Vida Religiosa

VIDA RELIGIOSA

Como a Vida Religiosa Consagrada faz parte da plêiade vocacional que constitui a comunidade de fé, que é a Igreja, e que se reuni em vista da mesma fé em Jesus Cristo a fim de que, os vocacionados, se consolem mutuamente na mesma fé tendo em vista os vários estados vocacionais, nada mais justo que refletir sobre uma modalidade vocacional dentro dessa imensa pluralidade que é a vocação cristã - que prevê essa pulverização vocacional - qual seja a Vida Religiosa Consagrada de modo a poder fazer crescer a solidariedade vocacional entre os vocacionados na e da Igreja.

1. MÊS VOCACIONAL

O mês vocacional foi uma criação da Assembléia Geral dos Bispos do Brasil no ano de 1981 com a pretensão de fomentar a reflexão sobre os estados vocacionais próprios de cada cristão batizado. Essa criação é consoante as orientações dadas pelo Concílio Vaticano II as quais preconizava uma maior participação do leigo na Igreja e na sociedade segundo as convicções de caráter eminentemente cristão. Então, o mês de agosto é um mês temático como o são os meses de maio que é o mês de Maria, o mês de setembro que é o mês da Bíblia, e outubro que é o mês missionário.

A ideia de fundo que sustenta a escolha dos domingos segundo as várias vocações existentes na Igreja, é seqüência das comemorações que acontecem no decorrer desse mês. Assim temos:

1. Motivados pela festa de São João Maria Vianney, o patrono dos sacerdotes, celebramos a vocação ao ministério ordenado;

2. Motivados pelo dias dos pais celebramos a vocação a família onde os casais são chamados a serem pais e mães, gerar vida;

3. Motivados pela festa da Assunção de Nossa Senhora, celebramos a vocação à vida consagrada;

4. No quarto domingo, como desfecho das vocações, ou seja, como base fontal de onde brotam todas as vocações, celebramos o dia do catequista. Se houver o quinto domingo esse é dedicado a todos os ministérios leigos.

Se formos cônscios da tarefa de cultivar a vocação que Deus nos confiou creio ser possível criar uma Igreja voltada para a fonte da vocação, ou seja, o próprio chamado que Deus mesmo nos faz segundo as nossas propensões.

2. BREVE HISTÓRIA DA VIDA RELIGIOSA

Duas preocupações se fazem notar. A primeira é que não é possível – segundo o meu entender – partir para uma explicação sobre o que seja a Vida Religiosa sem primeiro localizar no tempo - nem que seja muito brevemente e segundo orientações bem determinadas - os marcos históricos segundo os quais deveu-se a origem da Vida Religiosa Consagrada na Igreja. A segunda decorrente da primeira, é que ao se partir diretamente para uma explanação a respeito da Vida Religiosa Consagrada sem antes orientar o pensamento sobre as vicissitudes a respeito de seu surgimento no tempo e no espaço, corre-se o risco de se entender a Vida Religiosa Conagrada sob um determinado paradigma, ou seja, dentro daquilo que muitas vezes se observa em filmes. Ao se fazer semelhante coisa incorre, quase sempre, em desqualificar os religiosos de hoje porque tem em vista, ou melhor, tendo diante dos olhos uma certa representação da Vida Religiosa e, principalmente, da Vida Religiosa Franciscana.

2.1 INÍCIO

A vida religiosa não é um fenômeno que pertence unicamente ao povo de Deus, prova disso são os monges budistas e também alguns movimentos da antiguidade grega como os pitagóricos.

Dentro do universo religioso do povo de Deus existiam os nazireus cujo estilo de vida tinha como fundamento primário a consagração a Deus sob três votos (compromissos) básicos: não cortar o cabelo (Sansão, João Batista etc.), abster-se de vinho e não tocar em cadáveres. Esse último tinha como intenção reforçar a ideia de que a consagração se dava ao Deus da vida e não da morte como era o caso das religiões politeístas.

No universo cristão a compreensão quanto a origem da vida religiosa se dá segundo a orientação de determinado teórico. Por exemplo, se for um teólogo sistemático ele irá considerar todas as manifestações de consagração presentes na Bíblia como sendo movimento do Espírito suscitando o que seria a vida religiosa cristã. Se for um teólogo liberal ele vai considerar o surgimento da vida religiosa segundo as “lutas” que os homens e as mulheres de Deus tiveram que enfrentar para fazer valer a proposta de Deus para o seu povo.

A vida religiosa cristã surgiu com os homens e as mulheres desejos de uma experiência de Deus mais intensa. A causa dessa busca se deveu ao fato de que em 313 os cristãos obtiveram do imperador Constantino a liberdade de culto. Fato esse que impressionou grandes homens da Igreja daquela época como Eusébio de Cesaréia que dizia “ser um sonho” aquela realidade. (CODINA, p. 24). E, quando em 380, a religião cristã passou a ser a religião oficial do império toda aquela realidade de perseguição imediatamente anterior passou a ser objeto apenas de devoção de cristãos mais fervorosos.

Nesse contexto, surgem homens desejos de um encontro mais radical com Deus. Esse encontro que pretendiam era muito diferente daquele que estavam acostumados a receber através de uma religiosidade estabilizada, são os eremitas. Os eremitas são monges que vivem na solidão para uma profunda entrega a Deus. Não durou muito até que os eremitas que viviam numa busca do Deus cristão se apercebessem de que essa forma de vida totalmente entregue a Deus cumpre o primeiro mandamento, mas exclui o outro, que numa perspectiva cristã, é tão importante quanto o primeiro, que é o mandamento do amor ao próximo. Como amariam o próximo se viviam na solidão do deserto?

Quando os eremitas se agrupam numa mesma comunidade surge o cenóbio. Que é justamente o agrupamento de pessoas sob um mesmo regimento, uma mesma regra a fim de melhor darem vazão aos seus anseios de solidão. O precursor dessa intuição espiritual foi Pacômio (292-346). Mas o grande cenobita do ocidente se chama Bento de Núrsia (480-?) com sua regra para o ramo masculino – são os beneditinos e, Escolástica, sua irmã, para o ramo feminino.

2. 2 MENDICIDADE

O cenobitismo irá perdurar até o século XII com o advento dos movimentos pauperistas (cátaros, albigenses, humilhados, valdenses etc. a) os preconizavam uma volta ao Evangelho sob o signo da pobreza na Idade Média entre os quais se afiguram os franciscanos e os dominicanos. Todos os demais movimentos pauperistas foram considerados heréticos excetos os franciscanos e os dominicanos não o foram porque não se afastaram da ortodoxia da Igreja.

Os dominicanos (Domine Canis) cuja significação é “cães do Senhor” surgiram por inspiração de um jovem monge agostiniano, Domingos de Gusmão, o qual se sentiu interpelado pelo pouco êxito das pregações contra os heréticos os quais sempre alegavam, a seu favor, a pobreza de Cristo e de seus discípulos. Então, inspirado pelos heréticos Domingos e um grupo de irmãos fundam a ordem dos dominicanos com o intuito de combater a heresia por meio da pregação da Palavra de Deus, portanto, é uma Ordem intelectualizada e clerical desde os primeiros tempos. Outro nome entre os dominicanos é o grande Tomás de Aquino.

Os franciscanos surgiram por inspiração de um jovem burguês (comerciantes da Idade Média que vivia em burgos) cujo nome original era João de Bernadone. Mas, como a sua mãe era de origem francesa costumava chama-lo carinhosamente de “meu francesinho” adotou o nome de Francisco que é a forma reduzida de francesinho.

2.2.1 REFORMA CAPUCHINHA

Dos primeiros franciscanos surgiram dois ramos bem distintos os observantes e os conventuais. Os observantes – como a própria designação já diz - defendiam que a regra deixada por Francisco deveria ser observada ao pé da letra. Os conventuais – também nome formado a partir da vivencia - , ao contrário, defendiam que os frades deveriam viver dentro de suntuosas habitações de modo a melhor cumprirem a regra deixada por Francisco, ou seja, dentro de conventos tomando de empréstimo a forma estabilizada de vida dos mosteiros.

Os capuchinhos surgem do seio da Observância, ou seja, dentro de uma corrente de franciscanos. Os primeiros frades capuchinhos interpretavam o surgimento da Ordem simbolicamente, assim

“neste momento (surgimento da Ordem) manifesta-se a divina providência sobre a ordem de São Francisco, que, sendo ela dividida em duas partes – conventuais e observantes – e devendo surgir uma terceira, que seria a dos capuchinhos, as duas primeiras não foram anuladas. Os observantes a perseguem e os conventuais a defendem; e para perfazer um triângulo perfeito, saindo a linha dos observantes para os conventuais e destes para os capuchinhos, fechando o triângulo. E de tal maneira que as três linhas com os três ângulos exprimem perfeitamente a Ordem de São Francisco, inspirando-se na tríplice chamada do crucifixo para reformar três Igrejas, para abrir o missal três vezes a fim de conhecer a vontade de Deus e sua vocação e de ter impresso no coração e expresso no hábito e na vida o sagrado sinal do tau, com três pontas e tudo isso para a gloria da Santíssima Trindade”.

3. JESUITAS

No mesmo período em que surgiram os capuchinhos também surgiram os jesuítas. Os capuchinhos surgiram pela desobediência de um frade, Mateus de Bascio e os jesuítas pela incredulidade de um militar, Inácio de Loyola. Assim como os dominicanos essa ordem surgiu com o intuito de erradicarem a heresia sob a égide da razão o que a configura como a ordem mais racionalista da Igreja.

4. VATICANO II

O grande movimento de renovação promovido pelo Concilio Vaticano II convocado em 1959 por João XXIII e finalizado em 1965 por Paulo VI, provocou uma grande e profunda reestruturação da Vida Religiosa. As orientações conciliares iam na linha da refundação – termo hoje já superado, visto que não é possível fundar nada de novo – para dar uma nova configuração à vida religiosa.

Portanto, o contexto a partir do qual reflito sobre de vida religiosa, é do entendimento que o a Igreja tem a partir das orientações conciliares. Creio que isso nos livra da segunda preocupação.

5. VOCACÃO RELIGIOSA

A Vida Religiosa hoje é entendida como um carisma profético que o Espírito suscita na Igreja para um seguimento mais radical de Jesus na síntese dos votos (pobreza, castidade e obediência) os quais são um dom, uma graça que Deus concede gratuitamente.

Na releitura que a Vida Religiosa fez de si mesma os votos não são mais entendidos como sendo exercícios de mortificação para purificarem a alma e a libertar de um corpo de morte, mas, ao contrário, são entendidos como sendo dom profético de Deus, portanto, são vistos numa perspectiva vocacional de construção do Reino de Deus.

Sendo vocacional os votos são entendidos como um chamado a. O chamado é “obra genuinamente divina. É uma maravilha da graça. Ele implica na irrupção de Deus na história para comprometer o homem na obra da salvação como co-laborador. Em todos os níveis da historia da salvação Deus chama. Toda vocação sempre implica numa con-vocação porque o plano de Deus é essencialmente comunitário. O chamado de Abraão já o demonstra: “Por ti serão benditos todos os povos da terra” (Gn 12,3)”. (ROCCHETTA, p. 94).

Nesse horizonte de reflexão os votos religiosos são vistos como imbricados da necessidade de estarem em consonância com. Sendo assim, a pobreza só tem sentido se se realizar como solidariedade, a castidade como serviço à comunidade e a obediência como missão na Igreja, povo de Deus, e no mundo.

5.1 Pobreza e solidariedade

Nesse sentido é evangélica e não social a nível econômico, ou seja, pobreza como miséria, mesmo porque, desta última, é preciso tirar aqueles que lá jazem definhando agonizantemente na luta contra a morte para sobreviverem. Essa pobreza é um insulto a Deus e não uma graça especial concedida por Deus.

Antigamente a Vida Religiosa entendia a pobreza como um exercício ascético para a purificação. Hoje Vida Religiosa Consagrada vê a pobreza como funcional, ou seja, está a serviço de um propósito e este é o seguimento de Jesus a fim de que, assim como Ele, os religiosos de hoje se solidarizem com aqueles com os quais Jesus, à sua época, se solidarizou.

5.2 Obediência como missão na Igreja e no mundo

A obediência (ouvir atentamente) não significa mais fazer prontamente solicitamente numa cegueira o que o superior pede, mas, como o próprio sentido etimológico da palavra diz é ouvir atentamente, o que o superior diz e discernir à luz da Palavra de Deus vivida em primeira instância dentro da comunidade religiosa da qual o religioso faz parte e, em segunda instância, na comunidade a qual ele está vinculado por meio dos serviços prestados a mesma. Portanto, a obediência “como virtude evangélica é a entrega radical e sem cálculos da vida a Deus Pai que exalta e liberta” (DÍEZ, p. 246).

É na comunidade e não na ordem de um superior é o lugar do discernimento da opção religiosa, logo, lugar no qual se pratica a obediência a Deus no momento mesmo em que se processa o discernimento na oração e na renuncia de si, isto é, na capacidade de relativizar o exercício autônomo de liberdade em prol da comunidade.

5. 3 Castidade como serviço a comunidade

É um traço distintivo da Vida Religiosa. A castidade é um “precioso dom da divina graça, concedido pelo Pai para que se consagrem só a Ele com um coração que, no celibato se mantém mais facilmente, indiviso”. (DÍEZ, p. 184).

Mas a castidade não é dom exclusivo de Deus à Vida Religiosa, visto que a castidade é pedida aos casais. Portanto, o traço mais significativo da castidade é o “coração indiviso”. Fato esse que é significativo tanto para o religioso que se mantém voltado para a sua relação com o Deus que o chamou, quanto para os casais que focalizam a sua opção de amarem aquele ou aquela que Deus concedeu para construírem a familia.

O perigo que o celibatário, o casto corre é o de idealizar o amor e, dessa forma, amar apenas abstratamente as pessoas.então, para que o casto fuja desse perigo é necessário que ele viva a sua castidade numa perspectiva comunitária. Agindo assim esse risco desaparece porque a comunidade “lugar de perdão e de festa” (BOFF) é o lugar de pessoas concretas, reais com seus problemas, seus sonhos, seus idéias, suas angustias, sua alegrias, enfim, pessoa com as quais Deus quer que o casto efetive a sua opção de viver castamente e, consequentemente, totalmente entregue ao Deus da Vida.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

DÍEZ, Felicíssimo Martinez. Vida Religiosa: carisma e missão profética. São Paulo: Paulus, 1995.

ROCCHETTA, Carlo. Os Sacramentos da Fé. São Paulo: Paulinas, 1991.

CAPUCHINHOS, OS. Fontes Documentárias e Narrativas do Primeiro Século (1525-1619) Vincenzo Criscuolo (org.) Brasília: Conferência dos Capuchinhos do Brasil, 2007.

Dranem
Enviado por Dranem em 07/08/2009
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