QUEM TEM MEDO DA FILOSOFIA?

- Motivações em favor do ensino da Filosofia –

A reflexão filosófica constitui um dos principais índices do nível cultural dos povos. As maiores universidades do mundo, bem como as mais significativas instituições culturais no plano internacional, nunca deixaram de ver a necessidade da reflexão sobre a realidade, conscientes de sua importância para a articulação do sentido das ações culturais e das práticas técnico-científicas. Neste sentido, são eloqüentes os constantes congressos promovidos pela UNESCO e outras instituições internacionais, que nos colocam perante os desafios da racionalidade.

Pensar, refletir, analisar, criticar (julgar) e ensinar a pensar são atividades que especialmente dignificam e caracterizam a pessoa humana. Há cerca de dois milênios e meio os homens iniciaram uma sistematização de seu pensar, fixando os resultados desta atividade por escrito. Os que se destacaram nesta tarefa do pensamento eram denominados de filósofos, isto é, “amigos da sabedoria”. Desde estas épocas remotas, todos os povos civilizados se orgulhavam de ter “os amigos da sabedoria”, e os tinham em alta estima. Publicavam o conteúdo das reflexões e análises de seus pensadores e se orgulhavam disto. E quanto mais pensadores um povo possuísse, tanto mais prestígio esta sociedade adquiria no concerto mundial das nações cultas.

Em nossa época, quando o homem faz progressos fabulosos ao nível dos conhecimentos positivos, e está rodeado de uma tecnologia altamente sofisticada, em alguns países, não certamente nos mais desenvolvidos, estranhamente se tem medo de quem pensa, e se alimentam preconceitos contra aqueles que ensinam a pensar. Especialmente em nosso país tivemos, nas décadas da ditadura militar, uma fase negra, um ensaio de obscurantismo, em que se cassaram uma série dos melhores professores de filosofia e disciplinas afins nas universidades. O filosofar foi considerado perigoso, inútil e prejudicial. Por isto se iniciou um processo de esvaziamento dos Cursos de Filosofia nas universidades. Tentou-se vender ao público brasileiro a idéia de que a subversão saía das escolas de filosofia e ciências sociais. Como conseqüência, empurrou-se a filosofia para a periferia do ensino, retirou-se os conteúdos filosóficos dos vestibulares, fechando-se, inclusive, cursos de filosofia nas universidades brasileiras, pois não havia mais perspectivas de sobrevivência para os profissionais do pensamento. Mas, qual foi o custo do descrédito a que se levou a Filosofia?

Até os mais precavidos contra o ensino da Filosofia, hoje, se queixam de que os jovens não “sabem” mais pensar, e que a juventude brasileira anda desorientada. Mas esta juventude, sobre a qual se joga a pecha da incompetência no pensamento, demonstra em muitos ambientes uma imensa inquietação, interesse e curiosidade pelas questões filosóficas. Em algumas unidades da Federação Nacional, logo após a abertura política, escolas e outras instituições abriram canais de debate e expressão para satisfazer o interesse filosófico dos jovens de forma disciplinada. Iniciou-se, então, um empenho em favor da valorização da Filosofia no Grau Médio de ensino. As Universidades, sem cursos de filosofia, ou com seus cursos esvaziados e enfraquecidos durante a ditadura, iniciam lentamente a superar a vergonha de terem sido coniventes com o esvaziamento de seus Departamentos de Filosofia.

Em Pernambuco, não certamente por sermos uma das regiões mais desenvolvidas, a Filosofia demorou para sair de seu congelamento do tempo obscurantista da ditadura. Somente agora, quando nacionalmente a filosofia e a sociologia se tornaram disciplinas obrigatórias no ensino médio, a Secretaria de Educação do Estado deslanchou uma opção clara em favor da valorização do ensino da filosofia. Também a Direção da Universidade Federal de Pernambuco, até há pouco, conservava a filosofia na periferia de suas atenções. Ainda hoje, somos poucos os professores no Departamento de Filosofia da UFPE, embora neste ano de 2008 tenhamos sido contemplados, até agora, com três vagas para novos professores. Atualmente, sempre mais departamentos da UFPE incluem disciplinas de filosofia nos currículos de seus cursos. Por muitos anos, até departamentos de ciências humanas não possuíam matérias de filosofia em seus currículos. O que era um contra-senso. Em muitos países desenvolvidos, e penso hoje também no Brasil, não se entende que possa haver formação de professores e cidadãos esclarecidos sem que, durante alguns anos de sua formação, tenham tido como disciplinas básicas conteúdos filosóficos. Por isto, sem dúvida, a ausência da Filosofia no sistema educacional é sintoma de subdesenvolvimento cultural e civilizatório.

Certamente, a obrigatoriedade da presença da filosofia e da sociologia no ensino médio vem preencher a necessidade que o homem possui, desde a juventude, em analisar, criticar e compreender os problemas mais significativos de sua época, e das épocas históricas da humanidade. Em nossa democracia brasileira imatura, em que ainda muitos problemas humanos rudimentares esperam por soluções sólidas, os conteúdos filosóficos da civilização ocidental, e da humanidade em geral, são indispensáveis.

Se nos perguntarmos por que nossos problemas não tiveram, até hoje, soluções mais adequadas isto se deve, sem dúvida, ao fato de a maioria de nossos políticos serem filosoficamente ignorantes. Fica, muitas vezes, a impressão, de que os políticos esperam pelas grandes revistas semanais para saberem o que fazer na semana seguinte. Se orientam pelas informações da mídia: corrupção, falcatruas, violência... E os discursos no Senado e no Congresso, na semana seguinte, é sobre isto. Fazem leis e mais leis, que, muitas vezes, devem ser abolidas ou modificadas pouco depois de promulgadas. Isto demonstra falta de sistema filosófico, de fundamentação ideológica e filosófica sólida. Os nossos políticos mudam tantas vezes de partido por quê? Certamente por falta de ideologia e de projetos partidários sólidos. Um curso de filosofia política para nossos parlamentares seria, certamente, de utilidade incomensurável.

Pernambuco sempre foi porta cultural para o Nordeste. Aqui eclodiram movimentos libertários, nasceram os primeiros cursos jurídicos e se formaram escolas filosóficas. Por isto, até é uma responsabilidade histórica que em Pernambuco a filosofia se destaque e se implemente o pensar filosófico. A filosofia deveria ser intransigente na humanização de nossa realidade social. Nenhum filósofo deveria dormir tranqüilo enquanto permanecesse a miséria de nossas favelas, o analfabetismo, a violência inaceitável com a qual convivemos. Por isto é extremamente importante que as Universidades, a Secretaria da Educação do Estado fortaleçam o ensino e a aplicação da filosofia à nossa realidade, buscando nas reflexões filosóficas subsídios para as políticas públicas humanizadoras.

Mas, para que serve a filosofia?

Quando a filosofia é ensinada como “amor à sabedoria”, ela se refere à vida concreta, à ciência, à tecnologia moderna, à significação da cultura, das artes, dos problemas econômicos, sociais, políticos, morais e espirituais. Bem levada, a filosofia se torna uma atividade apaixonante, pois, os problemas de que trata são os problemas da própria vida. É a vida que suscita o perguntar filosófico. Naturalmente, esta vida deve possuir as condições da dignidade humana, do contrário não haverá lugar para a filosofia. Por isto, em épocas de ditaduras, quando os direitos humanos são espezinhados, e em situações de miséria e subdesenvolvimento, em que as condições de uma vida humana condigna não existem, a filosofia permanece rudimentar. Nenhuma outra ciência responderá jamais às perguntas especificamente filosóficas. Além do mais, a carência de uma boa formação filosófica poderá ser um perigo para uma nação, pois permite que seus cidadãos se tornem vítimas fáceis e indefesas das piores e mais desumanas ideologias.

Eliminar o ensino de filosofia na educação de um povo é renunciar à atividade crítica de seu espírito. Pois a filosofia ensina a criticar, a discernir idéias impostas, ou simplesmente admitidas como evidentes. Por isto mesmo, somente os regimes políticos totalitários consideram o pensar filosófico como inconveniente, irrelevante ou perigoso.

No decorrer da história da humanidade se afirmou, e se constatou inúmeras vezes que idéias movem o mundo. Ninguém há-de negar que nosso país necessita, agora mais do que nunca, de pessoas que tenham grandes idéias para recriar e humanizar nossa sociedade. E é em função desta necessidade que se manifesta a dimensão política da filosofia. Pois, enquanto projeto de transformação do mundo, desde Platão, a filosofia é inseparável da política. O ensino da Filosofia ajudará a formar um clima de responsabilidade entre os cidadãos. Ninguém poderá negar seriamente que as idéias filosóficas sempre exerceram papel importante na conduta individual e social, e na opinião dos homens.

A filosofia é um saber original. Ela tenta refletir os problemas humanos em sua globalidade. Nesse sentido, ela coloca problemas que dizem respeito a todos e à totalidade. A filosofia faz parte do caminho da humanidade e de cada homem. O homem não pode deixar de filosofar quando busca sua dignificação. O filosofar é, por um lado, uma expressão e experiência pessoal, pois a filosofia, fundamentalmente, quer ensinar a cada um que aprenda a pensar por si mesmo. Mas, por outro lado, é também uma tarefa social. Por isto, os pensadores do passado podem inspirar-nos a ordenarmos os nossos conhecimentos com rigor lógico, precisão da linguagem, para tomarmos consciência de nosso destino, e superarmos conflitos e angústias existenciais. A filosofia ajuda ao homem a viver e a se orientar na vida. E isto é mais importante para um povo que todo o dinheiro do mundo. A filosofia influencia o espírito humano de maneira mais profunda que as ciências, pois atinge o próprio ser. Ensina a manejar e a criticar as idéias. Ensina uma maneira de ser do homem no mundo. Por mais importante que seja o ensino científico-quantitativo, ele não passará de um enfoque parcial e fragmentário da vida. Se apenas nos preocuparmos com este ensino fragmentário, educaremos uma geração à-toa, que apenas quererá dinheiro, máquinas e bens materiais. Faltar-lhe-á o essencial, ou seja, o sentido de tudo isto. Sem filosofia os homens se transformarão em “lobos”, e não em pessoas com inteligência e coração.

A filosofia proporciona uma idéia geral da vida, do mundo, de Deus, do bem e do mal, da ciência, do homem, da cultura e da sociedade. Introduz ordem e clareza na multiplicidade dos conhecimentos. Desenvolve a personalidade através da consciência de valores, do cultivo da autonomia crítica e do sentido de responsabilidade, condição indispensável para o exercício da liberdade e da democracia. Não há dúvida que toda nação precisa de especialistas no campo da ciência, da técnica, da economia, da política e da administração, mas precisa também formar homens livres e reflexivos, cidadãos responsáveis e esclarecidos. Toda a educação de um país culto e civilizado deve ser capaz de transmitir aos seus cidadãos uma visão global da vida e do mundo, capaz de absorver o sentido das ciências e da técnica.. Por outro lado, sem filosofia, nenhum povo pode aspirar a uma autêntica democracia, pois esta se fundamenta na autonomia das pessoas, na sabedoria dos cidadãos, e não nas máquinas e no dinheiro. Por isto, urge reconhecer o lugar que cabe à filosofia na história de cada povo.

A filosofia sempre representou o anseio profundo da humanidade pela verdade. O “amor à sabedoria” sempre foi mais busca do que posse, e sempre foi a busca de uma sabedoria prática, referida à nossa existência, mais do que uma atividade puramente teorética.

Quando se fala do ensino da filosofia nas escolas, não se pretende relativizar o ensino de qualquer outra disciplina. Pelo contrário, somente acreditamos numa filosofia aberta para um trabalho interdisciplinar. As grandes filosofias nunca estiveram isoladas do mundo do trabalho, da política, da vida artística e das demais ciências. Filosofar é tentar compreender a vida, ou o que é vivo. Ela se constitui no esforço do confronto racional com os mitos, com as ideologias, com a religião, as artes, a vida social e política e com os preconceitos de toda ordem. A filosofia se havém com a cultura dos povos em cada época histórica. O pensar filosófico é necessário como análise crítica do mundo em que vivemos. Ela deve ser um pensamento sobre a história e o trabalho. E sempre que o mundo atual assume características opressoras, a filosofia terá que ser luta, crítica revolucionária na defesa do homem oprimido. De outra maneira os totalitarismos seriam os substitutos dos “reis filósofos”, e o povo, a sociedade toda, seriam a massa coisificada.

Por que a necessidade da filosofia desde o grau médio?

O pensar filosófico é algo profundamente humano, e se manifesta sempre que for permitido, principalmente em fases de mudança. Por isto, o momento oportuno para a valorização da filosofia é este, quando a sociedade civil se tenta recompor. Todos sentem o alívio de novamente poderem pensar. E a juventude está ansiosa para pensar mais profundamente. Não pretende permanecer no “idiotismo especializado”. Evidentemente existe a necessidade de profissionalização, desde cedo. Mas é preciso permanecer atento ao modo como o sistema educacional, muitas vezes, propõe esta profissionalização. A educação deve ser primordialmente educação para a vida. E educar para a vida inclui o incentivo do jovem para pensar sua vida individual, familiar, profissional, social, política em termos mais totalizantes. E isto somente se consegue com o auxílio da filosofia. Sem filosofia não há vida política democrática, pois os cidadãos não estariam preparados para debater os temas gerais. Neste contexto, a filosofia se apresenta como uma atividade baseada no diálogo, na argumentação, na discussão racional, no amor à verdade.

Para tornar a filosofia uma atividade apaixonante nas escolas, bastaria abrir espaço para uma reflexão crítica sobre a realidade, partindo das experiências dos próprios estudantes, levando-os a uma elaboração destas experiências, em diálogo com os professores, os colegas e com os textos sedimentados em escritos pelos maiores filósofos.

Alguém poderia perguntar se os jovens estão preparados para filosofar. Esta questão soa-me como: os jovens estão preparados para viver? Estão preparados para pensar? Poderíamos responder que, para a filosofia, vale o mesmo como para o nadador: “se queres nadar, atira-te ao mar”! O jovem, levado a filosofar, rapidamente se tornará um apaixonado “amigo da sabedoria”. A partir deste trabalho, o ensino reassumirá as legítimas dimensões do diálogo, da discussão, da procura e elaboração pessoal e grupal das experiências culturais e existenciais. Assim a filosofia se tornará um poderoso auxílio para o “bem viver” de nossa coletividade, ajudando a desenvolver a autonomia, a autodeterminação das pessoas, a fundamentação do agir, e a crítica aos mitos e às ideologias impostas.

A filosofia educa para a vida e a democracia, pois ela apela para a racionalidade superior que há em cada ser humano. Por isto, sem dúvida, a valorização da filosofia, desde o grau médio, contribuirá para o aumento da liberdade, da responsabilidade e do respeito pelo diálogo em nossa sociedade. Com a assimilação dos conteúdos filosóficos significativos aumenta a esperança de que aos poucos os cidadãos terão maior sensibilidade para se escandalizarem com a marginalização e miséria de grande parte da população.

Considero de fundamental importância que os conteúdos filosóficos sejam articulados desde o grau médio de nosso ensino. Desta forma, qualquer candidato a cursos universitários já saberia articular conteúdos filosóficos fundamentais à vida cidadã. Por isto, faço um apelo a todos que buscam uma sociedade mais humana e mais justa (políticos, educadores...) que contribuam para que a filosofia possa ocupar o devido lugar nos ambientes educacionais, e na comunidade em geral. Pois, sem a adequada racionalidade filosófica, fatalmente, continuaremos joguete nas mãos de poderes manipuladores e alienantes.