Gripe suína e o caos na saúde pública

Lúcio Alves de Barros*

Às vezes quando vejo o rosto tenso do ministro da saúde na TV fico pensando a quem ele acha que está passando alguma segurança. Tranquilamente ele há pouco comentava sobre a impossibilidade do vírus chegar com toda força por aqui e, certamente, a maioria da população que confia nos políticos e nas autoridades, acreditava nele, mais por burrice do que por precaução ou experiência. Passados alguns dias a gripe invadiu o solo da América “Latrina” com mais força do que se pensava. E aí começou a contagem dos corpos. Na Argentina já passa dos 160 (atualizando: dados de 13 de agosto - confirmaram 380 óbitos), no Brasil estamos próximos aos 20 (atualizando: dados de 10 de agosto confirmaram 202 mortes).

O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já tratou de confirmar que o vírus da gripe suína, o A(H1N1), está circulando livremente no Brasil, isto quer dizer que a disseminação da doença não se reduz às pessoas que viajaram ou que tiveram contato com outras que viajaram para o exterior. Ao todo, são 15 mortes registradas em território nacional. Não entendo como, mas o ministro continua com o mesmo rosto manso e despreocupado, pois aposta em dados que só ele vê e informações sem controle. Na verdade, vamos ser francos, esperar políticas públicas consistentes na América “Latrina” é o mesmo que esperar a Honduras ser campeã da copa na África do Sul. Digo isso de carteirinha: em recente experiência de ostensiva necessidade de uma ajuda hospitalar, percebi novamente o que há anos já sei de trás para frente e de frente para trás. A saúde pública no país continua (é) um caos. Ao passar de hospital por hospital em Belo Horizonte (MG) vi com esses olhos que a gripe não há de comer o que a maioria da população passa. No primeiro, havia pessoas sentadas (que bom!) e outras pelo chão. Um monte de crianças deitadas no colo das mães e várias chorando à míngua. Eram pessoas que a mídia intitulou “de carentes”. Pelo perfil aparentavam não somente dor, mas era mais do que perceptível o cansaço, as horas de espera, os olhos chorosos, cabelos despenteados, ansiedade à flor da pele e muito sofrimento. Fui para outro.

No outro hospital o drama era o mesmo. As pessoas pareciam que tinham sido transportadas do local que estive anteriormente. Esse tinha uma novidade: havia uma fila para fazer o tal do cadastro o que significava ficar horas em pé deixando nome, endereço, idade, essas coisas que uma pessoa doente pode esperar. E que cadastro era aquele, a demora me fez partir para outro estabelecimento. Também pudera, neste percebi moscas, cachorros na porta, lixo pelo chão, pessoas gritando no interior e novamente muitas crianças. Vários doentes chegavam e eram literalmente jogados sobre uma maca, enquanto outras - apavoradas - viam apreensivas o desenrolar do drama.

No último e terceiro hospital, o caos era o inferno de Dante ou algo próximo a isso. Ao chegar me deparei com um baita carro de uma funerária; ao lado duas ambulâncias capengas paradas e um carro do SAMU. Desci rapidamente e olhei o local no qual ficavam as macas. Não havia nenhuma, tampouco cadeiras de roda. Tudo em falta, inclusive lugares para sentar e logo entendi o porquê de tanta gente pelo chão e encostada nas paredes sujas. Novamente muitas crianças, umas corriam, outras viam uma porcaria de uma TV que mostrava a saúde dos atores da Globo e várias abriam e fechavam os olhos no colo das mães. Entre uma porta e outra consegui espiar lá no fundo os acontecimentos no interior do pronto socorro. Não vi médicos. Haviam poucas enfermeiras andando como doidas e muitas pessoas nas macas e deitadas em bancos. Também haviam pessoas encostadas e andando pelo corredor de um lugar a outro. Lá também tinham as crianças que, por motivos emocionais, vou dispensar os comentários. De soslaio percebi duas mulheres em prantos sobre dois corpos. A higiene, uma questão importante em qualquer hospital - e no caso da gripe suína mais ainda - nem pensar. A coisa era feia mesmo, a começar pelo cheiro e pela organização de macas e pessoas. É verdade que observei muito rápido, porém foi o suficiente para voltar e tratar de gastar meus poucos recursos em uma clínica particular. Sem exagero, foi como chegar ao céu. Não haviam filas, tampouco pessoas e carros esperando. Mais que isso, a profissional já se encontrava por lá e ficamos por ali por cerca de uma hora e meia. Quem não tinha a certeza da existência do céu e do inferno trate de fazer uma visita urgente em alguns hospitais públicos. É um quadro belíssimo para masoquistas, sádicos, pervertidos e alienados da realidade nacional.

Em tempos de gripe suína a coisa pode ser pior caso o vírus tenha a oportunidade de chegar e ficar nos corredores, centros de espera, cadeiras, macas e camas dos hospitais públicos. Os profissionais de saúde têm falado que a gripe se pega por contato em maçanetas, toque de mãos e espirros entre pessoas contaminadas. Suponhamos que um sujeito desses tenha uma hora de espera em um hospital dos quais visitei. Não há dúvida que uns cinco ou mais espirros, uma ou duas repousadas de mão em uma maca ou maçaneta, ou mesmo um toque de bom dia em uma mão desconhecida seja o suficiente para deixar por ali uma boa quantidade de vírus. E estou falando de uma hipótese, a qual, infelizmente pode ser mais do que comprovada.

As autoridades dizem que não é bom ter medo e pânico. Todavia, o que esperar de um país que não controla as armas, o tráfico de drogas, a prostituição infantil, a dengue ou os cargos no senado? O que posso esperar quanto às políticas públicas voltadas à disseminação do vírus? Desculpe-me o ministro e os seus competentes técnicos. A despeito de todo o trabalho e preocupação não consigo confiar. Infelizmente os dados estão a meu favor, haja vista que - em aproximadamente - um mês tivemos mais de 1.000 casos confirmados e nos aproximamos rapidamente da 12ª morte. (mais do que isso, veja os dadosa atualizados acima)

Posso estar exagerando, mas essa é a ideia. Não confio em nossas autoridades desde criancinha, pois sei o que é ser tratado em um hospital público. E mais, é grande a desinformação acerca do vírus A/H1N1. A maioria da população (a maioria mesmo) não sabe de nada e (pior) não está nem um pouco preocupada com o avanço da doença. Sorte do governo porque, aparentemente, a população segue o que o titubeante ministro diz ou simplesmente aposta naquela do “comigo isso não acontece”. É um caos, mais um caos dos bons. Essa gripe vai revelar - se a mídia não tiver compaixão - a realidade do sistema de saúde público desse país. A verdade é que ninguém está protegido. Alguns estão mais assegurados do que outros, principalmente os que podem bancar um bom plano de saúde. Como não é o caso da maioria dos brasileiros, podemos esperar o pior. E o pior significa muitas baixas. E não venham com essa de porcentagem do tipo: “ela atingiu apenas cerca de 0,5% da população e é muito pouco se comparado com o outro tipo de gripe”. Pouco para quem vive de estatísticas. A leitura não é esta. Estamos passando por uma pandemia e esta gripe mata e o Estado tem culpa no cartório porque nada fez e porque nada faz no campo da saúde pública.

É real que estou sendo dramático, mas acho que a coisa merece ser. Sinto-me novamente enganado pelas autoridades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) custou a alertar para a pandemia e, de quebra, o Brasil achou que estava imune. E mais, o Instituto Butantã só vai produzir a vacina em 2010 e não se sabe em que mês. Percebam: o Brasil é isso, um lugar no qual as autoridades não têm controle e não se responsabilizam por nada. Neste momento leio que mais de mil pessoas foram contaminadas e não se tem a idéia de quantas realmente estão doentes e/ou contaminas pelo famigerado vírus. Algumas famílias choram os mortos, mas nenhuma tinha que chorar. Enquanto a gripe ainda estiver atingindo com força somente quem vegeta no andar de cima tudo ainda vai parecer bem, mas aguardem, está chegando a hora dela chegar ao andar de baixo, nas filas, nas cadeiras de roda, nas macas, paredes e camas dos já lotados hospitais públicos. Deus nos ajude.

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* - é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia, doutor em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG. Autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e co-autor do livro de poesias, Das emoções frágeis e efêmeras. Belo Horizonte: Ed. ASA, 2006.

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Saiba mais sobre a gripe suína

Folha Online - 27/04/2009 - 05h52 - Atualizado em 14/07/2009 às 10h57. http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u556537.shtml

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a gripe suína é causada pelo vírus influenza A (H1N1) que não havia circulado antes entre seres humanos. Não há informações de pessoas que foram infectadas pelo vírus ao ter contato com porcos ou outros animais, e não se sabe qual a localidade de origem do vírus.

O influenza A da gripe suína já se espalhou por todas as regiões do mundo, atingindo principalmente a América do Norte. Os Estados Unidos concentram o maior número de casos e de mortes, seguido pelo México - considerado o epicentro da doença. No dia 11 de junho, a OMS anunciou que a doença atingiu o nível de pandemia (epidemia generalizada). O termo tem relação apenas com a ampla distribuição geográfica do vírus, e não com a sua periculosidade.

Veja abaixo as repostas a algumas das questões relacionadas ao surto

O que é a gripe suína?

É uma doença respiratória causada pelo vírus influenza A, chamado de H1N1. Ele é diferente do H1N1 totalmente humano que circula nos últimos anos, por conter material genético dos vírus humanos, de aves e suínos, incluindo elementos de vírus suínos da Europa e da Ásia.

A gripe tem cura?

Tem tratamento.

Como é transmitido o vírus?

A doença é transmitida de pessoa para pessoa como a gripe comum e pode ser contraída pela exposição a gotículas infectadas expelidas por tosse ou espirros, e também por contato com mãos e superfícies contaminadas.

Quais são os sintomas?

Os sintomas em humanos são parecidos com os da gripe comum e incluem febre acima de 38°C, falta de apetite e tosse. Algumas pessoas com a gripe suína também relataram ter apresentado catarro, dor de garganta e náusea.

Infecção de gripe suína é comum em humanos?

No passado, os Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) registraram 12 casos de infecção humana pelo vírus da gripe suína, todo em pessoas que tiveram contato com porcos. Nesses casos, não houve evidência de transmissão entre humanos.

Pode-se contrair a doença comendo carne de porco?

Não. Os vírus da gripe suína não são transmitidos pela comida. O governo mexicano e a OMS (Organização Mundial de Saúde) descartaram qualquer risco de infecção por ingestão de carne de porco. De acordo com o CDC, a temperatura de cozimento (71ºC) destrói os vírus e as bactérias.

Como devo agir se estiver com os sintomas?

Quem tiver sintomas de gripe pode tomar remédios sintomáticos e procurar um médico, caso os sintomas persistam, para tomar um antiviral. Mais informações: www.saude.gov.br

E quem chegou de viagem?

Se a pessoa esteve nos últimos dez dias em países onde o número de casos é elevado, como os EUA, o México, a Argentina ou o Chile, e apresenta sintomas pode procurar um médico e realizar o exame para identificar o tipo de gripe. Devem-se evitar locais com presença de muitas pessoas enquanto não sai o resultado.

Qual a diferença entre a gripe suína e a gripe comum?

A gripe suína é caracterizada pelos sintomas da gripe comum, mas pode causar vômitos e diarreia mais graves. A gripe comum mata entre 250 mil e 500 mil pessoas a cada ano, principalmente entre a população mais velha. A maioria das pessoas morre de pneumonia, e a gripe pode matar por razões que ninguém entende. Também pode piorar infecções por bactérias.

Como a infecção de humanos com gripe suína pode ser diagnosticada?

Para diagnosticar a infecção, uma amostra respiratória precisa ser coletada nos quatro ou cinco primeiros dias da doença, quando a pessoa infectada espalha vírus, e examinadas em laboratório. Entretanto, algumas pessoas, principalmente crianças, podem espalhar o vírus por dez dias ou mais.

Existe vacina contra esta doença?

Grandes empresas farmacêuticas e órgãos de vários governos estão desenvolvendo vacinas contra o novo tipo de gripe, mas ainda não há comercialização do produto, ainda em fase de testes. As vacinas devem começar a ser vendidas no segundo semestre.

As vacinas normais contra a gripe são alteradas todos os anos para incluir imunização contra novas variedades de vírus. Segundo as autoridades mexicanas, que citam a Organização Mundial de Saúde (OMS), a vacina existente para humanos é para uma cepa anterior ao vírus, com o qual não é tão eficaz. Mas como os casos confirmados de mortes atingiram adultos, é possível que as pessoas mais vulneráveis - crianças e idosos - tenham se beneficiado por serem alvo de vacinação mais regularmente que os adultos jovens.

A vacina contra a gripe comum tem eficácia contra a gripe suína?

Não se sabe. Pode haver uma prevenção, ainda que parcial, se considerado o fato de que os casos no México ocorreram principalmente com adultos jovens. Lá, crianças de até 3 anos e adultos com mais de 50 vacinam-se rotineiramente contra a gripe humana.

Existe algum remédio eficaz contra a doença?

Os antigripais Tamiflu e Relenza, já utilizados contra a gripe aviária, são eficazes contra o vírus H1N1, segundo testes laboratoriais e parecem ter dado resultado prático, de acordo com o CDC.

Trata-se de um novo tipo de gripe suína?

Assim como no ser humano, os vírus da gripe sofrem mutação contínua no porco, um animal que possui, nas vias respiratórias, receptores sensíveis aos vírus da influenza suína, humana e aviária. Os porcos tornam-se incubadoras que favorecem o aparecimento de novos vírus gripais, através de combinações genéticas, em caso de contaminações simultâneas. Esses tipos de vírus híbridos podem provocar o aparecimento de um novo vírus da gripe, tão virulento como o da gripe aviária e tão transmissível como a gripe humana.

Corro risco de viajar aos países atingidos?

A OMS não recomenda restringir viagens por causa da pandemia de gripe suína. Segundo a organização, essa ação pode não ter efeito para impedir o vírus de continuar se espalhando, mas pode prejudicar bastante a comunidade global. Em junho, o Ministério da Saúde do Brasil recomendou que sejam adiadas as viagens para países com risco de contaminação pela gripe suína, entre eles a Argentina e o Chile. A Secretaria de Saúde de São Paulo ampliou a recomendação para evitar viagens também ao México, Estados Unidos e Canadá. No entanto, os que vão a locais afetados podem usar máscaras, lavar as mãos com água e sabão constantemente e evitar aglomerações, entre outros procedimentos.

Como se previne estando nesses locais?

Com máscaras, lavando sempre as mãos e evitando locais com muita gente entre outros.

Qual o tempo de incubação?

Em média varia de 24 horas a 3 dias. A mídia mexicana cita até duas semanas.

Posso contrair o vírus de alguém que não apresente os sintomas?

Sim. O Influenza pode ser transmitido por alguém até 24 horas antes de essa pessoa apresentar os sintomas.

Quais os grupos mais suscetíveis?

Pessoas com alguma doença crônica ou deficiência imunológica sempre estão mais sujeitas.

Quanto tempo demora o resultado do exame que detecta a gripe suína?

Nos EUA, tem demorado em torno de três dias. A Fiocruz prevê o mesmo para o Brasil.

Outras fontes:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u556537.shtml

http://www.estadao.com.br/especiais/o-virus-da-gripe-suina,55983.htm

http://portal.saude.gov.br/saude/