Renato Russo - O poeta

Por Enquanto

Renato Russo

Mudaram as estações e nada mudou

Mas eu sei que alguma coisa aconteceu

Esta tudo assim tão diferente.

Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar

Que tudo era pra sempre

Sem saber

Que o pra sempre

Sempre acaba?

Mas nada vai conseguir mudar o que ficou

Quando penso em alguém

Só penso em você

E aí então estamos bem.

Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está

E nem desistir, nem tentar

Agora tanto faz

Estamos indo de volta pra casa.

Ídolo e guru de uma geração inteira, Renato Russo, líder e vocalista da banda Legião Urbana, legou à MPB, em especial ao Rock nacional, algumas das mais belas páginas musicais do século XX. Sendo o Brasil o único país em que os estudos literários incluem também as letras de música, de acordo com o crítico e professor Ítalo Moriconi, acho muito justo e certo falar em páginas lítero-musicais.

Renato Russo se inscreve assim em uma lista de grandes compositores cujas letras são verdadeiras pérolas de nossa música e literatura, uma vez que podem ser lidas apenas como poesias. Estaria assim ao lado de nomes como Chico Buarque, Peninha, Toquinho, Vinícius de Moraes (que aliás começou como poeta), Milton Nascimento, Djavan e mais recentemente Jorge Vercilo. Aliás torno aqui pública minha opinião de que Renato Russo representa para os anos 80 e 90 o que Chico Buarque representa para os 60 e 70.

Mas retornemos à letra que encabeça nosso texto.

Já a partir do título percebe-se a intenção de lidar com o tempo e as mudanças. O título aponta para algo que está em mudança, que por enquanto pode ser vista e apreciada mas que a qualquer momento irá se consumir e terminar.

A mudança das estações aparentemente traz uma incoerência, já que ele afirma que nada mudou. Porém, se observarmos com mais cautela perceberemos que de fato a única coisa que não se altera é a mudança de algo, sua transformação. A mudança é por excelência a única constância da vida. Se nada mudou como pode estar tudo tão diferente? As alterações não teria se dado no exterior, mas no íntimo do eu lírico, que passa então a ver o mundo de maneira diversa. Seu processo de crescimento e as alterações interiores provenientes dele causam a sensação de estranheza diante da realidade outrora conhecida.

Aos poucos o eu lírico vai se revelando. A própria menção indicada pelos vocábulos lembra, um dia, era nos aponta para a idéia de um tempo anterior ao do poema. Ele se recorda de uma época de imaturidade, em que o tempo parecia eterno. Se nós nos recordarmos das epopéias homéricas, perceberemos que esta idéia é freqüente na literatura. Ulisses, por exemplo, não parece envelhecer um só dia quando retorna a Ítaca, embora tenham se passado mais de 20 anos desde que partira para lutar em Tróia.

Voltando ao texto em questão, me ocorre que pode ser uma referência à infância. Aliás, a infância é uma constante em toda a produção poética mundial. Trata-se de um tempo antes do tempo, no qual este não passa, não transcorre na mesma velocidade do tempo da vida adulta. A infância é sempre a época em que se foi plenamente feliz, pois temos a tendência a idealizá-la. Em próximas oportunidades escreverei sobre o papel da infância na literatura.

O crescimento do eu lírico é mostrado com a conscientização de tudo acaba, até mesmo o pra sempre, ou seja, o tempo presente. E o que não é alterado pelo tempo? São as lembranças, o passado aquilo que fica. É no passado que o eu lírico busca seu refúgio e felicidade, pois é quando ele pensa nesse outro denominado “você” que ele está bem. Mas atenção: ele só está bem com esse outro do passado, não há nada que indique que o presente lhe traz a felicidade que busca em suas lembranças.

O eu lírico demonstra a aceitação de sua maturidade ao indicar-se como um elemento de ou em mudança. O verso Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, aponta a possibilidade de que ele não se tornará um ente estagnado. Ele percebe que não tem como impedir que as coisas a seu redor se modifiquem, ele pode resistir ao tempo ou segui-lo, o resultado é o mesmo.

Estamos todos indo de volta pra casa. Todos caminham para o futuro e se tornam passado.

Casa é segurança. Segurança é constância. E constante é a mudança.

Glaucio Cardoso
Enviado por Glaucio Cardoso em 22/06/2006
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