TAMAGOCHI, A CILADA

Veio do Oriente e assolou continentes com velocidade peculiar ao marketing atual. É a febre do Tamagotchi, bichinho virtual, o único permitido em apartamentos, que contagia e se multiplica nas mãos das crianças.

Um primeiro e mágico clique, e está "vivo". Depois, como todo o vivente que se preza, o bichinho virtual requer alimentação, bebida, banho, temperatura ideal, estudo, sono, muita brincadeira e até palmadas. Faz cara feia se não jogarem com ele, chora, adoece e ameaça morrer, se estiver infeliz, faminto ou com frio, deixando frustrado o prematuro provedor de virtualidades.

Inseparáveis e em permanente sobressalto, bichos carentes e crianças irritam o sossego do próximo com seus cliques constantes, invadem salas de aula, onde acordam esfomeados impreterivelmente às nove da manhã, bipando em uníssono para desespero dos professores. Foram proibidos nas salas de aula, mas os pequenos infratores emudecem as criaturas e carregam-nas escondidas nas mochilas. Mesmo sem dar um pio, o Tamagotchi continua, do fundo de sua clandestinidade, manipulando atenções, seduzindo com sorrisos de orelha a orelha.

Perdida neste labirinto de exigências, a criança sofre mais um dos muitos condicionamentos, a que a sociedade moderna a sujeita. Perde muito em sua capacidade criadora e obedece mesmo contrariada.

Pagam-se às máquinas, hoje inerentes ao trabalho, ao lazer, ao ato de viver, enfim, à cultura, tributos demasiado penosos, tensão, desespero e desemprego, o que nos faz questionar sua função essencial: a de libertar o ser humano.

Escravizado pela velocidade e novidades constantes, o homem permite o assalto sub-reptício e paulatino à sua individualidade. Comporta-se como um selvagem diante do totem que venera e a que obedece cegamente. A exorbitância do poder da máquina condena a liberdade. Massas educadas para a obediência ao virtual sugerem a possibilidade de uma ditadura desumanizada.

Publicado a 15 /08/97 em O Progresso, Dourados, MS

Publicado a 15 /08/97 em Jornal da Praça, Ponta Porã, MS

Anabela Bingre de Négrier
Enviado por Anabela Bingre de Négrier em 27/05/2006
Reeditado em 27/05/2006
Código do texto: T164009