AS NEUROCIENCIAS E CRIMINOLOGIA PARTE II

VII – Nervo facial

O nervo facial é um nervo sensitivo-motor, emergindo do sulco bulbo-pontino através de uma raiz motora, o nervo facial propriamente dito, e uma raiz sensitiva e visceral, e o nervo intermédio ou de Wrisberg. Mantém relações íntimas com o nervo vestíbulo-coclear e com estruturas do ouvido médio e interno, podendo sua lesão ocasionar até alterações do equilíbrio e da audição.

O nervo intermédio leva estímulos secretores às glândulas lacrimais, via nervo grande petroso superficial, e às glândulas salivares, submandibular e sublingual. Lembrar que apesar do nervo facial passar pela parótida, esta é inervada pelo IX nervo. A parte sensitiva é responsável pela gustação, sabor doce, salgado, azedo e amargo dos 2/3 anteriores da língua.

A parte motora é responsável pela inervação dos músculos da face-mímica, plastima e estapédio.

Pesquisa: observar presença de assimetria facial: as rugas da testa e as pregas nasolabiais; ato de piscar, movimento da boca ao falar, sorrir, presença de lagoftalmo, etc. Observar, ainda, alterações na gustação.

Mandar o paciente mostrar os dentes, abrir a boca, fechar os olhos com força, assobiar. Para observar o platisma, mandar o paciente abrir a boca e mostrar os dentes ao mesmo tempo.

Alterações da função motora do nervo facial

Basicamente, a paralisia facial, que pode ser de dois tipos, de acordo com o nível da lesão:

- paralisia facial periférica; lesão do nervo motor inferior ou do próprio nervo, tendo como principais características ser homolateral à lesão e acometer toda a metade da face, podendo estar associada à lesão do VIII nervo. Nela observamos a presença de lagoftalmo — déficit do músculo orbicular do olho, ocasionando seu fechamento incompleto, sendo a córnea recoberta pela pálpebra superior e ficando parte da esclerótica visível; sinal de Bell, que consiste na rotação do olho para cima e para fora, acompanhado das manifestações anteriores.

Causas: a mais comum é “a frigore”, idiopática; diabetes, infecções, poliomielite (na criança), tumores do ângulo pontocerebelar, fraturas do rochedo, etc.

- Paralisia facial central: causada por lesões supranucleares. É contralateral à lesão, acomete o andar inferior da face, poupando o superior, já que as fibras córtico-nucleares que vão para os neurônios motores e o núcleo do facial que invervam os músculos da metade superior da face são hetero e homolaterais.

Causas: AVC, neoplasias, doenças desmielinizantes.

VIII – Nervo vestíbulo-coclear

É um nervo sensitivo, tendo dois componentes: o coclear, responsável pela audição, e o vestibular, responsável pelo equilíbrio, que se originam em receptores periféricos diferentes e com conexões centrais separadas.

Visto possuírem funções diferentes, serão estudados de maneira separada.

O VIII nervo tem origem no labirinto; a porção coclear recebe os impulsos através das células ciliadas do órgão de Corti. As vibrações sonoras são transmitidas através da membrana timpânica (condução aérea) e dos ossículos do ouvido, ou diretamente através dos ossos do crânio (condução óssea), colocando em movimento a endolinfa da cóclea e estimulando as células ciliadas do gânglio de Corti.

A porção vestibular tem origem nas células do gânglio de Scarpa no assoalho do meato acústico interno. Ele transmite sensações dos canais semicirculares, utrículo e sáculo.

Depois de suas origens nos gânglios de Corti e Scarpa, os axônios se unem, formando o tronco nervoso vestíbulo-coclear, que mantém relação com o nervo facial e intermédio no seu trajeto intra e extrapetroso. A partir do meato acústico interno, ele atravessa o ângulo ponto-cerebelar, mantendo relações a este nível com o V e VI e nervos cranianos. Na parte lateral do bulbo, eles se separam.

Nervo coclear

A fração coclear transmite os impulsos sonoros aos núcleos cocleares na ponte, com transmissão bilateral dos lemniscos laterais aos corpos geniculados laterais e giro superior (giro transverso de Heschl) de cada lobo temporal. O fato de haver entrecruzamento parcial de suas fibras previne a ocorrência de surdez causada por lesão cerebral unilateral.

A lesão deste nervo leva a queixas como: presença de tinidos ou zumbidos, diminuição ou perda de audição e, em caso de lesão central, pode haver presença de alucinações auditivas.

A semiologia deste nervo é feita, estimativamente, através de:

- exame otoscópico do ouvido externo e membrana timpânica;

- exame da capacidade auditiva, através da voz e com uso do diapasão.

A voz normal pode ser ouvida a cerca de 6 m; com uma surdez discreta a 4m, e com surdez moderada a 1m. Avaliação mais fiel é feita através da audiometria.

O uso do diapasão dá informes mais específicos, permitindo a comparação entre a condução óssea — vibrar o diapasão e colocar na mastóide ou no vértice do crânio — e a condução aérea — vibrar o diapasão e colocar próximo ao conduto auditivo externo.

— Prova de Schwabach: comparação entre o tempo de percepção óssea do paciente e o de uma pessoa normal.

— Prova de Rinne: comparação entre o tempo de percepção de condução óssea e aérea do paciente, sendo a última normalmente maior do que a primeira.

— Prova de Weber: lateralização das vibrações do diapasão colocado no vértice do crânio.

Estas provas permitem esclarecer se a surdez ou hipoacusia é de condução — lesão do ouvido externo ou médio — ou de percepção — lesão de cóclea ou do nervo. Lesões corticais que atingem áreas puramente perceptivas são raras e têm de ser bilaterais.

— Surdez de condução: diminuição ou perda da audição por via aérea, com conservação ou exaltação da óssea. Prova de Rinne negativa; prova de Weber com lateralização para o lado lesado.

— Surdez de Percepção: diminuição ou perda da audição por via aérea e óssea. Prova de Rinne positiva; prova de Weber com lateralização para o lado não afetado.

Obs.: lembrar que na otosclerose há presença de tinido sem vertigem, podendo haver paracusia — o paciente ouve melhor na presença de barulhos altos. Na surdez por lesão nervosa, o paciente não consegue ouvir na presença de outros ruídos.

Outras respostas reflexas podem ser usadas em crianças, pacientes semicomatosos ou em casos de histeria, sendo a mais usada a pesquisa do reflexo cócleo-palpebral.

As causas mais importantes de hipoacusia, excluindo-se a otosclerose e as traumáticas, são a doença de Meniére e o neurinoma do acústico.

Nervo vestibular

A fração vestibular do VIII nervo craniano tem importantes conexões com a medula espinhal, diversas regiões do córtex cerebelar, núcleos dos nervos óculo-motores, do vago, glossofaríngeo e espinhal. O sistema vestibular é responsável pela manutenção do equilíbrio estático e dinâmico, recebendo no labirinto as excitações determinadas pela movimentação da cabeça, especialmente rotação, transmitindo-as ao cerebelo e substância reticular do tronco cerebral.

A lesão desta porção vestibular ocasiona vertigens, ataxia e nistagmo. Vertigem é a sensação subjetiva de rotação do corpo em torno de si mesmo ou de deslocamento de objetos circunvizinhos. Pode ser avaliada objetivamente, pois acompanha-se de palidez, podendo ocorrer náuseas e vômitos.

As lesões podem ser do tipo destrutivo, ocasionando desvios corpóreos ipsolaterais e presença de nistagmo e vertigens para o lado oposto. Já nas lesões irritativas, há aumento de excitabilidade do lado lesado, podendo ocorrer preponderância do lado lesado sobre o lado são.

A semiologia deste nervo engloba provas otológicas, realizadas por otorrinolaringologistas e algumas outras pesquisas:

- pesquisa do Sinal de Romberg, marcha em estrela, prova dos braços estendidos e da indicação de Barány, já citadas em outros itens;

- pesquisa de nistagmo espontâneo e de posição;

O nistagmo espontâneo é pesquisado com a cabeça em posição normal, mandando-se o paciente olhar nas diversas posições. O de posição só ocorre em determinadas posições da cabeça; deve-se mudar a posição espacial da cabeça do paciente, lenta e sucessivamente.

Lembrar que o olhar em posições extremas pode desencadear nistagmo fisiológico. Lembrar, ainda, que nas lesões periféricas o nistagmo é esgotável, e nas centrais, inesgotável. Geralmente o aparecimento do nistagmo é acompanhado de sensação vertiginosa.

IX – Nervo glossofaríngeo

X – Nervo vago

O IX nervo, o glossofaríngeo, é um nervo misto, com funções motoras, sensitivas e vegetativas. Ele emerge do sulco lateral posterior do bulbo, sob a forma de filamentos radiculares, sendo as fibras motoras originárias do núcleo ambíguo. Estes filamentos se unem para formar o nervo glossofaríngeo, que sai do crânio pelo forame jugular; apresenta dois gânglios sensitivos, o jugular ou superior, e o petroso ou inferior. A partir daí, tem trajeto descendente, ramificando-se na raiz da língua e faringe, dando ainda os ramos carotídeos.

As fibras motoras se destinam aos músculos faríngeos; as sensitivas à degustação do 1/3 posterior da língua e sensibilidade do 1/3 posterior da língua, faringe, úvula, tuba auditiva, seio e corpo carotídeo; e os autonômicos inervam a glândula parótida.

O comprometimento das fibras motoras será avaliado junto com o X nervo. Outras alterações causam diminuição da gustação ou hipersecreções salivares.

O X nervo craniano, o vago, emerge do sulco lateral posterior do bulbo, sob a forma de filamentos. É um nervo misto e o maior dos nervos cranianos. Saindo do crânio pelo forame jugular, percorre o pescoço e o tórax, terminando no abdome. Neste longo trajeto dá origem a ramos que inervam a laringe e a faringe, e entra na formação dos plexos viscerais que inervam as vísceras torácicas e abdominais.

A semiologia do nervo vago é relacionada à sua função motora e feita conjuntamente com avaliação do glossofaríngeo. A queixa do paciente diz respeito à disfasia, em que líquidos refluem pelo nariz, e alterações de voz — voz rouquenha ou anasalada.

• Observar o palato e a úvula em repouso; depois mandar o paciente dizer AH e EH, anotando movimentação e desvios. Na paralisia lateral do IX nervo há o repuxamento global para o lado são, da hemifaringe do lado lesado e da rafe mediana, sinal da cortina de Vernet.

• Pesquisar o reflexo faríngeo/excitação da mucosa da faringe com espátula ou estilete. Resulta em repuxamento para o lado estimulado.

• Reflexo palatino ou uveal — excitação da parte lateral e inferior da úvula com espátula ou estilete, resultando na elevação do palato mole e retração da úvula.

Lesões supranucleares do IX e X nervos só têm expressão clínica sendo bilaterais, já que o núcleo ambíguo recebe inervação cortical contralateral e também, em menor grau, ipsolateral.

Lesões nucleares são comuns e podem ser decorrentes de tumores, alterações vasculares (artéria vertebral), degenerativas e infecciosas.

XI – Nervo acessório

É um nervo puramente motor, composto pela fusão de dois nervos de origem diversa: o nervo acessório bulbar, que se origina no núcleo ambíguo, e o nervo acessório espinhal, originado nos cinco primeiros segmentos da medula cervical. O acessório espinhal penetra no crânio pelo forame megno e se dirige ao forame jugular, onde se funde ao acessório bulbar, saindo do crânio na mesma bainha do vago, mas separado deste por uma projeção da aracnóide. Passado o forame jugular, volta a separar-se em ramo externo — que inerva os músculos esternoclidomastóide e trapézio, e ramo interno — responsável pela inervação da laringe.

Lembrar que o músculo esternoclidomastóide é inervado também pelo segundo nervo cervical e o trapézio pelos ramos do terceiro e quarto nervos cervicais.

Lesões do nervo acessório bulbar causam alterações na voz e dificuldade na respiração. Sua pesquisa direta é feita por otorrinolaringologistas.

Pesquisa do ramo espinhal

— Mandar o paciente rodar a cabeça para um lado e outro, contra a resistência do examinador, palpando o músculo esternoclidomastóide, após a inspeção e palpação em repouso.

— Para avaliar o músculo trapézio, observar se os ombros estão no mesmo nível. Pedir ao paciente que estenda a cabeça contra a ação do examinador e observar a contração de ambos os trapézios. A contração unilateral do músculo eleva o ombro deste lado e inclina a cabeça para o mesmo lado.

— Mandar o paciente elevar os dois ombros ao mesmo tempo e anotar alterações de excursão do ombro, hipotonia ou diminuição da contração muscular.

— Manobra de Wartemberg: pedir ao paciente para estender os braços para a frente e um pouco para baixo. Se houver comprometimento do trapézio, os dedos deste lado ultrapassam os dedos do lado são.

Em lesões supranucleares, como na hemiplegia, há diminuição de força-paresia desses músculos. As causas mais comuns de lesões unilaterais são as anomalias craniovertebrais, traumatismos severos da cabeça ou pescoço, tumores junto ao forame jugular e siringomielia. A paralisia bilateral destes músculos pode ser vista na poliomielite, distrofia muscular progressiva e, caracteristicamente, na distrofia miotônica.

XII – Nervo hipoglosso

Nervo motor que se origina em núcleo do mesmo nome no bulbo.

Os núcleos de ambos os nervos hipoglosso, quase justapostos na linha média, são unidos por numerosas fibras comissurais. O centro cortical é na porção inferior do giro pré-central, no interior da cissura de Sylvius.

A semiologia deste nervo se resume à pesquisa de alterações tróficas e motoras da língua, visto o mesmo inervar a musculatura intrínseca da língua — responsável pelo tamanho, movimentos de encurtamento e alongamento, destinada às funções de fala, mastigação e deglutição — e a musculatura extrínseca, responsável pela movimentação da protusão da língua, movimento para um lado e outro, etc.

— Observar a língua em repouso, dentro da boca, à procura de atrofias e/ou miofasciculações. O paciente pode ter dificuldades para engolir a saliva.

— Mandar o paciente pôr a língua para fora e observar os desvios. Lembrar que desvios em repouso apontam para o lado são, por ação não compensadora dos músculos comprometidos. Ao pôr-se a língua para fora, o desvio é para o lado da lesão, por ação do genioglosso, que projeta a língua para a frente e desvia para o lado oposto.

Pela mesma razão, o paciente consegue fazer saliência na bochecha do lado lesado e não consegue fazê-lo do lado são.

Estas alterações são encontradas nas lesões periféricas do nervo. Lesões centrais são geralmente bilaterais.

Palavra e linguagem

Algumas alterações são a dislalia, a disartria, as afasias e a “palavra escandida” (típica de lesão cerebelar).

Esfíncteres – Sistema nervoso autônomo

Devem ser avaliadas a continência ou incontinência dos esfíncteres anal e vesical, bem como a potência sexual.

6. Psicanálise

A Psicanálise não é uma sub-disciplina da psiquiatria, nem especialização médica. São ciências afins, porém completamente definida e cuidando de parte do psiquismo que não se confundem. Os problemas estruturais competem á psiquiatria. Os problemas não estruturais competem á Psicanálise.

Tem como objetivo liberar o paciente das exigências inconscientes e permitir-lhe retomar seu desenvolvimento entorpecido, sendo que os problemas não estruturais competem a Psicanálise. A Psicanálise consiste na utilização sistemática da livre associação de idéias, a fim de trazer á luz a dinâmica psicológica do inconsciente, não procede de nenhum programa calculado ao qual o paciente terá que se submeter. Ela aspira a permitir ao analisado alcançar por seus próprios meios, o melhor desenvolvimento possível de sua economia psíquica. É uma experiência da maturação e não uma tentativa de restauração, uma vez que sua hipótese de trabalho admite uma parada de desenvolvimento da personalidade a que trata de fazer progredir. A descoberta de Freud reside nos meios de retomar sua própria história no ponto em que foi fixada ou interrompida. A técnica psicanalítica, segundo Ralph R. Greenson , não foi descoberta ou inventada repentinamente. Foi evoluindo gradualmente enquanto Freud lutava para encontrar uma maneira de trata eficazmente seus pacientes neuróticos e assim ajudá-los.

Freud era um clínico astuto e podia discernir o que era importante na série complexa de fatos clínicos que vinham após os vários procedimentos técnicos por ele utilizado. Ele também tinha um dom para o raciocínio teórico e imaginativo: misturava ambos para relacionar a técnica ás descobertas clínicas e aos processos terapêuticos. Felizmente, Freud possuía aquela complexa combinação de temperamento e traços de caráter que fizeram dele um conquistador, um “aventureiro” da mente e um pesquisador cientifico cuidadoso . Ele teve a audácia e a inventividade para explorar entusiástica e criativamente, regiões novas na mente. Quando a experiência demonstrava estar errada, ele tinha a humildade de mudar sua técnica e sua teoria

Embora Freud, em 1882, tivesse ouvido Breur falar do caso de Anna O., e tivesse estudado hipnose com Charcot de outubro de 1885 a fevereiro de 1886, ele se limitou a utilizar os métodos convencionais terapêuticos da época em que começara a exercer sua profissão. Durante vinte meses, ele empregou o estímulo elétrico, a hidroterapia, massagens etc . Descontente com os resultados, ele começou a usar a hipnose em dezembro de 1887, tentando acabar com os sintomas neuróticos do paciente. Em 1892, Freud compreendeu que sua capacidade para hipnotizar pacientes era muito limitada e teve que optar: ou abandonar o tratamento catártico (hipnose) ou tentá-lo sem atingir o estado sonambúlico . Bernheim havia demonstrado que era possível fazer os pacientes se recordarem de fatos esquecidos através da sugestão com o paciente acordado . Dessa maneira Freud prosseguiu com a hipótese de que os pacientes sabiam tudo o que tinha importância patogênica e que se tratava apenas de uma questão de obrigá-los a comunicar tais fatos. Ordenava a seus pacientes que se deitassem, fechassem os olhos e se concentrassem. Em determinados momentos, ele pressionava a testa dos pacientes com a mão e insistia que as lembranças iriam vir á tona .

Elisabeth von R. (1892) foi a primeira paciente tratada por Freud, inteiramente através da sugestão,com a paciente acordada. Freud abandonara a hipnose em 1896. Não se sabe ao certo quando ele desistiu de utilizar a sugestão como seu instrumento terapêutico fundamental. Todavia em 1896, Freud já terminara o trabalho essencial sobre A Interpretação dos Sonhos que foi publicado em 1900. Entendendo a estrutura e significado do sonho aumentara sua habilidade para interpretar e entender o significado dos sonhos no desvendar o inconsciente e as neuroses humanas. A associação livre foi desenvolvida aos poucos, entre 1892 e 1896, livrando-se completamente hipnose, sugestão, pressão e questionamentos que acompanhavam tal método quando este se iniciou .O método de associação livre tornou-se conhecido como regra básica ou fundamental da Psicanálise .

A associação livre continuou sendo o método de comunicação dos pacientes em tratamento psicanalítico. A interpretação ainda é o instrumento decisivo e fundamental do psicanalista. Estes dois procedimentos técnicos conferem á terapia psicanalítica sua marca característica. No decorrer da terapia psicanalítica, surgem outros meios de comunicação mas eles são associados, primários ou secundários e não típicos da psicanálise.

7. Perícia Médico-Legal

Segundo o Prof. Genival França , Medicina Legal, Guanabara Koogan, 4 Ed, 1995, pág 7; as perícias médico-legais estão disciplinadas no que dispõem os artigos 158 a 170 do Capítulo 2 (Do Exame de Corpo Delito e das Perícias em Geral) do Código do Processo Penal ( decreto Lei nº 3.639, de 3 de outubro de 1941); artigos 145 a 147 da Seção II 9 do Perito) e 420 a 439 da SeçãoVII ( Da Prova Pericial) do Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), com as modificações da Lei nº 8455, de 24 de agosto de 1992); o artigo 827 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto – Lei nº 5.452,de 1 ° de maio de 1943); artigo 3° das Normas Processuais do Trabalho ( Lei nº 5584,cd 26 de junho de 1970.

Perícia médico-legal é um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou, como um ato pelo qual a autoridade procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada á vida ou à saúde do homem.

Tais perícias são realizadas nas instituições médico-legais ou por médicos nomeados pela autoridade que estiver á frente do inquérito. São efetuados para qualquer domínio do Direito, sendo no foro criminal onde elas são mais constantes, podendo, no entanto, servirem aos interesses civis, administrativos, trabalhistas, previdenciários, comerciais, entre outros.

Podem ser realizados nos vivos, nos cadáveres, nos esqueletos, nos animais e nos objetos. Para o nosso enfoque Neuropsiquiátrico Forense, nos interessa os exames efetuados nos vivos, em respostas ao Exame de Corpo de Delito (AECD) visando o diagnóstico de lesões corporais, determinação de idade,de sexo e de grupos racial; diagnóstico de gravidez parto e puerpério; diagnóstico de conjunção carnal ou atos libidinosos em casos de crimes sexuais; estudo de determinação de doenças venéreas ou de moléstia graves; diagnóstico de doenças ou perturbações graves que interessam ao no estudo do casamento, da separação e do divórcio, determinação do aborto e etc. O verdadeiro destino da perícia é informar e fundamentar de maneira objetiva todos os elementos consistentes do corpo de delito e, se possível, aproximar-se de uma provável autoria. Não existe outra forma de avaliar retrospectivamente um fato de interesse judicial que não seja através do seu conjunto probante. A missão da perícia é informar. Visum et repertum – visto e referido, eis a questão.

7.1. Peritos

Peritos são pessoas qualificadas ou experientes em certos assuntos, a quem incumbe a tarefa de esclarecer um fato de interesse da Justiça quando solicitadas. Qualquer pessoa poderá ser convocado para este fim, desde que seja nele reconhecida uma certa capacitação para tal mister. O ideal nas perícias médico-legais seria o concurso de um médico legista, como normalmente ocorrem nas capitais brasileiras e principais cidades, porem pode ser requisitado um médico de qualquer especialidade ou apenas uma pessoa com certa experiência na matéria, que será denominado perito leigo.

A atuação do perito far-se-á em qualquer fase do processo ou mesmo após a sentença, em situações especiais.

A autoridade que preside o inquérito poderá nomear, nas causas criminais, dois peritos, um relator eu revisor. Em se tratando de peritos não oficiais, assinarão estes um termo de compromisso cuja aceitação é obrigatória como um “compromisso formal de bem e fielmente desempenharem e descobrirem e o que em suas consciências entenderem”. Terão um prazo de 5 dias prorrogável razoavelmente, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 160 do Código de Processo Penal. Apenas em casos de suspeição comprovada ou de impedimento é que se eximem os peritos da aceitação.

Quando os dois peritos não chegam, no crime, a um ponto de vista comum,cada qual fará à parte seu próprio relatório, chamando-se a isso de perícia contraditória. Mesmo assim, o juiz, que é o peritus peritorum , aceitará a perícia por inteiro ou em parte, ou não aceitará em todo, pois dessa forma determina o parágrafo único do artigo 181 do Código de Processo Penal, facultando-lhe nomear outros peritos para novo exame.

Para que a Justiça não fique sempre na dependência direta de um ou outro perito, existem os Conselhos Médico-Legais, espécie de corte de apelação pericial cujos objetivos são a emissão de pareceres médico-legais mais especializados, funcionando também como órgãos de consultas dos próprios peritos. São normalmente, compostos por autoridades indiscutíveis em Medicina Legal e representados por professores de Medicina Legal, diretores de Institutos Médico-Legais, professores de Psiquiatria, diretor do Manicômio Judiciário e por um membro do Ministério Público indicado pela Secretaria de Justiça.

7.2. Corpo de Delito

Corpo de Delito são os ferimentos,lesões ou perturbações no ser humano e dos elementos causadores do dano, em se tratando dos crimes contra a vida e ou a saúde, e desde que possam contribuir para provar a ação delituosa. O delito, considerado fisicamente, tenha um elenco de elementos materiais, mais ou menos interligados, dos quais se compõem e que lhe constituem um conjunto de provas ou vestígios da existência do fato criminoso.

Podem ser de caráter permanente (delicta factis permanentis) ou passageiro (delicta factis transeutis). È, portanto o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado pelo fato delituoso e a base de todo procedimento processual. Só pode ser encontrado naquilo que foi atingindo pelo evento criminoso. Todavia, não se deve confundir corpo de delito com corpo da vítima, pois este último é apenas o elemento sobre o qual o exame pericial buscará os elementos materiais da facção delituosa.

Chama-se corpo de delito direto quando realizado pelos peritos sobre vestígios de infração existentes, e corpo de delito indireto quando, não existindo esses vestígios materiais, a prova é suprida pela informação testemunhal.

Quando, para caracterizar uma infração, for necessária a existência de vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito direto, não podendo supri-lo nem mesmo a confissão do suspeito. Daí justifica-se a exigência da presença de provas, diretas ou indiretas. Deste modo, numa circunstância de causa mortis “indeterminada”, com a ausência de vestígios internos ou externos de violência registrada numa necropsia médico-legal, complementada por exames subsidiários negativos, não se pode cogitar de morte violenta, nem muito menos apontar-se uma autoria, por mais que as aparências possam insinuar.

O corpo de delito fica limitado exclusivamente aos elementos materiais produzidos pela infração ou que tenham concorridos para sua existência. Porém não significa que outros elementos não sejam significativos para se ter um melhor entendimento do corpo de delito e da ação ou do meio gerador desse evento,como por exemplo o estudo de uma arma ou de um objeto.

O exame de corpo de delito indireto é feito através de dados contidos em cópias de prontuários ou relatórios de hospital, quando diante da impossibilidade do exame no periciado, principalmente em casos de lesões corporais. Os peritos, a bem da verdade, para efetuar os autos ou laudos de corpo de delito, devem imperiosamente examinar o paciente, constatando as lesões existentes e analisando com critérios a quantidade e a qualidade do dano. Por isso, não devem os peritos se valer exclusivamente de cópias de prontuários ou relatórios hospitalares. Estes documentos devem servir, para análise da autoridade solicitadora do AECD, que terá suas convicções, transformando-os em corpo de delito indireto.

Ao terminar seu AECD o perito legista terá que responder os 7 quesitos que são:

Primeiro: se há sinal de ofensa á integridade corporal ou á saúde do paciente;

Segundo: qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa;

Terceiro: se foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro meio insidioso ou cruel ( resposta especificada);

Quarto: se resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;

Quinto: se resultou em perigo de vida;

Sexto: se resultou debilidade permanente ou perda ou inutilizarão de membro, sentido ou função ( resposta especificada):

Sétimo: se resultou incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente ( reposta especificada).

O perito legista ao solicitar os exames neurológico forense, normalmente será para complementar o sexto e sétimo quesito acima especificado, baseando no art. 129 . do Código Penal Vigente , caput e parágrafos sucessivos.

7.3. Lesões Corporais

7.3.1. Lesão corporal de natureza Leve

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

7.3.2 Lesão corporal de natureza Grave

§ 1º Se resulta:

I - incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias;

II-perigo de vida;

III-debilidade permanente de membro sentido ou função;

IV- Aceleração de parto.

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

7.3.3. Lesão corporal de natureza gravíssima

§ 2° Se resulta:

I - incapacidade permanente para o trabalho;

II- enfermidade incurável;

III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

IV – deformidade permanente;

V - aborto.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

7.3.4 Comentários sobre lesão corporal

a) Lesão corporal leve ou simples. Embora nada se diga no art. 129 sobre a natureza da lesão, depreende-se seja ela leve, pelo que conta nos demais dispositivos. A natureza leve, portanto, é fornecida por exclusão. Prevendo o § 1° expressamente a lesão grave, e o § 2° implicitamente a lesão gravíssima.

Diversificam-se as lesões corporais leves das vias de fato porque estas, embora violentas, são produzidas sem animus vulnerandi e sem dano á pessoa.

b) Lesões graves. Acham-se alinhadas no § 1º do artigo 129 do Código Penal. Não são elementos constitutivos de crime autônomo (lesões graves), mas condições de maior punibilidade.

I - A primeira delas é a que acarreta incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias.

A incapacidade de que fala a lei não é para o trabalho, mas para as ocupações habituais. Trata-se de um conceito funcional e não econômico, como observa Hungria. Se assim não fosse, uma criança não poderia ser sujeito passivo dessa modalidade de lesão.

A incapacidade, que pode ser física ou psíquica, deve ser real. Não poderá confundir-se com aquilo que Manzini denomina “relutância voluntária”, determinada pela vergonha de deixar perceber sinais da lesão sofrida.

A ocupação a que se refere à lei deverá ser lícita. O ladrão que ficar impedido de assaltar, por mais de um mês, não pode ser considerado vítima da agravante em pauta. A verificação da incapacidade há de ser atual, não podendo ser realizada mercê de prognóstico ou previsão. Far-se-á um exame complementar, que deverá ser realizado imediatamente após o decurso dos trinta dias.

II - O inciso II refere-se ao perigo de vida, que deve ser efetivo e concreto, constatado por exame pericial, porque o perigo de vida não se presume. Não basta, pois, o perigo virtual ou potencial, tem que ser constato pelo perito legista.

De todo irrelevante o período de duração do perigo de vida, que poderá intercorrer num breve espaço de tempo.

Para o reconhecimento do perigo, não basta o simples prognóstico pericial. Será mister um diagnóstico fundamentado, uma descrição minuciosa e exata do perito legista. Desnecessário, contudo, o exame complementar, uma vez constatado o perigo no laudo inicial.

O perigo de vida não resulta só da natureza e sede das lesões. Decorre, isto sim, da probabilidade da morte, em razão do processo patológico derivado das lesões. Não bastará, dessarte, que o perito faça menção á existência do perigo de vida, devendo demonstrá-lo.

Não se confunde esse tipo de lesão com a tentativa de homicídio. “Se o ofensor considerou, por um momento sequer, a possibilidade de matar o ofendido, teremos configurado a tentativa de homicídio”.

III - No inciso III é considerada grave a lesão que causa debilidade permanente de membro, sentido ou função.

Debilidade permanente significa uma perda da capacidade funcional duradoura. Permanente não significa perpetuidade. Ainda que a redução na capacidade funcional se atenue, com o uso de aparelhos de prótese, a gravidade da lesão não é eliminada.

Membros são os apêndices do corpo, num total de quatro. Dois inferiores ou abdominais, que se prestam à sustentação e deambulação. E dois superiores ou torácicos, que se destinam ao tateio e á pressão.

Sentidos são os mecanismos sensoriais, que põem o homem em contacto com o mundo circundante (tato, olfato, audição, visão, gustação).

Função é atividade exercida pelos vários órgão e aparelhos. As principais funções são a respiratória, a circulatória, a digestiva, a secretora, a reprodutora, a sensitiva e a locomotora.

O dispositivo, de uma certa forma, é redundante, pois quando se fala em função pressupõe-se o órgão. Quem diz função diz órgão, e vice-versa.

A perda de um dos órgãos, se duplo ou geminado como o são os olhos, pulmões e rins, configura a agravante em questão, pois a perda de ambos resulta na agravante do inciso III do § 2°, de natureza gravíssima: perda ou inutilização de membro, sentido ou função.

A perda de um dente, embora enfraqueça a função mastigatória (JTA Crimsp, 33:248), poderá não comprovar a redução da capacidade funcional (RT, 446:416 e 544:347).

IV - No inciso IV, prevê como agravante a aceleração de parto de parto, quando o feto é expulso antes do final da gravidez, conseguindo, porém sobreviver.

Se o feto vier a perecer no útero materno, tratar-se-á de aborto, que caracteriza a lesão como gravíssima.

Indispensável que a perícia estabeleça o nexo causal entre a agressão corporal e a expulsão precoce do feto.

c) Lesões gravíssimas. Acham-se contidas, em número de cinco, no § 2° do artigo 129:

I – Incapacidade permanente para o trabalho. Difere a agravante daquela contida no inciso I do parágrafo precedente. Enquanto aquela prevê a incapacidade temporária para as ocupações habituais da vítima, esta cogita da incapacidade permanente para o trabalho em geral, sem cuidar da atividade específica que vinha sendo exercida pelo ofendido. Assim, aquele que vier a perder um dos dedos e não puder mais exercer a atividade anterior, de violinista ou datilógrafo, não estará impossibilitado de conseguir outro emprego.

Contudo, se tratasse de um grande artista do violino, que se visse de um momento para o outro impossibilitado de dar concertos, onde ganhava grandes receitas, sujeitando-se a um trabalho qualquer, devendo começar tudo de novo, a lesão é gravíssima.

II – Enfermidade incurável. A enfermidade, segundo Almeida Jr., é “qualquer estado mórbido de evolução lenta”, ou de “processo patológico em curso”.

A incurabilidade deverá ser entendida num sentido relativo, bastando o prognóstico pericial para a circunstância agravante.

Não estará o ofendido obrigado a submeter-se a intervenções cirúrgicas arriscadas, numa tentativa de debelar o mal.

III – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Não se trata mais da debilidade de membro, sentido ou função, que configura a lesão grave, mas da inutilização definitiva.

A perda poderá suceder por mutilação ou amputação, ao passo que na inutilização permanece o membro ligado ao corpo, mas incapacitado de exercitar sua função.

“É gravíssima a lesão que produz a impotência generandi (em um ou outro sexo) ou coeundi”. Vem sendo aceita, porém, a ablação no transexual (RT, 545:355).

O rompimento do hímen, que se pratica mediante introdução violente dos dedos na vagina, não caracteriza perda de órgãos, porque desprovido de função.

A perda da função procriativa, que vem destacada num dos incisos do código italiano, configura a agravante mesmo que o sujeito passivo houvesse feito voto de castidade ou celibato.

IV- Deformidade permanente é aquela irreparável, indelével. A deformidade não se descaracteriza mercê da dissimulação (uso de olho de vidro, de cabelos postiços ou disfarces, como a barba) ou a possibilidade de ser minorada, por intervenção plástica.

Deverá ainda a deformidade causar uma impressão de desagrado, de mal-estar, senão de horror. Por isso, o Código italiano empresta relevo á formação do rosto, que a doutrina peninsular não limita á face, mas, além do pescoço e das orelhas, a todo o aspecto exterior da pessoa. No Brasil é irrelevante a sede da lesão, desde que perceptível, como no caso de o ofendido tornar-se coxo.

A deformidade permanente deverá ser comprovada, por perícia, acompanhada de fotografias ilustrativas.

Importante considerar a idade, o sexo e demais circunstâncias, decisivas em matéria de deformidade, como observa Quintaño Ripollés, referindo-se a “una decisón antigua pero muy juiciosa de 12-02-1983”.

“A deformidade implica sempre uma valoração estética”, relacionando-se não apenas com a idade e o sexo, como com a profissão ou o gênero de vida do ofendido.

V- Aborto. Se o agente visar o aborto, responderá por este crime em concurso com o de lesões. Se, incorrendo em erro de tipo, ignorava a gravidez da ofendida, responderá apenas pelas lesões provocadas, sem a agravante não desejada.

Vale transcrever a observação de Hungria: “Há que distinguir entre a hipótese do inciso V do § 2º do artigo 129 e do artigo 127, 1ª parte, pois há uma inversão de situações: na primeira, a lesão é querida e o aborto não; na segunda, o aborto é que é o resultado visado, enquanto a lesão não é querida, nem mesmo eventualmente”.

8. Neurociências e Criminologia

O Estado brasileiro contemporâneo passou por diversas transformações. De um modelo liberal inaugurado com a Constituição de 1824 — em que deveria mostrar-se de interferência mínima, fundamentado no direito de propriedade — trafegou por um espaço de bem estar, o Estado do Well Fare, ou o Estado Social. Evidentemente, as duas Grandes Guerras trouxeram um novo impacto às relações humanas, iniciando-se, por exemplo, o interesse no estudo dos direitos humanos internacionais.

Por outro lado, o crime, seu estudo e sua investigação, sempre instigaram os filósofos e estudiosos. O Estado que inicialmente não poderia imiscuir-se nas relações privadas, não poderia deixar de punir, ainda que em nível infraconstitucional, com o Código Penal do Império de 1830, que a legislação se humanizasse com inspiração no modelo clássico europeu, o Estado brasileiro contemporâneo – que não é mais um Estado do Bem-Estar, assumindo para alguns o feitio de Estado Subsidiário – plasmado no princípio de subsídio — não deixa de ter como norte o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana — princípio fundamental da República, consagrado na Constituição Vigente.

Por outro lado, o Código Penal Vigente, em seu artigo 26, traz, como fatores de fixação da pena, o comportamento social e a personalidade do agente. Esses fatores, por seu turno, não se desembaraçam do meio ambiente social e cultural do acusado: necessitam ser examinados com “olhos de ver!”.

As Ciências Penais não podem ser estudadas de modo isolado. A criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar, relacionando-se com a biologia, a psicopatologia, a sociologia, a política, entre outras; tanto que, ao nascer, tratava de explicar a origem da delinqüência em mero esquema causal.

Rousseu, por sua vez, pugnava pelo estudo da causa do delito na sociedade. Lombroso acreditava que a causa do delito poderia ser erradicada no próprio delinqüente. Para este médico, o critério da anormalidade presente num delinqüente é exteriorizado por características físicas “ que vão dos ‘zigomas enormes’ , à cor negra dos cabelos, passando por analgesia (insensibilidade à dor)”.

Na caminhada de acolhimento do médico italiano, os juristas brasileiros passaram a observar os vícios, hábitos e comportamentos dos criminosos encarcerados, deparando-se com a doutrina de Ferri para quem “o criminoso é um anormal moral”. Assim, passaram a ser edificadas, na criminologia, duas categorias chaves: a de periculosidade e a dos novos procedimentos para a classificação dos criminosos, como “normal X anormal”, ou “homem honesto X homem criminoso”. Evidentemente, tal dicotomia não dá conta do tecido social existente no mundo hodierno do qual se ocupa a psicanálise.

Sabe-se que a originalidade de Freud foi a descoberta do inconsciente e da psicanálise. O Direito não pode esquecer que o sujeito não é um bloco monolítico.

Conseqüentemente, não se pode negar o atendimento e a compreensão do desejo humano, vez que o Direito e as Ciências Penais são ciências humanas aplicadas. As Ciências Penais lidam com o homem. Freud descobriu o inconsciente humano e, embora muito afastado da prática judicial, desde o início referiu-se ao discurso jurídico, escrevendo alguns textos, como, por exemplo, A Psicanálise e a Determinação dos Fatos nos Processos Jurídicos (1906), Criminosos em Conseqüência de um Sentimento de Culpa (1914) e O Parecer do Perito no Caso Halsman (1931). Nestes três artigos, Freud se refere principalmente ao criminoso. O sentimento de culpa provinha do complexo de Édipo e constituía uma reação ‘às duas grandes intenções criminosas: a de matar o pai (parricídio) e a de ter relações sexuais com a mãe (incesto)”.

Todas as pessoas apresentam o complexo de Édipo que, por sua vez está presente na infância . Entretanto, não se pode justificar o crime por meio deste fenômeno psíquico. Isso não significa que a psicanálise não tem importância no estudo do crime e mesmo no auxílio da criminologia, pelo contrário. Mesmo que uma pessoa tenha fortes sentimentos edipianos, isto não significa que cometerá um crime em termos reais ou objetivos. No entanto, algumas pessoas têm necessidade de cometer um crime (concreto ou real), ou então de cometer ações incorretas, com a intenção de obter um alívio de suas fantasias incestuosas. O sentimento de culpa será amenizado com a punição através de penas ou de medidas sócio-educativas. O ex-indiciado ou acusado, que figurou como réu, será, então, um apenado.

O cometimento de um crime e, conseqüentemente, a pecha de ex-presidiário, a exclusão social do delinqüente não é o primeiro exemplo de segregação histórica da humanidade. Tal ocorreu com a lepra — que legou a herança do isolamento — e posteriormente com as doenças venéreas.

A propósito do tema, Michel Foucault vaticina que “a verdadeira herança da lepra (...) deve ser buscada (...) num fenômeno bastante complexo, do qual a medicina demorará para se apropriar. Esse fenômeno é a loucura.” Evidentemente, desta e de outras peculiaridades da psique e do comportamento humanos, preocupar-se-ão a psiquiatria, a psicanálise e outras áreas do conhecimento humano, até mesmo o Direito Penal positivo.

Ao discorrer sobre crime e loucura, Cristina Rauter acentua que a criminologia e a psiquiatria “a partir da segunda metade do séc, XIX [mantiveram] um diálogo constante, ao mesmo tempo preservando certas especificidades de diferenças” . Continuando o seu magistério, a autora destaca as principais diferenças entre a psiquiatria e a criminologia, concluindo que aquela “disputa com o Direito Penal o papel de gestora de criminosos”, e que “ o poder do psiquiatra aumenta na medida em que ele pretende ser o verdadeiro juiz, porque médico e cientista”.

Evidentemente, sabe-se que o psiquiatra, na qualidade de perito judicial, jamais será o verdadeiro juiz, mesmo que encarne as tarefas de médico e cientista. Eis que sistema acusatório já separou as funções de julgar, condenar e defender.

O Direito e Psicanálise são praticas discursivas opostas em muitos aspectos de seus procedimentos característicos, calcada, respectivamente, em uma certa “dessubjetivação” e “desracionalização” dos vínculos que estabelecem, aproximam-se, entretanto, ao menos neste ponto. Ambas são práticas que recorrem ao expediente de colocar o conflito que lhe é trazido nos termos de um novo conflito a ser fabricado no interior de seus próprios processos institucionais, conflito este eu se quer ter na propriedade singular de intermináveis.

Deste modo, percebe-se que, neurologia, psiquiatria, psicanálise que denominaremos neurociências, criminologia e Direito Penal, estão intimamente ligados, devendo ser estudados na perspectiva do Estado Democrático de Direito, inaugurado com a Constituição de 1988, cujo bojo reflete sua eficácia irradiante, a saber, o princípio da dignidade humana, a ser observado não só pelo Estado Administrador, Estado Legislador, mas, sobretudo, pelo Estado Julgador.

9. Conclusão

O direito penal e criminologia, tanto na época da inquisição quanto no do positivismo , estavam vinculados porque a criminologia explicava as causas do delito e o direito penal destinava-se a neutralizar essas causas, antes, durante e depois delito: no primeiro momento, o discurso dos juristas se achava imerso em um paradigma teocrático dominando pelos médicos e policiais; por isso, eram modelos integrados de criminologia e direito penal.

A etapa do liberalismo penal também resultou em um modelo integrado, embora inverso, porque o discurso criminológico ficou subordinado às deduções do discurso filosófico-jurídico.

A desintegração neokantiana[1] desvinculou formalmente ambos os saberes, para que o direito penal pudesse continuar legitimando o poder punitivo, mais ou menos como fazia com o positivismo, porem sem arcar com um arsenal teórico falso e indefensável, assim como para que a criminologia não abrangesse o sistema penal e, por conseguinte, não pusesse a descoberto sua seletividade e seu efeito reprodutor de violência.

Na realidade, não foi um discurso totalmente desintegrador das duas disciplinas, pois manteve o vínculo de subordinação epistemiológica da criminologia biopolicial.

Em meio á tormenta punitiva da revolução tecnológica , na qual incumbe ao direito penal reafirmar seu caráter de saber redutor e limitador do poder punitivo para salvar o estado de direito penal na atual transição perigosa, urge voltar a uma integração, ou seja, elaborar um saber jurídico penal baseado em teoria agnóstica ou negativa do poder punitivo , salvar o estado de direito penal na atual transição perigosa, urge voltar a uma integração, ou seja, elaborar um saber jurídico penal baseado em teoria agnóstica ou negativa do poder punitivo, que seja capaz de absorver os elementos e dados fornecidos pelo direito penal e a criminologia, especialmente acerca da operatividade real dos sistemas penais.

Sem essa integração, o discurso jurídico penal perde o seu rumo, mesmo com a boa vontade liberal e garantidora de seus cultores, pois ninguém pode controlar o que não conhece. Suas propostas não podem prescindir dos dados proporcionados pela criminologia no que tange á realidade social do exercício do poder punitivo, à sua violência e seletividade, a seus direitos interativos deteriorantes, incrementadores de conflitividade.

Sem esses dados, o direito penal se perderia sustentando soluções paradoxais. Por isso, se a princípio cabia expressar um conceito aproximativo de criminologia a partir de uma perspectiva descritiva e histórica, impõe-se agora proporcionar outro, segundo a função atribuída ao saber criminológico como complemento indispensável do direito penal de contenção punitiva, perspectiva a partir da qual se pode concluir que a criminologia é o conjunto de conhecimentos, de diversas áreas do saber, aplicados à analise e crítica do exercício do poder punitivo, para aplicar sua operatividade social e individual e viabilizar uma redução em seus níveis de produção e reprodução de violência social.

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[1] O neokantismo ou neocriticismo é uma corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha, a partir de meados do século XIX até os anos 1920. Preconizou o retorno aos princípios de Immanuel Kant, opondo-se ao idealismo objetivo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel

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PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 26/05/2009
Reeditado em 08/07/2009
Código do texto: T1616102
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