O AMOR CRISTÃO

Quando o Cardeal Ratzinger foi eleito Papa, muitos se sentiram apreensivos, pois a impressão era de que se tratava de um homem dogmático e frio, orientado para o cumprimento fiel do direito canônico. Agora, como Papa Bento XVI, surpreendeu com sua primeira Carta Encíclica sobre o Amor Cristão (Deus Caritas est). Pois não se fala em amor sem coração. Por isto, o Papa surpreendeu com sua primeira encíclica discorrendo, magistralmente, na primeira parte da Carta, sobre a relação entre o eros e o ágape, que são duas versões do conceito de amor. Eros é o amor do desejo, o amor que busca a possessão, o amor que quer prazer e satisfação para si mesmo. Ágape é uma palavra grega, pouco usada antes do cristianismo, mas escolhida pelos primeiros cristãos para expressar o amor cristão, o amor de Deus, de Cristo, do Espírito Santo e dos cristãos. Muitas vezes na Igreja se construiu a teologia cristã do amor a partir da oposição entre eros e ágape. Isto deixou a impressão, para muitos, de que os cristãos deviam banir o eros de suas vidas. O filósofo alemão Nietzsche, citado por Bento XVI, acusa o cristianismo de ter envenenado o eros. Contra esta teologia, o Papa resgata o eros, mostrando que o eros faz parte da natureza humana, e o prazer que ele proporciona reflete aspectos do amor divino. Posiciona-se, assim, surpreendentemente, a favor de uma parceria entre o amor do gozo (eros) e o amor da gratuidade (ágape). Isto significa que os cristãos não necessariamente se devem privar do amor prazeroso. A diferença entre o eros pagão e o eros cristão é a educação deste amor, envolvendo-o com a espiritualidade do ágape. Segundo o teólogo José Comblin, se isto sempre tivesse sido proposto pela Igreja, a história do cristianismo teria sido bem diferente.

Na segunda parte da Encíclica, o Papa fala mais da prática da caridade pela Igreja. Neste sentido, menciona os grandes Mestres e Santos no cristianismo, que nos deixaram o exemplo da prática do amor cristão.

Pode-se dizer que Bento XVI, com sua primeira encíclica, deixa à Igreja um documento que convida os cristãos, sejam eles leigos ou clérigos, a viverem sua vida no reflexo da plenitude do amor de Deus. E, segundo uma expressão antiga, onde está o amor ali Deus está (ubi caritas, ibi Deus est). Se isto, de fato, se tornar prática, a pastoral da Igreja, governada por Bento XVI, será mais amorosa e menos legalista e dogmática. Confiemos no Espírito Santo, pois “Deus é amor”. Penso que a Encíclica de Bento XVI merece ser lida e discutida, pois é uma magistral preleção de Teologia e de cultura humanística.