QUESTÕES DE BIOÉTICA

Introdução

A história da ética ocidental busca em Aristóteles as suas raízes. E para Aristóteles a ética é uma preparação para a vida política. Portanto, não é uma disciplina autônoma. Somente adquire status de validade na medida em que se refere à convivência dos cidadãos, como seres racionais, sociais e políticos. Desta forma, Aristóteles situa a ética entre as disciplinas poiéticas, i.é práticas. Também, para Aristóteles, a ética se adquire através da repetição dos atos virtuosos, ou de excelência, que contribuam para a eudaimonia, que corresponde a um bem-estar interior e exterior do ser humano. A repetição de atos virtuosos cria hábitos, segundo os quais o homem ético costuma agir. Supõe-se, com isto, que o treino ético esteja precedido por uma compreensão do que seja virtuoso em função do bem-estar humano. Assim, a prática ética deverá estar enraizada numa teoria, em princípios, numa metafísica. Sem isto o “virtuoso”, ou o “excelente”, fica vago, sem uma caracterização sólida. Dali a vaporozidade de muitas propostas éticas. Isto implica que, antes de fazermos qualquer afirmação ética, se considere aspectos fundamentais do existir humano: quem é o ser humano, qual é o seu lugar no mundo, na natureza, no meio dos outros seres vivos? Qual o sentido de sua vida? O que deve fazer, e o que não lhe é permitido fazer? O que o ser humano necessita para a sua eudaimonia, etc.? Somente depois de darmos algumas respostas básicas a estas perguntas é possível iniciar o debate ético. Como a bioética é um ramo subalterno da ética geral, ela também supõe o estabelecimento prévio de princípios, emanados das respostas acima colocadas. Sem isto a bioética não conseguirá se transformar em caminho seguro para um agir adequado em relação ao seu objeto de análise, que é a vida. A partir deste horizonte deconsiderações, pretendo abordar algumas questões de bioética nas reflexões a seguir.

Ética médica e bioética

Até meados do século XX a deontologia médica estabelecia os parâmetros pelos quais se fixava os limites da interferência na vida humana. As preocupações éticas, relativas à vida, restringiam-se, em grande parte, à área da saúde. Por isto, as primeiras menções a uma “bioética” se referiam também, quase exclusivamente, ao âmbito da ética médica. Isto começou a se alterar quando, em 1970, o Prof. Van Rensselaer Potter alertou para o fato de que as questões de saúde, muitas vezes, estavam intimamente relacionadas com os problemas ambientais. Em sua argumentação, Potter se baseou nas propostas do Prof. Aldo Leopold em sua Ética da Terra. Em seu livro A Sand Country Almanac (1949) Aldo Leopold diz que a ética da terra amplia as fronteiras da comunidade para incluir o solo, a água, as plantas e os animais, ou, simplesmente, a terra. Sugere que novamente deveríamos amar o solo, e não apenas mandá-lo desordenadamente rio abaixo; deveríamos amar as águas que consumimos e não apenas cuidar que façam funcionar as turbinas das hidro-elétricas, conduzam nossas barcaças e limpem nossos esgotos; deveríamos amar as plantas, que são exterminadas num piscar de olhos; deveríamos amar os animais, dos quais já foram exterminadas muitas espécies. A Ética da Terra teria como missão cuidar para que se respeitasse o direito do solo, das águas, das plantas e dos animais permanecerem em seu estado natural. E isto implicaria na ampliação da consciência social das pessoas para com a terra. Potter, ao incorporar em suas reflexões bioéticas as considerações de Leopold, atribui à Bioética uma característica interdisciplinar. O próprio Potter classifica, posteriormente, esta sua primeira caracterização da Bioética como “bioética ponte”. Mas, mesmo durante a década de 1970, o Instituto Kennedy de Ética, da Universidade Georgtown/Washington DC, restringia a bioética à área da saúde. Em 1988, Potter criou a “bioética global” Por “bioética global” Potter entendia um conceito abrangente, que englobava todos os aspectos relativos à vida: saúde e ecologia. Diante das interpretações, às vezes, equívocas de seu conceito, que quiseram relacioná-lo com globalização e imperialismo, Potter propôs em 1998 o novo conceito de “bioética profunda”, que inclui a vida num sentido amplo, a saúde e o ambiente como objetos de consideração. Desta forma, hoje, a Bioética é vista como uma disciplina abrangente, plural, interdisciplinar e aberta para a incorporação de novos conhecimentos em tudo que se refere à vida. Desta forma, as questões de Bioética não tratam apenas da ética ou deontologia médica, nem apenas de questões de saúde, num sentido estrito, mas de tudo que, direta ou indiretamente, interfere na vida em geral no planeta terra. Pois, em última instância, tudo isto tem a ver com o ser humano, que, em suas atitudes práticas, demonstra quem ele é, o que pretende com seu existir, como entende o seu existir no mundo, na convivência com seus companheiros de vida.

O contexto da Bioética

Um primeiro questionamento está relacionado com a necessidade desta, relativamente recente, disciplina denominada Bioética. Será que a ética tradicional, com sua experiência de 2.400 anos, desde Sócrates até os nossos dias, não daria conta de aplicar seus princípios às novas questões éticas de nosso tempo? Alguns dizem que sim. Mas a evidência dos fatos testemunha que a humanidade se encontra diante de novas situações e questionamentos, para os quais não existe “eticoprudência” gerada em épocas passadas. Nunca a terra foi povoada por 6 bilhões de seres humanos, com uma tecnologia que hoje a ciência é capaz de por à disposição dos homens nos mais afastados recantos. E esta tecnologia é multifacetada, e pervade a totalidade do mundo material, anímico e psíquico. Tendo em vista que a tecnologia, fruto da ciência, não possui em si mesma princípios e valores morais, mas apenas manipula potencialidades do cosmos, é preciso encontrar em outro âmbito os caminhos para o bemfazer dos cientistas e de suas criações. Em outras palavras, estamos mais uma vez diante da pergunta kantiana: o que devemos fazer? E isto coma consciência de que todo o sistema terra está interligado. Por isto, muitas questões éticas, e especificamente as questões da bioética, não permitem uma especialização temática, tudo está interligado. Em tempos passados admitia-se que as questões éticas ficavam restritas ao ambiente humano. Um dos princípios áureos da ética kantiana era: “jamais tomar o ser humano como meio, mas sempre como um fim”. A ética limitava-se estritamente ao âmbito humano. A relação do homem com a matéria, o ambiente natural, as plantas e os animais, não pertencia diretamente ao campo ético. O homem se distanciava do mundo natural. Hoje a nossa consciência se ampliou. O homo sapiens sente a sua ruptura com a totalidade da natureza e procura uma religação. E ele espera que a bioética lhe possa abrir o caminho para uma religação adequada. É interessante reparar que esta consciência nova de ruptura do homem de hoje com a natureza toda do sistema terra, equivale à emoção de uma experiência religiosa. Por isto o entusiasmo pela bioética, em muitos engajados nesta causa, corresponde a um espírito missionário, reservado em outros tempos aos missionários religiosos. Mas é, justamente, isto que faz com que a reflexão Bioética tenha adquirido, em nosso tempo histórico, o status de importância em que se encontra. Ela preocupa os religiosos, os filósofos, os sociólogos, os psicólogos, os médicos, os cientistas da natureza, os tecnocratas e os políticos. Em todos estes ambientes acontecem conferências, congressos e escritos sobre bioética. Por isto, nos últimos anos foi publicada uma verdadeira avalanche de artigos e livros sobre bioética. É difícil acompanhar toda esta riqueza bibliográfica. Basta abrir a Internet para se espantar com tanta criatividade reflexiva. Embora não possamos assimilar, e valorizar adequadamente, todo este esforço de construir uma bioética adequada, contudo não podemos fugir de uma busca dos princípios básicos que devem nortear esta discussão. Por isto, vejamos que considerações básicas não deveriam faltar para um possível encaminhamento de solução de algumas questões de bioética.

Algumas considerações básicas

Em primeiro lugar é preciso considerar que a Bioética, como toda a ética, é uma questão antropológica. Os problemas que se discutem na bioética são problemas criados pelo homem. Sem a presença do ser humano, não existiriam na terra problemas éticos. Por isto, em última análise, a bioética só existe por causa do homem. Dali a pergunta inicial: quem é o ser humano? A partir desta pergunta surgem outras como: qual o sentido da vida humana? O que é necessário ao homem para que ele se realize na vida, para que cumpra a sua finalidade? Não podemos dispensar tais perguntas, se queremos argumentar a partir da ética clássica, pela qual Aristóteles ensina que todo ser se realiza na medida em que segue nas trilhas de seu fim natural específico. E pela definição aristotélica, o homem é um ser animal-racional, social, que possui a palavra. Além disto, o ser humano busca sua eudaimonia através do exercício e prática da excelência (virtuosa). A sua práxis, portanto, para ser ética, deve corresponder à animalidade e racionalidade específicas, à sociabilidade e ao exercício da palavra, de forma que contribuam para a felicidade individual e comunitária. Estes parâmetros de pensamento e ação também valem para o âmbito da bioética. Tudo depende, portanto, de como entendemos as características fundamentais do ser humano.

Pela nossa animalidade compartilhamos da vida de todos os seres vivos da terra: animais e vegetais. Compartilhamos com os animais a vida dos sentidos, com alegrias e sofrimentos, a necessidade da água, do ar, da terra, das plantas; estamos sujeitos ao mesmo ciclo determinístico do nascer, crescer e morrer. Por isto, um ambiente desfavorável à vida animal, também será desfavorável à vida humana. E o modo de agir humano com os animais revela disposições da ação humana para com seus semelhantes. Um sadismo humano para com os animais pode ser sinal de um sadismo latente para com os seres humanos. Por exemplo, um Faculdade de Medicina que ensina aos seus estudantes a costurar ossos, quebrando as pernas de cachorros mandando que as reparem, provavelmente estará formando médicos pouco sensíveis aos sentimentos humanos. Talvez até esteja formando monstros e carniceiros, em vez de protetores e conservadores do mistério da vida. Quem polui o ambiente, envenena a terra com herbicidas, inseticidas e agrotóxicos estará provocando desequilíbrios ambientais com múltiplas conseqüências negativas para vida humana , animal e vegetal. Na verdade é um assassino de múltiplas vidas. As queimadas, a poluição das chaminés das indústrias, os tóxicos dos automóveis, os lixões não tratados, e tantos resíduos artificiais largados na natureza vão contra a harmonia da natureza, que fere o princípio estético da vida, expresso pelos gregos na identidade do kalós kai agathós (da identidade do belo e do bom). Uma vida ética é uma vida bela e boa. Em conseqüência, a Bioética será ética na medida em que contribuir para que a vida na terra se desenvolva de acordo com os princípios do bom e do belo. Para que isto aconteça, o homem está dotado de sua racionalidade. Uma racionalidade que está embrionária no homem ao nascer. Por isto, uma educação adequada, acompanhada por práticas virtuosas, deverá impregnar o ser humano de conhecimentos e valores que o orientem com clarevidência em sua práxis existencial. E isto é uma tarefa para cada geração, para cada povo e para cada época histórica. Já não podemos nos contentar somente com a solidariedade com nossos companheiros de vida neste momento. Precisamos ampliar nosso sentimento de solidariedade também para com as gerações futuras. A solução dos problemas atuais da bioética não se encontra fora do homem. O estabelecimento dos princípios norteadores para uma relação e interferência adequada no âmbito geral da vida são responsabilidade exclusiva do ser humano. É ele que deve estabelecer o que convém e o que não convém fazer. Isto demonstra que a Bioética é uma ética, de certa forma eclética, que reúne a ética de princípios e valores, a ética prudencial e a ética da responsabilidade. Quando se trata da ética da vida (bioética) são insuficientes os critérios de éticas hedonistas, utilitaristas, pragmatistas, evolucionistas ou de hierarquias que fixam níveis de qualidade da vida. Penso que, através destas reflexões, o leitor percebe a complexidade que envolve as questões da Bioética em nossos dias, e as soluções oferecidas sempre devem ser testadas a partir de seu conteúdo ideológico, que, inclusive, pode conter desvios profundos em seus encaminhamentos.

O âmbito e a necessidade da Bioética

Com que se preocupa a Bioética? Em primeiro lugar com a vida humana. Mas isto não acontecia já desde Hipócrates, séculos antes de Cristo, quando este médico grego propôs um código de ética para o exercício de sua profissão? Sim. E poderíamos dizer que os princípios hipocráticos, também hoje, continuam válidos. No entanto, o âmbito dos cuidados com a saúde humana se ampliou muitíssimo. A medicina de hoje já não se preocupa apenas com a cura dos doentes efetivos, mas está presente em múltiplas questões referentes ao nascimento, à vida e à morte dos seres humanos. A ciência e a tecnologia colocaram na mão dos médicos instrumentos que permitem uma interferência e um domínio muito maior na manipulação do surgimento, da conservação e do término da vida humana. O poder dos médicos de hoje é incomparavelmente maior do que o poder dos médicos no tempo de Hipócrates. Para Hipócrates o médico jamais deveria contribuir para que uma pessoa não nascesse, ou morresse antes que a natureza assim o encaminhasse. O médico salvava vidas e cuidava para que as pessoas continuassem vivas. Em nosso tempo predominam problemas em relação à vida, que Hipócrates jamais poderia imaginar: fecundação in vitro, inseminação artificial, inseminação heterógena, bancos de sêmen, úteros de aluguel, clonagem, seleção de sexo, tratamentos de fecundidade, pesquisa com células tronco de embriões, pílulas para evitar a gravidez, pílulas para estímulos sexuais, práticas abortivas; práticas de eutanásia ativa e passiva, autorizadas legalmente; assistência a homicídios. Além disto, o transplante de órgãos, as plásticas, o uso do silicone, a tentativa da “humanização” de animais, com a esperança do uso de seus órgãos para transplante em seres humanos, o mapeamento do genoma humano, as novas doenças e os novos remédios, etc. etc. Todas estas capacidades de interferência na vida humana não é apenas fruto de pesquisas na área médica, mas se inscreve no âmbito da biotecnologia, que na área zoológica e botânica se permite intervenções muito mais profundas neste âmbito da vida, criando animais geneticamente modificados e plantas transgênicas, sem aparente limite prudencial. A impressão é que estes avanços biotecnológicos não buscam orientar-se por princípios bioéticos, mas os seus interesses se pautam apenas pela ganância econômica. Claro, isto nem sempre é o caso, pois este progresso da humanidade no conhecimento e na manipulação da vida, ao menos ao que parece, promete enormes benefícios para a vida na terra. Não podemos ser pessimistas, nem querer que a ciência biológica e genética interrompe suas pesquisas. Pelo contrário, a ciência nos revela hoje as potencialidades maravilhosas inerentes na natureza viva. E a ciência não consegue criar esta vida. Portanto, não está “brincando de deus”. A ciência apenas desvenda os mecanismos potenciais inerentes aos seres vivos, desenvolve suas potencialidades, as combina, mistura e une. Uma tal atividade, em princípio não pode ser condenada pela ética. O que a ética pode e deve fazer é perguntar com que objetivos e interesses a ciência faz isto. E aí surge a necessidade de uma “ética da vida”, uma Bioética.

Funções da Bioética

Atribuir uma função à Bioética no âmbito da vida, de sua manipulação e da biotecnologia de nossa tempo, certamente não é querer multiplicar as proibições às pesquisas dos cientistas. A biotecnologia apenas está manipulando potencialidades latentes na natureza. E manipular estas potencialidades é um atributo indispensável da ciência. A ciência, por isto mesmo, não está “brincando de Deus”. Pois não está criando nada de novo, num sentido estrito. Apenas está articulando potencialidades da natureza. E isto, em princípio, não deve ser proibido. Qual é então o campo da bioética? A bioética se preocupa com as finalidades e os interesses da biotecnologia. Todo este progresso fabuloso da ciência em relação ao substrato da vida, os cromossomas e as estruturas genéticas, deve servir, em sentido ético específico, ao bem do homem, de seu ambiente e de sua qualidade de vida. E falar do ambiente do homem é falar da terra, com todos os seus ingredientes minerais e vitais. Para a própria qualidade de vida do homem, este ambiente deve ser saudável. E é, justamente, este ambiente saudável da terra que está ameaçado pela ação tecnológica e científica do homem. Por isto se fala da poluição da atmosfera, provocando o efeito estufa; da poluição das águas, com conseqüências desastrosas para a vida marítima e das águas potáveis; do envenenamento da terra por agrotóxicos, sejam eles herbicidas, inseticidas ou adubos químicos. Em tudo isto a bioética tem a função de vigilância e denúncia.

Outra preocupação da bioética é com as possibilidades diretas de interferência nos seres vivos, com a manipulação da biogenética. Novamente aqui a pergunta é pelos interesses e pelas finalidades dos cientistas e empresários em manipular a genética vegetal, animal e humana. Em princípio não é vetado que o homem interfira nesta genética, pois a própria natureza através dos tempos se diversificou geneticamente de forma espontânea. E se considerarmos o que consumimos hoje: arroz, batatas, tomates, laranjas, e demais frutos, cereais e legumes praticamente não seríamos mais capazes de reconhecer as plantas originárias de muitos destes produtos. Isto também vale para muitos produtos provindos de animais. O que a biotecnologia tem de diferente? É que a natureza levava décadas, ou séculos, para alterar naturalmente alguma propriedade das plantas e dos animais, e o organismo humano. e o meio ambiente, se acomodavam lentamente a estas alterações. Ao contrário destas mudanças lentas na natureza, hoje, a biotecnologia altera propriedades de plantas e animais em pouco tempo, e o organismo humano, nem o meio ambiente, tem tempo de absorver estas mudanças. Por isto estas mudanças, não poucas vezes, se manifestam prejudiciais ao homem a seu meio ambiente. Produzem alergias e outras doenças; interferem na biodiversidade, criam monopólios e dependências, etc...

Além disto, quando se trata especificamente do ser humano, a interferência genética, embora prometa conseqüências espantosamente positivas para o tratamento e a prevenção de doenças, contudo também pode servir a experiências escusas, em que o ser humano é usado como objeto, lembrando os descaminhos do nazismo com suas experiências com deficientes ou nos campos de concentração.

Diante de todas estas possibilidades positivas e negativas da biotecnologia se manifesta a importância da bioética. Ela é, como já foi dito acima, a ética da vida, num sentido amplo. E assim como a ética, em geral, para Aristóteles é a preparação para a vida na polis, a bioética deve preparar a humanidade de hoje para uma atitude adequada com a vida. Por isto o seu campo de ação é muito extenso. Mas para todo este campo de sua práxis ela terá que constituir um conjunto de princípios e uma estratégia de ação. Para isto é necessário que os bioétcos saibam do que se trata. Será ingênuo querer legislar, ou indicar caminhos éticos para a biotecnologia se não conhecermos minimamente os resultados das experiências da biociência. Os bioéticos devem, necessariamente, dialogar com os biocientistas. E estando informados das vantagens e dos perigos da biociência poderão propor aos cientistas cautela, nada de exagero, critérios para suas pesquisas que respeitem a vida e seu ambiente na terra. Parodiando Descartes, três ou quatro princípios éticos seriam suficientes para que tudo se encaminhasse adequadamente, sem entusiasmos extáticos ou pessimismos apocalípticos em relação a tudo que acontece hoje no campo das ciências e, especificamente, no campo da biociência.

E para que não haja abusos, que apenas se orientam por interesses econômicos ou políticos, a experiência já demonstrou a necessidade de legislação específica para a área da biotecnologia. Desta forma, aos poucos a humanidade está instituindo leis que permitem e/ou proíbem experiências e produtos da biotecnologia. É uma questão de prudência e de vigilância para evitar descaminhos, possíveis em qualquer âmbito da práxis humana, seja no que se refere ao poder religioso, político ou científico. E aqui se trata de um poder novo, o poder da ciência biológica de interferir nos mais diversos contextos da vida de uma forma surpreendente, nunca antes visto. Por isto, também, a bioética é uma “ciência” em construção, que necessita de uma normatização, que, aos poucos, vai-se instituindo. A ONU, a UNESCO e muitos países já propuseram legislações, que, certamente, em tempos futuros se globalizarão. Neste sentido, no Brasil, como em muitos outros países, já se exige que as pesquisas e experiências com seres humanos, antes de seu início, sejam submetidas a um Comitê de Ética. Isto evita abusos com cobaias humanas. No Brasil estes Comitês de Ética estão submetidos às normas do CONEP, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, com sede em Brasília. Com certeza, onde os Comitês de Ética existem, os projetos de pesquisa e as próprias pesquisas se tornam mais rigorosos. Tanto os pesquisadores, como as Instituições onde se realizam estas pesquisas ganham em qualidade e resultados. Por isto é extremamente útil que estes Comitês sejam estimulados e ampliados. Verdade é que, entre nós, muitas vezes, os Comitês começam bem, mas pouco depois relaxam. Não temos, no Brasil, a cultura da constância e da durabilidade. Mas, com o tempo também estas “virtudes” se estabilizarão entre nós.

A existência dos Comitês de Ética deveriam se ampliar também para os campos de pesquisa com animais e plantas. Isto evitaria experiências cruéis com animais e a biopirataria. Infelizmente, tais comitês ainda não existem no Brasil. Constata-se, assim, que a Bioética ainda tem pela frente uma grande tarefa para construir seu campo de atuação.

Conclusão

O que intencionamos neste trabalho foi, inicialmente, estabelecer a amplitude do conceito da Bioética. E chegamos à conclusão de que a bioética é a ética da vida. Uma busca para o fazer humano adequado no âmbito da vida. Seja a vida vegetal, animal ou humana. Hoje já temos a consciência de que o âmbito da vida na terra está interligado. As interferências em um âmbito interfere nos outros positiva ou negativamente. E a ética tem a função de analisar a práxis humana para que ela seja positiva para as mais diversas manifestações da vida na terra. Isto significa que, diante do mistério e da sacralidade da vida sejamos cautelosos, pois a atitude que tivermos perante a vida em geral repercutirá sobre a qualidade da vida humana. E isto é fundamental para a convivência digna e pacífica da humanidade em todo planeta terra. Os bioéticos são chamados a contribuírem para isto. Se para isto se empenharem, terão muito trabalho pela frente.

Referências bibliográficas

Nota Bene: Não indicarei aqui livros específicos sobre a Bioética, pois existe hoje uma ampla produção de livros nesta área. Basta acessar a Internet para se obter a informação bibliográfica que se necessita.