O Mal de Adamski (II)

PIONEIROS DO ESPAÇO

Os anos 40 do século XX, particularmente a partir de sua segunda metade, propiciam um caldo de cultura ideal para o desenvolvimento da ufologia, e neles são lançadas as bases para os estudos sistemáticos efetuados a partir daí. Para compreender o porquê de isto haver ocorrido neste período específico da História, é preciso recordar um pouco do Zeitgeist (“espírito da época”) vigente principalmente nos Estados Unidos, de onde se disseminou pelo resto do mundo. De um lado, após a carnificina da II Guerra Mundial, havia o medo crescente de que a Humanidade pudesse ser destruída numa nova guerra, desta vez nuclear. De outro, havia a expectativa de que o espaço poderia representar em breve uma nova fronteira a ser explorada e que, muitas das respostas que procurávamos aqui, poderiam ser lá encontradas. Além disso, a ficção científica com suas descrições de naves interplanetárias e avançadas civilizações extraterrestres, fornecia o background para a noção de que não estávamos sós no Universo, e que forças poderosas observariam o nosso desenvolvimento lá do espaço.

Talvez mais importante do que tudo isso seja o fato de que o evento que desencadeou a moderna era ufológica ocorreu precisamente nesta época. Em 24 de Junho de 1947, enquanto pilotava seu avião, o comerciante Kenneth Arnold teria avistado nove objetos prateados voando sobre as montanhas Cascade no estado de Washington, EUA, a uma velocidade estimada em 2000 Km/h (lembremo-nos de que a barreira do som só seria quebrada em Outubro deste mesmo ano, por Chuck Yeager). O avistamento destes objetos voadores não-identificados, batizados erroneamente de “discos voadores” pelo repórter Bill Bequette, que entrevistou Arnold e escreveu a história para a United Press, desencadeou uma onda de avistamentos que se espalhou do território americano para todo o planeta.

Ilusão ou realidade, o fato é que o governo norte-americano decidiu-se finalmente a investigar o fenômeno através de uma série de operações conduzidas pelos militares. Uma destas operações pioneiras foi o Projeto Grudge. Em 27 de Dezembro de 1949 ele foi concluído oficialmente pelo Pentágono, o qual emitiu um relatório no qual eram estudados 244 avistamentos de OVNIs pela Força Aérea, no período de 1947 à 1949. Este relatório, enviado para a imprensa três dias depois, concluiu o esperado em se tratando do Pentágono: os avistamentos de OVNIs seriam resultantes de ilusões de ótica, ataques histéricos, burlas, invencionices e confusões. Todavia, possivelmente por um engano do porta-voz, foi igualmente liberado um sumário do serviço secreto onde outra hipótese é considerada: “Because of our nuclear bomb and spacerocket tests we are likely at this time above all to be observed by space visitors concerned over possible agression by earth races”. Ou, em outras palavras, visitantes do espaço estariam preocupados com a possibilidade de que a posse da bomba atômica e os testes com foguetes efetuados pelos Estados Unidos, representassem uma ameaça para suas existências. Verdadeiro ou falso, o relatório e o polêmico sumário do Projeto Grudge foram reclassificados como sigilosos e desapareceram das vistas do público no período 1954-60.

Foi também em 1949 que George Adamski publicou um livro de ficção centífica, “Pionneers in Space” (“Pioneiros do Espaço”, escrito na verdade por uma amiga dele, Lucy McGinnis), no qual especula sobre a existência de atmosfera respirável ... na Lua. Depois do Programa Apollo, isto poderia soar como uma rematada maluquice, mas nas primeiras décadas do século XX, astrônomos famosos, como William Pickering (que afirmava ter observado uma tempestade de neve selenita), ainda acreditavam que o satélite da Terra pudesse ter uma significativa cobertura atmosférica. Estas noções errôneas (mas quase sempre bem-intencionadas) dos cientistas nesta época pré-espacial se estendiam para outros planetas do Sistema Solar. O caso de Marte e seus “canais” é típico, embora, estranhamente, eles tenham sido novamente avistados pelos astrônomos Peter Boyce e Jim Westfall, do observatório de Cerrotollollo, Chile, durante a oposição de 1971 (a fonte desta informação é o insuspeito Arthur C. Clarke, em seu livro “Arthur C. Clarke's Mysterious World”).

Se errar é humano, persistir no erro bem pode ser burrice. Contra todas as evidências, não seria difícil encontrar pessoas defendendo publicamente tempestades na Lua e “faces de Marte” em fins do século XX. É o caso de Fred Steckling, ex-colaborador de Adamski e autor de “Alien Bases on the Moon” (“Bases Alienígenas na Lua”, 1981). No livro, após exaustivas análises de fotos (oficiais) das missões Apollo e Lunar Orbiter, especialmente das últimas, e particularmente no que tange à face oculta da Lua, o autor descobriu a presença de nuvens, atividade tecnológica, e até mesmo vegetação, vista em fotografias coloridas.

Vênus, porém, nos interessa mais de perto, até pelo fato de que Adamski, possivelmente evitando um desgaste precoce de suas teorias sobre a habitabilidade planetária, concentrou-se neste planeta, no distante Saturno e, naturalmente, no lado oculto da Lua (ainda não fotografado e, portanto, um completo mistério para a Humanidade).

O que se sabia sobre Vênus na primeira metade do século XX ? Na verdade, muito pouco. O vizinho interno da Terra no Sistema Solar, é permanentemente coberto por uma densa camada de nuvens, que oculta a visão da superfície. Mesmo a duração do seu dia era uma incógnita até os anos 1950. Como nada podia se ver, a imaginação de astrônomos e escritores populares corria desenfreada. Para os adeptos de uma avançada e decadente civilização marciana, por exemplo, era usual imaginar Vênus como uma espécie de gigantesco pântano primitivo. Grandes cientistas, como o físico sueco e prêmio Nobel de 1903, Svante Arrhenius, partilhavam dessa visão. Em 1918, ele escreveu: “(...) tudo em Vênus está a pingar (...) uma parte muito grande da superfície de Vênus está, sem dúvida, coberta de pântanos.(...) As condições climáticas constantemente uniformes que existem por toda parte tem como resultado uma completa ausência da adaptação às variáveis condições exteriores. Apenas inferiores formas de vida se encontram, portanto, aqui representadas, principalmente, sem dúvida, pertencentes ao reino vegetal; e os organismos são quase da mesma espécie por todo o planeta.” Reflexos desta imagem podem ser vistos, por exemplo, no primeiro conto publicado de Isaac Asimov, “Uma Arma Terrível Demais Para Ser Usada”, de 1937, e que se passa no planeta: “uma chuva fina e eterna caía das nuvens baixas; uma vegetação rasteira, esponjosa, de monótona cor castanho-avermelhada, estendia-se em todas as direções.”

Como Vênus se furtava à observação direta, nos dias pré-sondas espaciais a solução foi apelar para a análise da luz refletida. As primeiras pesquisas espectroscópicas feitas no observatório de Monte Wilson, por volta de 1920, não encontraram sequer traços de vapor d’água na atmosfera superior de Vênus, sugerindo uma superfície árida como um deserto, varrida por nuvens de poeira silicosa. Posteriormente, outro estudo detectou a presença de grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, o que poderia indicar, para alguns cientistas, a existência de um oceano global venusiano ... de petróleo. Em meados dos anos 1950, os astrônomos Donald H. Menzel e Fred L. Whipple, da Universidade de Harvard, interpretaram diferentemente estes dados, sugerindo que, em vez disso, o tal oceano venusiano seria mesmo de água. Mineral.

Em 1956, um dos primeiros radiotelescópios, ao ser voltado para Vênus, detectou que o planeta emitia ondas de rádio como se estivesse numa temperatura extremamente alta (480ºC em média). Esta informação foi corroborada pela sonda espacial Mariner II, que passou próximo ao planeta em 14 de Dezembro de 1962. Com uma pressão na superfície chegando à 90 atmosferas, e chuvas de ácido sulfúrico que evaporam antes de tocar o solo, Vênus faria até mesmo a Lua parecer subitamente acolhedora.

Mas George Adamski não sabia de nada disso quando revelou ao mundo o seu contato imediato do terceiro grau. E, se soubesse, provavelmente não faria a menor diferença ...

(continua)