Medo de ser feliz

Certa vez ouvi de um amigo, numa conversa descontraída, depois de um bom tempo afastados, que a gente não se casa com quem amamos intensamente, com aquela pessoa por quem nutrimos uma grande paixão.Isso ele me disse num tom de nostalgia, quase de lamento.Estávamos ali a falar do passado em comum que tivemos e fizemos a viagem àquele tempo e depois fomos nos avizinhando do presente, sem pressa, como se quiséssemos sorver as lembranças, revivê-las, buscando a emoção contida em cada uma.Então falamos um pouco da nossa vida afetiva.Ele, do casamento às pressas, em consequência de uma gravidez inesperada, eu, do meu namoro na época.Cada um de nós falava dos prós e contras de conviver com alguém tão diferente nos pensamentos, nos objetivos, na sensibilidade.Em sua nostalgia, percebi que não estava feliz e que defendia seu argumento de forma precária, uma vez que ao abrir mão da paixão que vivera para fazer um casamento baseado na praticidade e em outros sentimentos, estava ali refém das lembranças, com o olhar sem brilho, tão diferente do homem de anos atrás que era extremamente sedutor e passional.

Ficamos umas cinco horas numa conversa franca e intimista.Eu também estava saudosa de viver algo mais intenso, pois também andava insatisfeita com o meu relacionamento.O medo de ficar só, naquela ocasião, me levava a aceitar a primeira carícia, o primeiro convite a estar junto.Naquele tempo ainda não sabia das idiossincrasias da alma, não perscrutara ainda a extensão dos meus desejos.

Hoje, ao observar mais atentamente os casais com quem convivo, ou ouvir as insatisfações de ordem afetiva, me vem à mente essa conversa de tempos atrás .E uma frase, dita em tom professoral pelo meu amigo, resume toda a sua filosofia amorosa da época: A gente morre de medo de ser feliz.A felicidade nos coloca numa posição acima dos demais.Ser feliz no amor nos confere superpoderes, nos isola da maioria.E isso assusta.

Estou tentando aqui traduzir o que o meu amigo quis dizer.Não me recordo de todas as palavras exatamente, mas acho que o sentido é esse.

Tempos atrás, mais ouvi do que falei.Tentei respeitar o desabafo da pessoa querida que tinha à minha frente, sequiosa de falar, de se reencontrar.Acho que até cheguei a discordar um pouco do seu pensamento em relação à felicidade.Como tinha em minha índole um pouco de Pollyana e me pegava sempre jogando "o jogo do contente", pensei que o meu amigo estava descrente demais, melancólico em demasia."Como alguém pode ter medo se ser feliz?" Pensei enquanto o ouvia sem contudo contradizê-lo.

Tanto tempo depois, estou aqui a lembrar dessa conversa.E pelas experiências vividas, pelas observações apreendidas, dou a minha mão à palmatória.Viver o amor em sua plenitude apavora.O que fazer depois que a relação acabar? Como continuar vivendo sem aquela sensação de felicidade total, de cumplicidade maravilhosa?E dentro da neurose humana, a gente vai se acostumando com o mais ou menos, vai aceitando as incongruências, as desavenças, o ocaso da atenção, a ausência dos afagos , achando que é normal sentir tudo na base do mais ou menos.Até que,de repente, as lembranças do passado surgem para confirmar que se algo muito bom foi vivido lá atrás e ficou indelével é porque sempre existe a possibilidade de descobrir em nós mesmos uma energia renovada, prontinha a ser aplicada na construção de um novo amor, apesar do medo, apesar da dúvida, apesar de tudo.Se o medo de ser feliz pode ser verdadeiro, o medo de não amar, de não ser amado, seja em que medida for, é ainda mais assustador.

Conclusão? Como sempre, nenhuma.Faço apenas divagações que me ocorrem assim de repente, quando ouço meu coração falar.E como ele é tagarela!
amarilia
Enviado por amarilia em 29/08/2009
Reeditado em 11/08/2013
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