EXAME SUBSIDIARIO OFTALMOLOGICO FORENSE
1.16.5 EXAME SUBSIDIARIO OFTALMOLOGICO
EXAME SUBSIDIÁRIO OFTALMOLÓGICO
EM PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
Dra . Luiza Cristina de Sousa Pinheiro
1.16.5. 1 – INTRODUÇÃO
Porquanto não seja reconhecida como subespecialidade da Medicina Legal, a Oftalmologia, no âmbito do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (IMLAP) e da Traumatologia Forense, exerce papel importante no esclarecimento de casos de lesão corporal, envolvendo globo ocular e seus anexos. Além de conhecimento profundo desta especialidade, o exame subsidiário oftalmológico exige conhecimento das técnicas de manipulação dos equipamentos oftalmológicos, sendo impraticável sua execução por médico não especialista. Quando a conclusão de um Auto de Exame de Corpo de Delito (AECD) depende de avaliação oftalmológica, dados como função visual, nexo causal, quantificação do déficit e prognóstico, devem ser fornecidos pelo Setor de Oftalmologia do IMLAP. Sua participação é significativa na caracterização e classificação das lesões corporais, e no andamento jurídico de questões relacionadas. Um agente agressor pode ser responsabilizado por lesão corporal leve ou, por lesão corporal gravíssima, se da agressão resultar, por exemplo, perda da função visual. Recursos materiais, conhecimento técnico-científico e muito critério devem ser investidos, no sentido de evitar as conseqüências de uma avaliação desqualificada.
Baseado no funcionamento do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (IMLAP), nas conclusões dos Laudos elaborados no Setor de Oftalmologia, e na observação dos dados levantados, é possível avaliação das limitações do Setor, diante da precariedade de equipamentos disponíveis. A oftalmologia é uma especialidade médica dependente de tecnologia e equipamentos, principalmente pelas proporções das estruturas a serem examinadas. Parte significativa dos diagnósticos em oftalmologia, só podem ser firmados através de exame realizado com auxílio de aparelhos sofisticados; estruturas oculares de tamanho reduzido e localização particular tais como retina e nervo óptico, só podem ser visualizadas através de instrumentos ampliadores de imagem e portadores de fonte própria de iluminação especial. No entanto, o Setor de Oftalmologia do IMLAP não dispõe de sistema informatizado, e conta somente com um aparelho de Lâmpada de Fenda, de modelo ultrapassado, além de um refrator e um oftalmoscópio direto em más condições. No desempenho de atividade de tamanha responsabilidade, em virtude de tais limitações, por vezes, deixamos de esclarecer à Justiça, as questões propostas. O resultado desta lacuna é prejuízo material e pessoal, à Justiça e às pessoas que dela dependem.
1.16.5.2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta abordagem é importante ressaltar, que grande parte das observações e considerações feitas, principalmente quanto ao exame subsidiário oftalmológico, foram baseadas em aprendizado prático durante Curso de Formação de Perito Legista (IMLAP, 2001), além de experiência pessoal no exercício de tal função. A pesquisa bibliográfica exaustiva evidenciou escassez de publicações relacionadas às questões médicos legais em oftalmologia. Quanto ao exame oftalmológico com fins médico-legais, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, só é realizado no Setor de Oftalmologia do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto – Sede, origem deste trabalho.
. 1.16.5.3 Perícia Médico-Legal
Um conceito mais abrangente e consistente para esta matéria, adotado por inúmeros autores (FÁVERO, 1980; FRANÇA,1995; GOMES, 1987), é que a Medicina Legal é a ciência que aplica conhecimentos médicos, aos interesses do Direito e à fiscalização do exercício médico-profissional.
Trata-se de uma ciência pluricurricular. Cada área do conhecimento humano que receba enfoque médico-jurídico, passa para os domínios da Medicina Legal. Uma fratura é assunto de ortopedista até que implique matéria jurídica, e então se desloca para o campo da traumatologia médico legal. Um óbito pode ser atestado por clínico se for de causa natural, mas se a morte for suspeita ou violenta, há de ser analisada pelo Serviço Médico Legal. (MARANHÃO, 2002).
Uma perícia médico-legal é todo exame realizado em seres humanos, por requisição de autoridade competente, com a finalidade de obter prova material para esclarecer fatos ou evidenciar estado ou situação de interesse da Justiça, que dependam do conhecimento médico. Portanto, seu objetivo principal é perpetuar a materialidade do delito ou corpo de delito, que pode ser entendido como o conjunto de vestígios deixados pelo ato ilícito, por vezes de permanência fugaz. (BLANCO, 2000)
A Perícia Médico-legal é feita em mortos (Exame Cadavérico ou Necropsia) ou em vivos (Exame de Corpo de Delito). Na dependência do fato a ser esclarecido, o exame de corpo de delito descreve, de maneira detalhada, as lesões encontradas, e responde a quesitos específicos e pré-estabelecidos, tais como Lesão Corporal, Conjunção Carnal, Embriaguez, Atentado ao Pudor...
Em determinadas situações, o perito legista deve analisar lesões ou alterações especiais, de área específica de conhecimento médico. Nestes casos, são realizados exames subsidiários, por peritos legistas especialistas em oftalmologia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria, odontologia, radiologia... Estes laudos darão subsídios para resposta aos quesitos relacionados e elaboração do Auto de Exame de Corpo de Delito, documento médico-legal que será encaminhado à Autoridade solicitante, constituindo-se então, em parte integrante do procedimento judicial em questão.
2.2- Classificação Jurídica da Lesão Corporal
Os quesitos a serem respondidos e constantes nos Autos de Exame de Corpo de Delito motivados por Lesão Corporal, no IMLAP - RJ são:
1º Se há ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente?
2º Qual instrumento ou meio que produziu a ofensa?
3º Se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou por outro meio insidioso ou cruel?
4º Se resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias?
5º Se resultou perigo de vida?
6º Se resultou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?
7º Se resultou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável ou deformidade permanente?
Embora a verificação de uma equimose palpebral possa ser feita ao exame macroscópico, a avaliação da extensão das lesões intra-oculares e das repercussões funcionais, só pode ser realizada por perito especializado, que após exame oftalmológico detalhado, fornecerá elementos para resposta aos quesitos anteriormente discriminados. Note estreita relação entre os quesitos do Auto de Exame de Corpo de Delito e a classificação jurídica da lesão corporal, com base no Art. 129 do Código Penal, em parte transcrito abaixo, seguido de alguns comentários:
Lesão Corporal (implicitamente lesão corporal de natureza leve)
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de 3(três) meses a 1(um) ano.
Lesão corporal de natureza grave.
§ 1º. Se resulta:
I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30(trinta) dias;
(A incapacidade de que fala a lei não é para o trabalho, e sim, para as ocupações habituais – Depende de resposta ao 4º quesito)
II – Perigo de vida;
(O perigo de vida não resulta só da natureza e sede das lesões. Decorre, isto sim, da probabilidade da morte, em razão do processo patológico derivado das lesões – Depende de resposta ao 5º quesito)
III – Debilidade permanente de membro, sentido ou função;
(Debilidade permanente significa uma redução da capacidade funcional de caráter duradouro. Permanente não significa perpetuidade. Ainda que a redução na capacidade funcional se atenue, com o uso de aparelhos de prótese, a gravidade da lesão não é eliminada. Aqui se enquadra a perda de um dos órgãos, se duplos, tais como rins, olhos, pulmões... – Depende de resposta ao 6º quesito)
IV – Aceleração de parto;
Pena – reclusão, de 1(um) a 5(cinco) anos.
§ 2º. Se resulta: (implicitamente lesão corporal de natureza gravíssima)
I – Incapacidade permanente para o trabalho;
(Refere-se a trabalho em geral, sem considerar a atividade específica do ofendido – Depende de resposta ao 7º quesito)
II – Enfermidade incurável;
(Neste caso não é necessário que a enfermidade seja realmente incurável; basta o prognóstico pericial para a caracterização da circunstância agravante. Não estará o ofendido obrigado a submeter-se a intervenções cirúrgicas arriscadas, numa tentativa de debelar o mal – Depende de resposta ao 7º quesito)
III – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
(A perda de ambos os órgãos, se duplo ou geminado como o são os olhos, pulmões e rins, é uma das situações que configuram o agravante em questão; a cegueira bilateral está caracterizada como perda da função visual – Depende de resposta ao 6º quesito)
IV – deformidade permanente. (Depende de resposta ao 7º quesito)
(É aquela irreparável. A deformidade não se descaracteriza com o uso de artifícios tais como, olho de vidro, cabelos postiços ou barba, nem com a possibilidade de ser minorada, por cirurgia plástica).
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. (BRASIL, 2001b)
1.16.5.4 Exame Subsidiário Oftalmológico
O aparelho visual é constituído, basicamente, pelos globos oculares, vias ópticas e centros da visão, localizados no lobo occipital. O globo ocular é um órgão esférico, alojado na porção anterior da órbita. Sua camada mais externa é formada pela córnea (porção anterior transparente) e esclera. Localizando-se interiormente a esta camada, o trato uveal representa a camada vascular do globo, e está dividida em íris, corpo ciliar e coróide. A retina, camada mais interna do globo, está constituída de camadas de fibras nervosas que se reúnem, formando o nervo óptico, e se dirigem ao cérebro. O espaço interno do globo ocular é dividido em câmaras anterior e posterior, preenchidas por humor aquoso e humor vítreo, respectivamente. O cristalino é uma lente poderosa, situada entre as câmaras anterior e posterior, responsável por grande parte do poder óptico do olho. Como anexos, intimamente relacionadas à função visual, estão a órbita, as pálpebras, a conjuntiva, os músculos extra-oculares e o aparelho lacrimal. (HOLANDA DE FREITAS, 1990).
Estudos Americanos mostram que o trauma é a segunda maior causa de cegueira unilateral nos Estados Unidos, tendo como agentes mais comuns, com incidência variada nas diversas faixas etárias, acidentes domésticos e atividades de lazer, acidentes automobilísticos, traumatismos ocupacionais e violência. (AMERICAN ACADEMY OF OPHTALMOLOGY, 1990).
Silver, Souza e Tongu (2002), observaram atuação relevante do novo Código Nacional de Trânsito Brasileiro, na redução dos casos de lesão ocular penetrante, conseqüente a acidente automobilístico. Tal redução está relacionada, principalmente, ao uso mais freqüente do cinto de segurança.
As lesões oftalmológicas decorrentes de ação externa e/ou trauma podem ser classificadas em fechadas (contusas) ou abertas (penetrantes). As lesões fechadas ocorrem por ação de instrumento rombo sobre a região orbitária (trauma direto), ou por efeito de trauma a distancia (indireto), causando desaceleração abrupta e choque do globo ocular contra a parede orbitária. O agente determinante da lesão pode ser químico ou mecânico, e interessar a diferentes níveis do aparelho visual, tais como, segmento anterior ou posterior de globo ocular, vias ópticas, musculatura extra-ocular, órbitas... (PAVAN-LANGSTON, 1988; YAMANE, 2003).
O acometimento funcional do aparelho visual pode ser temporário, como no blefarohematoma, ou permanente, como na laceração da região central da córnea. Neste caso, a cicatriz resultante reduzirá, em maior ou menor grau, a acuidade visual deste olho; trata-se de debilidade permanente da função visual, apesar da possibilidade de recuperação visual a partir da realização de um transplante de córnea. Assim também, a Catarata traumática é caracterizada como lesão permanente, apesar de ser possível o restabelecimento da função visual através de procedimento cirúrgico complexo. Note-se que a vítima de uma lesão corporal não está obrigada a se submeter a procedimento cirúrgico para ter sua integridade corporal ou saúde restabelecida.
Na estrutura do IMLAP, são realizadas perícias em casos que envolvem apuração de ato ilícito, sendo prevalentes, as lesões decorrentes de agressão física, acidentes automobilísticos, uso de produtos químicos, alem daquelas decorrentes de procedimento médico-cirúrgico, quando estes implicam em ação de responsabilidade criminal. Quando tais lesões envolvem o globo ocular e seus anexos, é imperativo o exame subsidiário oftalmológico, Dentre as lesões encontradas, podemos citar: edema e equimose palpebral, fratura orbitária, hemorragia subconjuntival, lacerações de pálpebras, conjuntiva, esclera e/ou córnea, queimaduras, ceratite e ceratoconjuntivite, luxação e subluxação de cristalino, catarata traumática, iridodiálise, iridociclite traumática, hifema, endoftalmite, hemorragia vítrea e retiniana, rotura e descolamento de retina, laceração de coróide, lesão de nervo óptico, transtornos funcionais e mecânicos da musculatura extrínseca, ptose palpebral, atrofia de globo ocular, déficit visual de origem central por traumatismo crânio-encefálico...
Todas estas alterações são analisadas, não bastando somente, a sua simples verificação. A existência de nexo de causalidade ou seja, relação de causa e efeito entre o agente lesivo e a lesão, deve ser cuidadosamente analisada. É necessário afirmar ou negar por exemplo, que a atrofia de nervo óptico da qual é portador uma vítima de agressão, tenha origem traumática. Com o exame oftalmológico detalhado e análise de informações médicas relacionadas, pode-se evidenciar quadro clínico característico de glaucoma crônico em fase avançada, responsável por tal alteração. Neste caso, apesar da existência de um evento traumático acometendo o olho em questão, e de uma debilidade da função visual supostamente relacionada, o nexo de causalidade deve ser negado, e a lesão corporal não será classificada como grave. O fator temporal tem participação importante no estabelecimento do nexo de causalidade. A iridociclite comumente tem etiologia traumática mas, não podemos relacionar um quadro, onde já se observa sinéquia posterior extensa com seclusão pupilar, a suposto evento traumático, ocorrido dois dias antes. Tais alterações são características de reação inflamatória por período de tempo significativo. Também neste caso, o nexo de causalidade será negado. Em caso de verificação de déficit visual com nexo de causalidade com o evento alegado, segue-se a avaliação do prognóstico de tal déficit. Algumas lesões são irreversíveis e o déficit visual conseqüente é sabidamente definitivo, ou seja, a debilidade ou perda da função visual é permanente. Tais lesões serão classificadas, juridicamente em Lesão Corporal Grave (Debilidade) ou Lesão Corporal Gravíssima (Perda da Função Visual). Outros déficits, por sua possível reversibilidade, necessitam acompanhamento e reavaliação posterior, para determinação ou não do seu caráter permanente.
Para fins práticos, entenda-se, por debilidade da função visual, qualquer prejuízo a função de um olho, inclusive sua perda total, ou déficit em ambos os olhos, menor que 75%, no olho com melhor visão; perda da função visual é caracterizada quando, há perda de 75% ou mais de acuidade visual, ou campo visual igual ou menor que 10° centrais, em ambos os olhos. Tais valores, apesar de não aceitos de forma unânime, são utilizados por muitos autores. Maranhão (2002) faz uma comparação com a lei acidentária: uma incapacidade de 75% já é considerada absoluta. Note-se que a perda da função visual em um olho corresponde à incapacidade de 25%.
Deve ser lembrado que, em virtude de traumas a distancia, um globo ocular aparentemente normal, pode ser sede de lesões graves e permanentes, tais como a Retinopatia de Purtscher, provocada geralmente, por trauma torácico, e o Buraco Macular. Estas alterações são resultado da deformação do globo ocular, pela força do impacto contra o corpo, alterando assim, as relações de pressão nos vasos retinianos e uveais. (PAVAN-LANGSTON, 1988). Portanto, mesmo em ausência de lesão visível macroscopicamente, diante de queixa oftalmológica durante o exame de lesão corporal, deve-se proceder ao exame subsidiário oftalmológico.
Outro tipo especial de lesão ocular é a Coriorretinite esclopetária. Este termo refere-se a um trauma da retina e coróide, por projétil de arma de fogo que passa adjacente ao globo, sem penetrá-lo. Como resultado da alta energia liberada pelo projétil, ocorrem roturas de coróide e retina, hemorragias retinianas e vítreas, além de edema.(BUZALAF; HELAL JUNIOR; NAKASHIMA, 2003)
1.16.5.5 MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa realizada descreve dados coletados através de estratégia quantitativa, a partir do levantamento documental de cópias de laudo de exames oftalmológico, realizados no IMLAP, no período de setembro de 2002 a dezembro de 2005, num total de 1216 exames.
Foram analisados a idade dos periciados, o tipo de trauma em relação ao suposto agente etiológico e as conclusões dos laudos.
Em relação à idade, os resultados foram agrupados em sete faixas etárias, de 0 a 70, com 10 anos em cada, além do grupo com idade igual ou superior a 71 anos.
O segundo item analisado foi o fato alegado como origem do questionamento. Em agressão física foram agrupados os mais comuns e diversos instrumentos, tais como socos, chutes, paulada, unhada, por copos ou garrafas, facadas... Eventos específicos como trauma por projétil de arma de fogo (PAF) e por explosão de botijão de gás e fogos de artifício, além de lesões por agentes químicos, foram considerados em separado. Outros tipos de acontecimentos relacionados, e com resultados analisados foram: atropelamentos, acidentes de trânsito, traumas diversos relacionados ao uso de transporte coletivo, falha em equipamento de proteção pessoal de veículos, procedimentos médico-cirúrgicos e acidentes pessoais em via pública, relacionados a sua má conservação.,
Por fim, foram analisados o resultado funcional, e o desempenho do Serviço de Oftalmologia do IMLAP, na conclusão dos laudos oftalmológicos e esclarecimento das questões médico-legais propostas.
. 1.16.5.6 RESULTADOS
Para melhor compreensão os dados encontrados foram organizados em tabelas, de acordo com o elemento analisado.
TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE LAUDOS ANALISADOS EM RELAÇÃO À IDADE
0 – 10 anos
17
11 – 20 anos 130
21 – 30 anos 363
31 – 40 anos 281
41 – 50 anos 165
51 – 60 anos 121
61 – 70 anos 95
71 anos ou mais 44
Total 1216
Nota-se na tabela 1 a extrema predominância de eventos traumáticos na faixa etária de 21 a 40 anos, com pico entre 21 e 30 anos. Em um universo de 1216 exames, mais da metade foi realizado em pessoas com idade entre 21 e 40 anos.
Quando analisado o tipo de evento relacionado como responsável pelo evento traumático, verificou-se que grande parte dos exames periciais foi realizada em função de questionamentos ligados a atropelamentos, acidentes de trânsito e, principalmente, agressão física. (Tabela 2)
TABELA 2- TIPO DE EVENTO
Atropelamento
181
Agressão física 571
Acidente de trânsito 348
Queda no interior ou para fora de coletivo 17
Lesão por PAF 27
Falha em Air-bag 1
Lesão por fogos de artifício 3
Procedimento médico-cirúrgico 28
Explosão de botijão de gás 7
Lesão por agente químico 27
Queda em via pública 6
Total 1216
Em relação aos resultados produzidos pela ação vulnerante, foi verificada a ausência ou presença de déficit da função visual, caracterizada a debilidade ou perda da função, de acordo com a gravidade, alem da análise do nexo de causalidade.
As conclusões dos laudos oftalmológicos informaram ausência de déficit visual ou presença de debilidade ou perda da função visual. Ante a existência do déficit, o nexo de causalidade, foi afirmado, negado ou permaneceu indefinido (não pôde ser afirmado ou negado). Outras conclusões referem-se à necessidade de novo exame em período de tempo variável, a fim de se definir o caráter permanente do dano verificado, ou à necessidade de solicitação e análise de informações hospitalares relacionadas. Por fim, restou uma parcela de laudos cuja conclusão ficou irremediavelmente prejudicada por fatores diversos, em sua maioria, relacionados à escassez de equipamentos oftalmológicos essenciais ao adequado exame e indubitável conclusão.
TABELA 3 – CONCLUSÃO DE ACORDO COM OS RESULTADOS PRODUZIDOS PELA AÇÃO VULNERANTE (*) Laudos concluídos.
Ausência de déficit visual
641
52,71% (*)
Necessidade de nova avaliação 114 9,37%
Exame inconclusivo 125 10,28%
Debilidade com nexo afirmado 194 15,95% (*)
Debilidade com nexo negado 49 4,03% (*)
Debilidade/Perda com nexo duvidoso 24 1,97%
Necessidade de informações hospitalares 66 5,43%
Perda com nexo afirmado 3 0,25% (*)
Total 1216 100%
Observa-se que, os laudos concluídos (*) correspondem a 72,94% de todos os exames realizados, ou seja, foram respondidos a todos os questionamentos pertinentes: verificado a presença ou ausência de déficit visual, afirmado ou afastado o nexo de causalidade, caracterizado a debilidade ou perda da função visual e, avaliado o prognóstico, classificando o déficit como permanente ou não.
Nota-se que 5,43% dos exames permaneceram na dependência de análise de informações hospitalares para sua conclusão, principalmente pelo lapso de tempo decorrido entre o evento traumático e a avaliação médico-pericial. Em 9,37% dos exames a conclusão permaneceu na dependência de nova avaliação, para verificação do caráter permanente do déficit visual. Em 12,25% dos laudos examinados, não foi possível esclarecer os elementos essenciais para conclusão, pelas condições técnicas disponíveis neste IMLAP ou pela ausência de possibilidade concreta de definição, seja por multiplicidade de fatores etiológicos, seja pela influencia de inúmeras variáveis na fisiopatologia das lesões. Nestes casos, definiu-se, por exemplo, a impossibilidade de se afirmar ou negar o nexo de causalidade.
1.16.5.7 DISCUSSÃO
Dentre os dados analisados neste estudo, ressalta-se, por sua importância social, a alarmante verificação de predominância de eventos traumáticos em jovens, principalmente relacionados à violência e aos acidentes de trânsito; além disso, constatou-se que pelo menos 20% dos eventos lesivos, resultaram em déficit permanente da função visual; fatos a serem pensados e discutidos, não sendo porém, objeto principal de análise deste estudo.
Com base em dados retrospectivos concretos, é possível verificar que, mesmo diante de deficientes condições em termos de equipamentos, o Serviço de Oftalmologia foi capaz de concluir 72,94% dos exames analisados, ou seja, 72,94% dos exames realizados originaram laudos completos e esclarecedores, respondendo às solicitações formuladas, prestando serviço à Justiça e aos que dela dependem, de forma satisfatória. É necessário ressalvar, porém, que 98 laudos, ou seja, 11,05% destas conclusões, foram baseadas, parcialmente, em exames complementares realizados fora do IMLAP, por iniciativa pessoal do periciado ou do médico assistente.
Em relação aos exames pendentes, provavelmente serão concluídos em sua quase totalidade, já que aguardam tão somente uma nova avaliação ou a analise de informações hospitalares. Se também considerarmos esta parcela de exames, o desempenho do Serviço foi positivo em 87,75% dos exames realizados.
E se ampliarmos as considerações e, estimarmos que, aproximadamente 50% dos exames não concluídos, dependiam de exames oftalmológicos simples, tais como refração e oftalmoscopia indireta; para estes procedimentos propedêuticos são utilizados aparelhos de custo de aquisição relativamente reduzido, viável, economicamente falando. Diante de tal investimento, teríamos um Serviço de Oftalmologia com os equipamentos básicos para realização de um exame adequado e esclarecedor, proporcionando condições de conclusão em 93,83% dos laudos.
Na eventualidade de melhoria das condições materiais do Setor de Oftalmologia do IMLAP, teríamos 1129 laudos concluídos, em lugar de 1067. Em um universo de 1216 exames, alguns podem julgar número insignificante, porém 62 laudos sem conclusão, correspondem a 62 procedimentos judiciais aguardando uma resposta que não virá; são 62 pessoas que aguardam, como vítima ou ré, a resolução de uma demanda judicial. Com esta visão, tal número, aparentemente pequeno, torna-se muito importante.
Por fim, restaria uma parcela de exames (6,17%), definitivamente e irremediavelmente sem conclusão, no âmbito do IMLAP. Alguns poucos, por dependerem da realização de propedêutica complexa, de custo elevado e/ou difícil acesso, tais como Ressonância Magnética, Tomografia Computadorizada, Potencial Evocado Visual, Campimetria, Eletrorretinograma, Ultra-sonografia ocular... Outros, por exame clínico ou registro incompleto em fichas de atendimento médico, impedindo estabelecimento de nexo de causalidade. Outros ainda, por existência de variáveis e exceções na natureza humana e na medicina. Tal indefinição, independente de deficiência técnica, material ou humana, ocorrerá no IMLAP ou em qualquer outro serviço de medicina legal onde, por ventura for realizado. Em medicina, nada é sempre ou nunca. Esta, não é uma ciência exata, e tal limitação deve ser aceita e administrada.
1.16.5. 8 CONCLUSÃO
Apesar das limitações existentes, relacionadas às condições precárias em termos de equipamentos oftalmológicos para exame, o Setor de Oftalmologia do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto, cumpre o papel à que se propõe, em grande e significativa parcela dos exames realizados, no que se refere à caracterização e classificação das lesões corporais que envolvem o aparelho visual.
A despeito da desestruturação atual do Serviço Público de maneira geral, é essencial e urgente que o Setor seja equipado com material básico para um bom exame oftalmológico. Para tal, seria importante a aquisição de aparelhos oftalmológicos tais como, Lâmpada de Fenda, Oftalmoscópio Direto, Retinoscópio, Greens, Oftalmoscópio Indireto, Projetor de Optotipos, além de informatização do Serviço, facilitando o acesso a dados, agilizando os atendimentos e uniformizando os laudos. Teríamos então, as condições mínimas para um exame adequado, reduzindo assim a possibilidade de equívoco ou inércia na elaboração dos laudos, em razão da ausência de condições materiais de fazê-lo.
Considerando o reduzido número de casos complexos, envolvendo maior necessidade de recursos propedêuticos para esclarecimento, e diante do alto custo de aquisição de equipamentos para tais exames, não é justificável investimento desproporcional com este fim. De outra forma, o esclarecimento de tais casos teria como base, exames complementares realizados em Instituições Públicas, através de convênios oficiais com o IMLAP,
Sendo os exames médico-legais realizados em função de uma demanda judicial, os investimentos ora sugeridos, alem de viáveis, economicamente falando, poupariam recursos na manutenção e no andamento de procedimentos judiciais dependentes de tais exames.
1.16.5.9 A SEÇÃO DE OFTALMOLOGIA FORENSE
A Seção de Oftalmologia Forense confecciona exame de corpo de delito oftalmológico, realizado por Peritos Legistas especializados em oftalmologia permitindo avaliar a presença ou não, bem como a gravidade e extensão de lesões e ou perturbações concernentes á área oftalmológica em sua acuidade visual.
1.16.5.9.1 QUESITAÇÃO BASICA DO EXAME DE CORPO DE DELITO OFTALMOGICO.
1) Há lesão ou disfunção no aparelho visual de origem externa com possiveis nexos causal e temporal ao evento alegado?
2) Qual o instrumento ou meio que produziu a lesão ou disfunção?
3) Resultou em incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias?
4) Resultou em debilidade permanente ou perda ou inutilização do sentido da visão ( resposta especificada) ?
5) Resultou em incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente ( resposta especificada) ?
6) Qual a acuidade visual informada com a tabela de Snellen?
7) Outras considerações objetivas relacionadas aos vestígios produzidos pela lesão oftalmológica a critério dos Senhores Peritos Legistas.
BIBLIOGRAFIA
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INSTITUTO MÉDICO LEGAL AFRÂNIO PEIXOTO. Auto de Exame de Corpo de Delito – Lesão Corporal. Rio de Janeiro, 2006
BLANCO DOS SANTOS, Roberto. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Roberto Blanco, 2000. 389p.
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BUZALAF, Flavio; HELAL, John; NAKASHIMA, Yoshitaka. Coriorretinite esclopetária: Relato de casos. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, São Paulo, vol. 66, n.1, Jan/Fev 2003.
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HOLANDA DE FREITAS, João Alberto. Oftalmologia Básica. Rio de Janeiro: Colina Editora, 1990. 284p.
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PAVAN-LANGSTON, Deborah. Manual de Oftalmologia: Diagnóstico e Tratamento. 2. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1988. 521p
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