Adeus ao PT (Partido dos Trabalhadores)?

"A crise do Senado e hoje a crise da bancada do PT é de responsabilidade do senador José Sarney. Ele, se tivesse tido um gesto de grandeza, teria preservado a instituição e permitido uma apuração que seguramente ajudaria o Senado a encontrar um outro caminho", (senador Aloizio Mercadante (PT-SP))

O dia 19 de agosto de 2009 tem o direito de entrar na história, pelo menos para aqueles que gostam de ler, estudar ou mesmo visualizar o debate político que se desenrola no Brasil. O dia mencionado é daqueles que revelam o cair das máscaras, o amor escondido entre desiguais e os acordos e conchavos escusos feitos no calar da noite. O dia também foi daqueles que revelam o quanto vale a honestidade, a coerência e a dignidade na política. O dia 19 foi o dia em que o Partido dos Trabalhadores definitivamente atirou nos dois pés.

Há tempos o partido vem trilhando com louvor a defesa da continuidade do presidente do senado José Sarney (PMDB-AP) na chefia da casa. Tornou-se cômico ver senadores do PT apoiando “aos berros” quem um dia o partido chamou de corrupto, despreparado, ladrão e dono da maior inflação que esse país já teve. Veio do PT e da CUT toda mobilização contra o governo atabalhoado do maranhense e não é que hoje eles nadam de braços dados em um maravilhoso e encantado casamento? E a postura do PT, ao apoiar o arquivamento das irregularidades do presidente Sarney, não deixa de revelar três situações nas quais o partido, de uma forma ou de outra, terá que enfrentar.

A primeira beira à obviedade: como apoiar a emissão de “atos secretos”, contratações sem concursos, desvios de dinheiro público e outras “amenidades ilegais”? Se a governabilidade é oriunda da organização e da sociedade porque apostar no apoio de um oligarca e seus comparsas na continuidade no poder? Qual a intenção de abrir mão de reivindicações históricas em favor de grupos que, há anos, vem se aproveitando do erário público? E, por último, e não menos importante, porque jogar no lixo lideranças que fizeram a história do partido tal como a Senadora Marina Silva? Sinceramente, tenho várias respostas, mas as perguntas se sustentam por elas mesmas e, no caso, o Partido dos Trabalhadores terá a chance de respondê-las, principalmente no ano que se aproxima, tempos difíceis de eleição e apuração da verdade e dos fatos.

A segunda situação diz respeito ao embuste do projeto político do Partido dos Trabalhadores. Acreditem: ele já existiu. Hoje, não sei mais por onde anda. As linhas de um grande projeto para o país com mudanças “jamais vistas na história” viraram falas, discursos de palanque, promessas, jogos, moedas de troca e jogos ocultos. Os mais estudiosos podem argumentar que tais coisas fazem parte da política. É provável, mas o PT em sua origem não fez pacto com elas. Aos poucos o partido avançou: lutou na década de 80 como nenhum outro partido, auxiliou na luta pelas diretas já e pelo retorno da democracia, reuniu excelentes quadros, organizou sindicatos, ganhou (via oposição) grupos importantes de trabalhadores e já no final da década de 80 e início de 90 podia se gabar de uma grande e fervorosa militância. O partido foi além, revelou os atrasos e equívocos no governo de transição, denunciou o atrelamento ao FMI, praticamente foi um dos líderes do impeachment de Collor e fez uma boa oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso. Em poucas linhas, esse era o PT que não deixou de expulsar, colocar rédeas e adequar os descontentes. Mas o que se pôde ver no dia 19 de agosto foi um outro partido, composto por “outras” pessoas e “novos” e intrincados discursos. Alguns senadores, intimidados pelos holofotes da mídia tentaram se safar na idéia do “fazer parte do governo”. A liderança, claramente abatida, asseverou que não queria mais estar naquele lugar. O partido está em crise. O projeto de outrora se resume em somente um: a permanência, continuidade no poder e a garantia dele pelo “grito”, pela força de dossiês, mentiras e alianças com históricos “inimigos” latifundiários, coronéis e amantes do conservadorismo e da ditadura militar.

Por último, é lamentável o caminho da moral do partido. Ele não pode mais querer se impor aos grandes coronéis. Não possui a moral para fazer frente aos poderosos interesses do PMDB, do PSDB e do DEM. São muitas as contradições: o Partido dos Trabalhadores (a cada dia mais parecido com o PMDB) nasceu (da união de trabalhadores e intelectuais) no intuito de fazer oposição e pesadas críticas ao ideário da democracia liberal alicerçada exclusivamente nos mecanismos duros e secos do mercado. O PT nasceu em favor dos excluídos e não deixou de expressar em livros, congressos e conferências a arrogância e a deificação do projeto elitista que perpassou a história do Brasil. Por ressonância fez oposição aos ditadores, depois fez o mesmo com as lideranças que representavam o projeto desta podre aristocracia que, historicamente, encravou raízes na política brasileira. O PT nasceu com a bandeira da mudança: o cidadão não é um consumidor, o Estado não pode ser de uso exclusivo dos que já possuem mais, é preciso gritar e lutar em favor dos que possuem menos, é necessário reformar o que não está certo e ético, o mercado não pode ser o único vitalizador da economia e a democracia não pode se transformar em tirania na pessoa de um senador, governador ou presidente. Este era o PT do passado e ele está longe daquele que se apresenta na TV, nos jornais ou na internet. Não pode ser por acaso que petistas históricos estejam deixando o partido. Talvez seja tarde para dar adeus ao PT, mas que seja cedo para que o partido reconsidere o seu projeto e reveja com sinceridade com quem está andando.