Salários de professores das universidades federais.

Por esses dias, navegando pelos mares virtuais, encontrei, num desses roteadores da vida, uma professora universitária, incorpórea e inominada, visto que usa um cognome (que a linguagem poético-policial dos anos 70 transformou em codinome e, hoje, no português das ruas, é chamado "nickname") infeliz com seu salário, dada sua - lá dela - qualificação - titulação.

Comparava ela o salário com os dos funcionários do Banco Central e técnicos da Receita Federal. Absteve-se, pois podia comparar também, com o Ténico Dunga.

É engraçado. Existe, no Brasil e por força constitucional, a exigência de concurso público para ocupar qualquer emprego também público. Qualquer cidadão, ao tomar conhecimento do edital, fica também sabedor de quais são as condições daquele posto. Simples assim. E público, como bem devem ser essas coisas.

Sabe-se então de que a carreira de docente em universidade federal é composta de professores auxiliares, assistentes, adjuntos e associados. A exigência de titulação é, na mesma ordem, graduação, graduação mais mestrado, graduação mais doutorado e tempo de serviço. No edital, para qualquer um desses cargos, já vem descrita a remuneração. O resto da carreira pode ser consultado, por qualquer um, aqui na internet mesmo.

Antes que me chamem de desinformado sei também que existe o cargo de Professor Titular. Mas também sei que esse não pertence à carreira e é objeto de concurso específico. Tão raro quanto mosca branca.

Ora, há muito não se houve falar em concurso para professor auxiliar. O que só pede a graduação. Começam os editais já para o cargo de adjunto - que exige doutorado. Não havendo inscrições, republica-se o edital ofertando a vaga então para assistente - exigência de mestrado.

Então, ou se entra para a docência universitária como assistente - e se tem a possibilidade de alcançar adjunto e associado - ou se entra já como adjunto, podendo, com o tempo ou titulação, chegar a associado (por enquanto. Creio que em breve esse cargo será exclusivo de pós-doutores, ainda não suficientemente contemplados). Basta consultar qualquer ferramenta de busca na internet para saber que cada um dos cargos é composto por 3 faixas salariais.

Normalmente, com as "fábricas" de doutores criadas no Brasil, já se inscrevem doutores. Adjuntos portanto. E sabem, ou deveriam procurar saber, que o próximo passo da carreira é associado. Ou seja, em uma carreira de trinta anos podem almejar três níveis salariais no cargo de ingresso e, quando promovidos, mais três níveis. Só. Outro dia eu disse a alguém que os docentes, aprovados como adjuntos, já entravam em fim de carreira. Alguém brigou comigo, lembrando-me do cargo de associado. Ok, concordo, existe mais esse degrau. Em trinta anos, o professor adjunto pode esperar uma promoção salarial a cada cinco anos e uma promoção de cargo quando completar também cinco anos de docência ou concluir um doutorado. Em trinta anos! Se isso não é fim de carreira, então não sei o que é.

Mas vamos lá. A partir do nosso esforço pessoal somos aprovados no concurso. E vamos encarar o desafio. O plano de carreira está posto, as verbas remuneratórias públicas. Aí começamos a achar que merecemos mais. Será? Ninguém foi nos chamar em casa. Nós é que fomos atrás. E até pagamos uma inscrição para o concurso. Agora, aprovados, o que estava no edital é ruim? Talvez devêssemos ter pensado nisso antes. E procurado outra alternativa.

Disse-me certa vez uma professora doutora: Eduardo, toda a minha qualificação só serve para a docência universitária. Ops. Na primeira semana do curso de administração - essa profissão tão desvalorizada que qualquer doutor em letras ou música, entre outros, exerce administrativamente nas universidades - aprendí que quando a gente tem para um produto ou serviço um único fornecedor ou um único comprador, somos reféns deles. E nós nos tapamos de títulos e diplomas, sem saber (ou pretendendo ignorar) o quanto o "comprador" quer pagar por nosso conhecimento? E então o nosso "pagador" empregador é que está errado? Como, errado, se ele já no edital colocou cartas à mesa. Errados estamos nós.

Citei, a essa incorpórea conhecida - a lá do início - o rendimento do Ivo Pitanguy. Ela até me perguntou se ele ainda está vivo. Até onde sei, está. E é Professor Titular. Certamente aposentado, mas o título é dele.

O Professor Ivo mostrou-se, a partir de uma dessas tragédias cotidianas, portador de uma destreza excepcional em cirurgia reparadora. Principalmente em reparação de mãos, orgão extremamente complexo e delicado e cuja reparação não tem preço. Só que, deve ter pensado o Professor Ivo lá com os botões dele, quem machuca seriamente às mãos são, no mais das vezes, trabalhadores pouco qualificados, dependentes da saúde pública, que não poderiam pagar esse "não tem preço" da recuperação de mãos. Portanto, essa minha "expertise" vai ser paga pelo serviço de saúde pública. Ou seja, vão me pagar uma "merreca" (olhem, não levem ao pé da letra. Eu estou imaginando o que o Dr. Ivo pensou sobre a carreira dele).

E o que fez o Dr. Ivo? Achou uma outra forma, particular, de aumentar sua renda com a cirurgia reparadora. Passou a ser conhecido - e internacionalmente, graças a sua habilidade e seu senso estético - como um cirurgião plástico excepcional. O cirurgião das "global jet stars"!

Não foi ele, portador desses conhecimentos e habilidades invejadas, gritar na porta da universidade que queria salário melhor. O salário da universidade é o que existe. É regra posta. Entra no jogo quem quer. Não se admitem reclamações posteriores.

E digo-lhe, minha virtual conhecida, que se amanhã a doméstica lá da minha casa contar-me, feliz, que teve aceita com louvor sua tese em microbiologia ou em física quântica e agora é doutora, vou parabenizá-la e, logo a seguir, esclarecer: Filha, eu tenho vaga é de doméstica. Com salário equivalente. Você tem o dever, mais, a real obrigação de procurar uma colocação que valorize todo esse saber. Só que, enquanto estiver aqui, é doméstica e não venha encher meu saco!

P.S.: Ao O Cara (anônimo) e outros.

Não deixei claro, no texto acima, que acho justa e necessária a luta por melhores salários. Faço isso sempre, dentro e através do meu sindicato.

O que tento dizer é que não podemos nos furtar à responsabilidade. Não é o empregador, público ou privado, que tem a obrigação de balizar nossa renda. Somos nós. Eu e você. Temos o dever e a obrigação de aproveitar da melhor forma possível nosso conhecimento, torná-lo rentável.

O Prof. Ivo, limitado a Universidade, não atingiria seus sonhos. Dentro da sua área de saber, criou outras fontes de renda. Que ele sirva de exemplo a outros tantos.