MARCOS E PADRÕES HISTÓRICOS DOS DESCOBRIMENTOS

Sérgio Martins PANDOLFO*

“Eu, Diogo Cão, navegador, deixei

Este padrão ao pé do areal moreno

E para diante naveguei”

Fernando Pessoa, Mar Português (Padrão)

Com o propósito ou a intenção declarada de salvar as almas dos infiéis das novas terras conquistadas ou descobertas, os portugueses lançaram-se ao “mar oceano” com suas naus e caravelas, “cruzadas”, isto é, com a cruz vermelha da Ordem dos Cavaleiros de Cristo (ordem militar que em Portugal sucedeu a dos Templários e ajudou a financiar as primeiras viagens) estampada nas velas e nas vestes.

Destarte, os territórios que iam sendo “achados“ eram demarcados e adonados por meio de marcos ou padrões, política essa iniciada já com o navegador Diogo Cão, em 1482. Esses marcos assaz significativos e explícitos podiam ser constituídos, a princípio, por uma cruz de madeira do local, como é exemplo a que plantaram na “aguada” de São Braz (atual Mossel Bay, África do Sul), logo de dobrarem o Cabo da Boa Esperança e, no Brasil, aquando da chegada da esquadra de Cabral ao “porto seguro” de que nos fala Caminha em sua “carta” a el-rei D.Manuel I, o Venturoso, num ilhéu de águas claras e calmas, atual ilhéu da Coroa Vermelha, no litoral baiano, em larga e aconchegante baía, batizada, atualmente, de Baía Cabrália, em honor de seu intrépido conquistador; lá o comandante Pedr’Álvares mandou erigir enorme cruz, para que melhor pudesse ser avistada, confeccionada em pau-brasil, madeira nobre e cobiçada, ali abundante, e que viria dar nome definitivo ao novo território achado, adornando-a com as armas e divisas de Portugal. Ao pé desse cruzeiro, em improvisado altar, foi rezada a primeira missa em terras brasílicas, pelo frei Henrique de Coimbra, ainda consoante a Carta de Caminha.

Na Coroa Vermelha, que hoje abriga uma reserva indígena Pataxó, os nativos ergueram uma réplica da cruz cabralina, em pau-brasil, no ponto mesmo em que, segundo suas tradições ancestrais, deu-se a primeira celebração da Eucaristia. Esses marcos, rústicos e temporários, eram posteriormente trocados por peças graníticas ou marmóreas, incrustadas com o brasão do reino lusitano e a cruz de Cristo sobreposta, ditos padrões, padrões esses que eram levados nas embarcações lusas das “carreiras” transoceânicas e assentados em locais estratégicos e de fácil visibilidade, a fim de garantir a posse das novas terras e a afirmar a soberania portuguesa no local onde eram depostos. A política dos padrões foi iniciada pelo navegador Diogo Cão, em 1482.

Assim é que já em 1501 Portugal enviou a primeira expedição de reconhecimento a estas bandas, sob o comando de Gaspar de Lemos e da qual participou Américo Vespúcio, que alcançou a costa do Rio Grande do Norte a 17 de julho, à altura do Cabo de São Roque, sendo ali chantado o marco de posse mais antigo do País, no ponto correspondente hoje à cidade de Touros, distante 83 km de Natal, marco quinhentista em tudo semelhante ao padrão encontrado em Cananéia (SP). A peça, considerada pelos habitantes como uma pedra milagrosa, e que por esse motivo lhes retirava pedaços para fazer chá, foi transladada para o Forte dos Reis Magos, na capital potiguar, protegida em sala adequada para tal, uma réplica tendo sido instalada na Praia dos Marcos, em Touros. Trata-se, o original, de uma coluna retangular de 1,32 m de comprimento, em pedra lioz (mármore de Lisboa), que ostenta em relevo, em uma das faces, as armas do rei de Portugal, encimadas pela cruz da Ordem de Cristo, sem ornatos nem legenda.

Só na segunda expedição de reconhecimento, enviada em 1503 sob as ordens de Gonçalo Coelho, de que também participou Américo Vespúcio, trouxeram o oficial Marco de Posse do nosso achamento, talhado em pedra marmórea, com 2,5 m de alto, contendo as insígnias do reino e a cruz da Ordem entalhadas em alto relevo. Esse marco, sem ponta de dúvida o mais importante de todos, por simbolizar oficialmente o domínio das novas terras por Portugal, esteve “perdido” por muitos anos e encontra-se, atualmente, no Centro Histórico de Porto Seguro, cidade que é, por si só, um símbolo vivo de nosso descobrimento, assim que conserva na “cidade alta” construções erguidas desde os primevos tempos após 1500. De seu, belvedere natural, é bom de ver, descortina-se extasiante vista panorâmica desse hoje fervilhante polo turístico.

O Marco da Posse foi aí reassentado, sobre baixo pedestal, após passar por delicado processo de revivificação e restauro, protegido por envoltório transparente e cercadura quadrangular formada por correntes, sustentadas por hastes tubulares de ferro nos ângulos, que o deixa exposto à visão, mas o defende da ação danosa de vândalos. A inauguração do marco nesse sítio deu-se no dia 22 de abril de 2000, como parte das comemorações dos 500 anos do descobrimento do País, em cerimônia solene e simbólica, à qual estiveram presentes os presidentes de Brasil e Portugal, autoridades constituídas e pessoas ligadas ao fato histórico (índios, v.g), de cujo ato se fez afixar, às proximidades, placa alusiva.Tanto o marco, ou padrão, de Touros, como o de Cananeia e, nomeadamente, o de Porto Seguro, são peças históricas preciosas, protegidas hoje por tombamento, que devemos prezar, conservar e deles nos orgulhar, eis que marcas de nossas origens.

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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 04/09/2009
Reeditado em 25/02/2011
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