Esteve um dia tão lindo!

Esteve um dia tão lindo!

Estava em plena cavaqueira com casais amigos, a desfrutar do ar livre e puro.

Éramos brindados com os últimos raios solares do dia.

Nisto, noto que pé ante pé, acerca-se de nós uma garota. Teria cerca de oito anos, no máximo nove. Olhar triste. Roupas em desalinho. Uma ranheta, mal assoada no canto do nariz, prenuncio de constipação ou obstipação. Cabelos negros, compridos. Um rosto que denotava enfadonho e tristeza. Cansaço. Olhos negros como carvão, mortiços, de quem não espera nada da vida. Acerca-se do grupo e timidamente estende a mão direita, suspendendo um molho de pensos. De imediato alguém com voz de enfado e autoritário brada:

- Já compramos! Não queremos nada. Pira-te.

A menina, submissa e sem articular qualquer palavra, volta-se lentamente para se retirar, talvez maldizendo a pessoa que tão rudemente a interpelou, quando lhe toquei no ombro e perguntei o preço dos pensos. Imediatamente deu um passo para trás, fugindo da minha proximidade. Não contava que a interpelasse. Olhou-me de olhos esbugalhados e inquiridores, pensando talvez que eu iria gozar com a situação.

- Um Euro a dúzia. Balbuciou, de olhos no chão.

Pedi-lhe meia dúzia e dei-lhe a única moeda de dois Euros que tinha, dizendo-lhe para guardar o troco. Olhou-me nos olhos por três segundos. Não se fez rogada e de imediato abandonou o local ligeira. Volvidos alguns metros, voltou-se e fitou-me com um olhar de agradecimento que me fez feliz, desaparecendo de seguida.

Claro que o tema da conversa, passou a ser a minha pessoa e a ciganita. Aguentei como pude o teor brejeiro e jocoso, mas não me livrei de ser adjectivado de sonso e outros que não interessam.

Interessou-me mais saber que a miúda pelo menos não voltava para junto dos pais sem vender nada e sem dinheiro. Terei feito bem...

Estarei, como fui acusado, a ajudar a manter a situação destas crianças, que provávelmente estão a ser exploradas pelos pais? Possivelmente.

Chamem-me o quiserem...

Pelo menos fiquei de bem comigo próprio e... aqueles últimos raios solares souberam-me tão bem...

Esteve um dia tão lindo!

© Luís Monteiro da Cunha

Maia, 2005-10-25