após o início das convulsões, sinais de hipertensão craniana , devida a tumor supratentorial de crescimento lento. Deve se aventar tal hipotese quando uma criança epiléptica, bem controlada há anos, passa a mostrar alterações do comportamento, mau rendimento escolar, reaparecimento ou variação no tipo de convulsões ou, ainda, modificações na freqüência das crises. Além destes dados, encontram-se modificações no exame neurológico, com sinais inexistentes anteriormente e, também, novos achados eletrencefalográficos. Frente a um quadro desta natureza, torna-se imperiosa uma revisão clínica completa e, por vezes, a indicação de exames neuro-radiológicos como tomografia computorizada do crâneo (TC) e ressonancia magnética do crâneo(RMC) e exames funcionais como tomografia por emissão de fóton único (SPECT).

O tempo de tratamento da epilepsia é discutível, porém sempre medido em anos. Em geral, não se cogita em suspender a medicação antes de decorridos quatro a cinco anos sem repetição das crises e nunca antes de dois anos.

Faz-se a retirada dos anticonvulsivantes de modo gradativo (pelo menos 6 a 12 meses). Durante este período, se reaparece a disritmia no EEG ou se recorrem as convulsões, reinicia-se o esquema medicamentoso prévio.

Em algumas faixas etárias (entre os cinco e os sete anos e na puberdade), não é conveniente a suspensão do tratamento, pois é mais provável a reincidência das convulsões.

Os pacientes que, além das convulsões, apresentam também sinais e/ou sintomas outros de lesão do sistema nervoso central, assim como aqueles que sofrem de vários tipos de crises concomitantes devem se manter sob tratamento constante.

Mesmo com esses cuidados, a recorrência das crises é bastante comum (até 40%, se considerados cinco anos após a alta).

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CONVULSÕES NO RECÉM-NASCIDO

As convulsões, no período neonatal, indicam alterações freqüentemente graves do sistema nervoso central (SNC). Diferem das que ocorrem em períodos etários posteriores não só pelo seu aspecto clínico, mas também pela sua etiologia e pelo seu prognóstico. São a exteriorização, quase sempre, de processo mórbido agudo que exige medidas diagnósticas e terapêuticas imediatas.

PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 26/05/2009
Reeditado em 26/05/2009
Código do texto: T1614906
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