AS ASSOCIAÇÕES CRIADAS PELOS PORTUGUESES NO RIO DE JANEIRO E FUTURO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS

AS ASSOCIAÇÕES CRIADAS PELOS PORTUGUESES NO RIO DE JANEIRO E O FUTURO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS

Após a independência, em 1822, os portugueses radicados na cidade do Rio de Janeiro constatando as dificuldades existentes nos campos assistencial e filantrópico dispensados à população e, principalmente considerando a sua nova situação de estrangeiros em terras brasileiras, iniciaram um processo de criação de instituições de caráter particular que visavam atendê-los quando, vitimados por doenças ou por outras dificuldades que os podiam levar ao estado de carência, procuravam suprir tais deficiências contando para isso com o apoio de inúmeros empresários.

E foi assim que surgiu, em 10 de junho de 1880, a Sociedade de Socorros Mútuos Luiz de Camões, formada por ocasião das comemorações do tricentenário da morte do grande poeta da raça e que, no decorrer dos anos, acabou por incorporar uma série de associações voltadas para a filantropia e a mutualidade, como a Real Associação Beneficente dos Artistas Portugueses, o Centro Luso-Brasileiro Paulo Barreto, a Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos 1º, Rei de Portugal, a Sociedade Beneficente das Famílias Honestas e a Caixa Humanitária dos Pedreiros, mudando posteriormente de nome, quando passou a se denominar Sociedade Beneficente Luso-Brasileira, num exemplo de fusão associativa que soube ultrapassar as dificuldades impostas pelos novos tempos, constituindo-se num exemplo que merece ser alvo de reflexão, de interesse e de seguimento por parte de muitas outras, recebendo, mais recentemente, a atual denominação de Associação Beneficente Luso-Brasileira.

Se ainda hoje, ressaltamos a importância de entidades de caráter filantrópico como coadjuvantes do poder público na prestação do auxílio aos carentes, naquele tempo, quando não havia previdência social oficial, quando grassavam epidemias das mais sérias e quando os recursos da medicina eram muito mais limitados, o valor de tais instituições era fundamental e muitos foram os que se salvaram pelo apoio fundamental prestado por elas. A necessidade da existência de tais iniciativas de caráter particular era tão importante que quase se podia dizer que era a certeza do apoio para quem podia contar com elas ou o desamparo e até a morte a quem não as tinha, pois o Estado pouco podia fazer. No final do século XIX e início do século XX, surgiram nesta cidade diversas outras associações que buscavam dar esse apoio e promover a união entre os portugueses e seus descendentes, como por exemplo a Fraternidade dos Filhos da Luzitânia, a Associação Beneficente Memória a D. Afonso Henriques, o Centro Humanitário Mouzinho de Albuquerque, a Real Associação Beneficente Conde de Matosinhos e São Cosme do Vale, a Associação Beneficente Memória ao Almirante Saldanha da Gama, a Sociedade Protetora dos Barbeiros e Cabeleireiros, a Sociedade União Beneficente dos Cocheiros e a Sociedade Auxiliadora dos Artistas Alfaiates, entre outras. Nessa época também foram fundadas a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência e a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, a primeira atravessando atualmente grave crise financeira e administrativa e a segunda, ainda em plena atividade, constituindo-se num dos belos exemplos de filantropia portuguesa desta cidade e que, apesar das dificuldades do presente, continua a prestar inúmeros benefícios aos necessitados.

Esse processo, do qual a emigração portuguesa só tem que se orgulhar, caracterizou o povo português em todos os pontos onde os portugueses chegaram, constituindo-se num magnífico exemplo de solidariedade humana. Onde quer que os portugueses chegassem, logo se apressavam em fundar um hospital, um ambulatório ou uma casa assistencial em que pudessem oferecer o tratamento e o amparo necessários à manutenção de sua saúde, fazendo sempre questão de estender tal apoio aos naturais das terras que os acolhiam. Da mesma forma, era obrigatório o surgimento de um templo religioso, onde agradeciam a Deus pelo resultado das suas conquistas e onde promoviam a nobre função de expandir a sua religiosidade fazendo chegar a doutrina legada pelos seus antepassados a todos os povos que os recebiam, contribuindo decididamente para a expansão do cristianismo no mundo. Também nunca deixavam de fundar uma associação recreativa, sempre voltada para o culto das suas origens e tradições folclóricas, onde amainavam o seu cansaço após uma semana de trabalho, matavam as saudades da sua terra longínqua e conviviam com os amigos e os seus conterrâneos. E foi assim, que foram surgindo, por este mundo afora, mais de 3.000 associações de origem portuguesa que são, sem sombra de dúvida, a razão mais forte da nossa presença em todos os continentes e uma das ações mais importantes na apreciação do processo de difusão da língua portuguesa no mundo.

Nos dias em que vivemos, deparamo-nos com novo e empolgante desafio: é que em grande parte dos países que acolheram as nossas comunidades emigrantes, essa emigração cessou, fazendo-nos examinar com grande preocupação, como manter essas associações, como preservar o patrimônio que possuem, como conseguir quadros dirigentes para as conduzirem e fazerem preservar os seus nobres objetivos, tudo para manter a nossa presença e a nossa cultura vivas no estrangeiro, pois em muitos países a ação das entidades de raiz portuguesa acabam por desenvolver relacionamentos e estimular contatos informais, a nível internacional, com maior desenvoltura que os próprios instrumentos governamentais existentes entre esses países, proporcionando um auxílio fundamental e indispensável à ação das chancelarias. A nossa maior esperança deposita-se exatamente na figura dos luso-descendentes que em número cada vez maior vêm participando dos quadros dirigentes dessas associações, constituindo-se numa força crescente e a garantia da nossa presença nos países de acolhimento. Quero aproveitar esta oportunidade para lançar um apelo aos nossos descendentes para que, dentro das suas possibilidades, dediquem algum tempo à preservação dessas entidades que foram construídas com muito amor, muito empenho e muita dedicação pelos seus antepassados e que merecem, desses jovens, o respeito e a dedicação às suas origens.

A minha experiência junto às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, obtida durante o mandato parlamentar que tive a honra de ocupar na Assembléia da República Portuguesa nesta última legislatura, quando tive a oportunidade de visitar núcleos portugueses nos locais mais longínquos, veio me proporcionar um conhecimento adicional que fez aumentar o meu orgulho como cidadão e como português, por tudo o que nós, portugueses, temos sido capazes de criar, ao constituirmos uma admirável malha associativa, além de formarmos um patrimônio cultural, arquitetônico, social e filantrópico, sem comparações, realização que só se tornou possível graças à coragem, à determinação e ao universalismo do nosso povo, que, em todos os quadrantes, soube se integrar, independentemente da raça, do credo ou da cultura dos povos que o acolheu. Nenhum povo conseguiu se integrar com tanta facilidade e adaptar-se à cultura de outros povos como o português, constituindo-se num exemplo de humanismo e globalização que só agora, séculos mais tarde, está a ser reconhecido cientificamente pela comunidade internacional.

Eduardo Neves Moreira

Presidente do Elos Clube do Rio de Janeiro

Vice-Presidente da Academia Luso-Brasileira de Letras

Eduardo Neves Moreira
Enviado por Eduardo Neves Moreira em 16/06/2006
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