PORQUE OS HOMOSSEXUAIS DEVEM VIAJAR NA SEGUNDA CLASSE EM UM PAÍS LAICO?

A Espanha foi o quarto país a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os outros três são Canadá, Bélgica e a sempre pioneira no respeito aos direitos individuais, Holanda. Nos Estados Unidos apenas o estado de Massachusetts permite o casamento gay. Vermont e Connecticut aprovaram somente a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Países como Noruega, França, Croácia, Uruguai e Nova Zelândia, entre outros adotaram legislações que garantem direitos aos casais homossexuais.

A pergunta é: quando o Brasil irá garantir aos homossexuais seus direitos como cidadãos? Não, não se trata de mais um militante GLBT bradando palavras de ordem ou um advogado da causa. Não sou homossexual nem advogado, apenas um cristão protestante brasileiro que não vê sentido em ser negada a uma pessoa, por ter uma orientação sexual diferente da minha, parte de seus direitos pelo Estado laico em que vivemos.

Reza o artigo 5º da nossa Constituição que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. Pois bem, acontece que com a marginalização jurídica do homossexual, o Estado brasileiro está considerando e patrocinando a existência de um cidadão de segunda classe. Vejamos: às pessoas que possuem orientação sexual diferente de como manda o figurino, são abortadas 37 garantias em comparação aos “cidadãos normais”. Não podem casar; não podem somar renda para garantir financiamentos; não participam de programas do Estado vinculados à família; não inscrevem parceiros como dependentes da Previdência Social; não têm garantia à metade dos bens em caso de separação; não adotam filhos em conjunto; não têm licença-luto, para faltar ao trabalho em caso de morte do parceiro; não podem alegar dano moral se o parceiro for vítima de um crime; não podem declarar o parceiro como dependente do Imposto de Renda e mais uma série de restrições.

Católicos e protestantes, que tanto gostam de duelar entre si pelo monopólio da verdade, nesta questão, são soldados na mesma trincheira. Não acho incoerente que padres e pastores, segundo interpretação da Bíblia, considerem a homossexualidade um pecado. Assim como catalogam assassinato, roubo, adultério e masturbação na mesma lista. A favor dos pregadores estão as liberdades de expressão e religiosa. O que condeno, embora que não com o fogo eterno, é usar a Bíblia com suas tradições e leis como cajado constitucional de um país laico. Em uma democracia nenhum livro, seja ele sagrado ou literário, vale como lei jurídica. Acreditar e aceitar as leis de Jeová é um direito garantido pelo Estado. Agora, impor estes preceitos a toda uma população, diversificada e pluricultural, não faz sentido.

Usar da Bíblia, principalmente o Antigo Testamento para justificar uma caça aos direitos de outras pessoas é no mínimo, sádico. Sendo assim, não seria absurdo considerar Números 31:17-18: “Matai, pois, todos os varões, mesmo os de tenra idade e, degolai as mulheres que tiverem comércio com homens; mas reservai para vós as donzelas e todas as mulheres virgens”. Não serei chato a ponto de incluir mais algumas dessas ordenanças. Esta foi apenas para ilustrar alguns argumentos que não seriam interessantes tomar da Bíblia e incluir no direito democrático brasileiro.

Um argumento fartamente defendido por padres e pastores é que o casamento gay iria forçá-los a celebrar as cerimônias religiosas. Não merece discussão uma justificativa como essa. O que os homossexuais estão reivindicando não é o sacramento, coisa que compete à Igreja oferecer ou negar. Prova disso é que a Instituição Católica não celebra casamento de divorciados, mesmo o Estado o realizando. A Igreja, assim como um clube de associados tem também as suas normas, coisa que o Estado não mete o bedelho. Seria pertinente também a Igreja não meter o bedelho na vida das pessoas e determinar com quem uma pessoa, que não é associada ao seu “clube”, deve dormir e de que lado prefere copular. Desde que sejam adultos e por acordo mútuo, seria natural que cada um fizesse suas livres escolhas. Ao Estado caberia garantir este direito. À Igreja, caberia fazer um relatório espiritual da questão e apresentar no Juízo Final apenas. Afinal, é pregado pelo Cristianismo o livre-arbítrio, que num raciocínio lógico, resguardaria ao indivíduo a responsabilidade por suas escolhas, inclusive as de ordem amorosa e sexual.

Os cidadãos GLBT têm conseguido algumas vitórias no Judiciário, que, aliás, parece não padecer do mesmo preconceito ou influência de idéias religiosas que o Legislativo. Acontece que os homossexuais não estão pedindo um privilégio ou um presente. O que imploram são apenas os seus legítimos direitos. Só para se ter uma idéia, segundo o IBGE, há hoje no País 17 mil casais homossexuais vivendo juntos, considerando os municípios com até 170 mil habitantes. Estima-se que tenha no mínimo o dobro deste montante, já que há igual número de municípios com população superior. Há que se considerar que a maioria dos homossexuais vive em exílio social e sentimental por habitar uma sociedade hostil ao seu comportamento. A instituição do casamento gay iria corrigir um pouco da injustiça a qual os homossexuais são submetidos diariamente no Brasil.

Os motivos pelos quais os homossexuais se aproximam uns dos outros são os mesmos dos heterossexuais. E acredita-se essas relações são tão antigas quanto a humanidade. São pessoas com capacidade de amar e odiar, sentir medo e desejo, sonhar e realizar. Apaixonam-se, sofrem, vivem felizes para sempre e se separam como qualquer homem ou mulher. Não consigo conceber em qual aspecto o fato de dois homens ou duas mulheres irem ao cartório e oficializarem sua união amorosa pode ofender a minha dignidade, moral ou fé. Muitos protestantes alegam que ver dois homens de mãos dadas é uma afronta à sua fé. Imagino que para estes mesmos reclamantes verem um católico venerando Maria fere a sua espiritualidade. Seguindo a lógica de garantia de direito que estão defendendo, eles deveriam reclamar ao Estado o fechamento de todas as igrejas católicas. O mesmo se aplicaria aos católicos que poderiam alegar que se sentiriam prejudicados na sua fé com qualquer pregação protestante que desabone suas crenças. O mais difícil nestas questões seria identificar qual lado tem a total monopolização da verdade, já que todos eles reclamam para si tal exclusividade. Não há saída para uma convivência respeitosa em um país livre que não o respeito às diferenças, sejam elas de ordem religiosa, filosófica, étnica ou sexual.

Os homossexuais não necessitam da benção ou maldição de um pastor ou padre. Não necessitam também que se concorde com eles, que os julguem pecadores ou justos. Apenas que seus direitos não sejam castrados. Que tenham direito à dignidade como pessoas que são, já que estão sujeitos a cumprir todos os deveres da cartilha de cidadão, como pagar impostos, responder criminalmente, andar habilitado no trânsito e votar. Não compreendo uma democracia que exige que um cidadão X cumpra em igual quantia sua cota de deveres que o cidadão Y e mesmo assim, ser impedido de ter acesso a dezenas de direitos que o cidadão Y tem simplesmente porque ambos se expressarem sexualmente diferente. Acredito que amar o próximo como a mim mesmo passa inicialmente por não agredi-lo em seus direitos de ser humano.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 29/07/2009
Reeditado em 29/07/2009
Código do texto: T1725347