A importância de dar importância

==> Escrito em dezembro de 2006, quando eu sabia menos ainda do que sei hoje, esse é um dos meus primeiros textos acadêmicos. Como eu não tinha noção nenhuma de como escrever um texto cietífico, ficou sem as devidas referências bibliográficas (hoje só sei dizer que é do livro Boniteza de um Sonho, de Moacir Gadotti), mas ficou bonitinho, sonhador, quase ingênuo...

A IMPORTÂNCIA DE DAR IMPORTÂNCIA

“... pois se não estiver acreditando (o professor), se não estiver vendo sentido naquilo, como poderá provocar no aluno desejo de aprender?” (Vasconcellos, apud Gadotti).

O que pensam os nossos alunos quando se deparam com cálculos para descobrir seno, co-seno e tangente em Trigonometria? Ou quando aprendem sobre a crase e têm que decorar a imensa lista de exceções quanto ao seu uso? Invariavelmente, eles dizem: “pra que eu vou usar isso?”. Certamente todos nós, alunos, já nos fizemos esta mesma pergunta. Quantas vezes dissemos que o que tínhamos que estudar era inútil porque nunca precisaríamos daquilo nas nossas vidas? Que aquilo não teria utilidade alguma na prática? Muitas vezes. E muitas vezes dissemos isto diretamente aos nossos professores. Frases do tipo: “sora, pra que que serve isso?” ou “não sei pra que aprender isso se eu nunca vou usar” eram extremamente comuns na minha turma quando cursava o Ensino Médio. Mas o que acontece quando quem pensa dessa forma é o próprio professor?

É comum que o aluno pense que determinados conteúdos não servem para nada. É natural ele querer saber o porquê de ter que decorar números, regras, datas, sendo que, segundo seu ponto de vista, estas coisas não lhe serão úteis no mundo fora da escola. Cabe ao professor esclarecer-lhe estas dúvidas, mostrar-lhe a utilidade de tudo o que está aprendendo para convencê-lo de que estudar não é perda de tempo. O grande problema está em quando o próprio professor ainda não está convencido disto e fica sem resposta diante de tais questionamentos.

Lembro-me que de uma professora de Física que era, freqüentemente, desafiada por meus colegas a responder-lhes as perguntas sem ter de olhar no “livro do professor” (aquele que já vem com todas as respostas). Logicamente, eles faziam disso uma brincadeira, pois ela nunca sabia responder convincentemente sem a ajuda do livro. Mas, se, naquela época, eu achava engraçado, agora vejo que, antes de ser engraçado, é triste. Ora, o que faz uma pessoa que sequer sabe sobre o que está ensinando continuar ensinando? Salário? Estabilidade? Férias prolongadas? É este tipo de professor que faz com que os alunos sequer imaginem pra que serve aquilo que estão aprendendo e que se perguntem por que têm que ir para a escola aprender coisas que nunca vão usar. Penso que professores assim não são professores, não ensinam nada aos alunos, apenas enchem o quadro com o conteúdo do currículo, à primeira vista ininteligível (e que, por falta de habilidade, ou mesmo de vontade por parte do professor, permanecem ininteligíveis), cumprem seu horário e vão pra casa. Não se preocupam se o aluno está realmente aprendendo e avaliam seu desempenho apenas por suas notas que, na maioria das vezes, são falsas, conseguidas não pela capacidade do aluno em solucionar os problemas da Física, mas sim pela sua habilidade em trocar idéias com os colegas sem que o professor perceba.

Por outro lado, me lembro também de um professor que tive, que nos ensinava Matemática. Sim, ele nos ensinava Matemática. Antes que qualquer de seus alunos levantasse o braço para perguntar sobre a utilidade do conteúdo em questão, lá estava ele, já nos informando que, com uma equação do 1º grau, podíamos, entre inúmeras coisas, calcular o preço de uma corrida de táxi. E que calcular a tangente de um ângulo era extremamente necessário se quiséssemos medir a altura de um prédio sem ter que jogar uma fita métrica lá de cima. E assim era, a cada conteúdo. Ele nunca nos permitiu sequer pensar que a disciplina que lecionava fosse inútil. Sempre nos mostrou a utilidade prática de cada conteúdo. Suas aulas prendiam totalmente a atenção dos alunos, até mesmo daqueles que vieram a ingressar no curso de Letras.

Esta é a diferença. É isto que faz com que alunos amem ou odeiem estudar. Um bom professor pode fazer de uma aula de química a melhor de todas, assim como um mau professor pode fazer com que a aula de educação física seja a mais entediante. Podemos dizer que o entusiasmo do aluno em aprender é diretamente proporcional ao entusiasmo do professor em ensinar. E o que determina esse entusiasmo é a maneira com a qual ele enxerga seu ofício, se como um dever, ou como um prazer. Segundo Moacir Gadotti, em seu livro Boniteza de um Sonho, “... um dos segredos do chamado ‘bom professor’ é trabalhar com prazer, gostando do que faz. A gente faz sempre bem o que gosta de fazer. Só é bem sucedido aquele ou aquela que faz o que gosta”. Daí a importância de dar importância. Somente quando o professor valorizar seu próprio trabalho é que poderá fazer dele um prazer.

Que conhecimento um aluno pode absorver de um professor que admite que o está transmitindo não é importante? Eu mesma, em lampejos de desânimo frente ao cotidiano, flagro-me pensando em qual seria a importância de saber se uma palavra é trissílaba ou polissílaba. O que traria de bom para a vida dos meus futuros alunos o fato de saberem a diferença entre ditongo e hiato, se isto não altera nem mesmo o significado das palavras que os contêm? Mas, frente a estes pensamentos, trato de fazer-me entender que, se eu não der o devido respeito a coisas que julgo serem menos importantes, como poderei mostrar a eles que conjugar corretamente os verbos é essencial?

É extremamente importante que o professor goste de fazer o que faz, de ensinar o que ensina. É crucial que ele dê importância ao seu trabalho, que veja nele um sentido. É bom que pense que o mundo não poderia existir sem ele. (O que seria do mundo se nunca tivessem classificado os encontros consonantais em ditongos ou hiatos? O que seria das palavras se não pudéssemos classificá-las de acordo com sua quantidade de sílabas?).

A habilidade do professor em mostrar ao aluno a necessidade de aprender, sem que este perceba que aprender é uma necessidade, é o segredo para tornar uma aula agradável. A partir do momento que o professor entende a grande importância daquilo que está fazendo, ele passa a fazê-lo cada vez melhor, e conteúdos tidos como difíceis, como trigonometria ou análise sintática, tornam-se fáceis, pois a satisfação que o professor sente ao transmiti-los dá a ele a criatividade necessária para tornar suas aulas interessantes e prazerosas.

Penso que seja este o caminho para conquistar a atenção dos alunos. Mostrar a eles que nenhum conteúdo é desnecessário. Ensinar de um modo que eles aprendam sem se darem conta disso. Fazer com que eles gostem das minhas aulas, que vejam no aprender o mesmo sentido que verei no ensinar.

Meus futuros alunos não precisarão me desafiar com perguntas espertinhas para testar meu conhecimento a respeito do meu trabalho, porque o prazer em desempenhá-lo me dará plena confiança para com eles. E vão entender tudo sobre o uso correto da crase sem que tenham que decorar nenhuma lista de exceções.

Natália Cristina de Almeida Souza
Enviado por Natália Cristina de Almeida Souza em 05/09/2009
Reeditado em 12/09/2009
Código do texto: T1793295
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