Os Sertões e sua atualidade.

“Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo.” Euclides da Cunha.

Comemorar, num país com poucas referências culturais relevantes, o centenário da obra de Euclides da Cunha é um fato que mereceria mais atenção por parte da sociedade brasileira. Os Sertões, Raízes do Brasil, Casa Grande & Senzala, O Povo brasileiro, Formação econômica do Brasil, Grande sertão: veredas, entre outros, são livros imprescindíveis para podermos pensar o Brasil. Eles não deveriam permanecer confinados e esquecidos como patrimônio fadado ao mofo nas prateleiras das nossas precárias bibliotecas. Definitivamente temos de resgatá-los como nosso mais precioso legado, como armas que todos os cidadãos precisariam manejar na construção de uma sociedade mais justa.

Hoje, quando já não vivemos a expectativa de mudanças com novos governos, este olhar para o processo de construção da nossa República tropical apresenta uma série de particularidades interessantes para a reflexão sobre nossos problemas. Um dos aspectos deste processo que causa mais perplexidade é a marcante desigualdade social que se acentuou no decorrer de toda a história brasileira. O republicano Euclides da Cunha, apesar de todos os seus preconceitos deterministas, naturalistas e cienticifistas, faz com Os Sertões uma contundente denúncia da trágica condição de vida do povo sertanejo.

O relato da campanha de Canudos desvendou o contraste existente entre o Brasil do litoral parasitada civilização ocidental e aquele outro país, desconhecido dos próprios brasileiros, o sertão nordestino. Vivemos durante quatrocentos anos, como escreveu Euclides, no vastíssimo litoral e “tivemos de improviso, como herança inesperada, a República”. Fomos lançados num turbilhão de transformações e esquecemos um terço da nossa população “perdidos na penumbra secular em que jazem”. Deslumbrados, por uma “civilização de empréstimo”, copiamos de outras nações seus códigos e suas instituições. Porém, mantivemos intactos todos os mecanismos, construídos ao longo de dos tristes episódios de exploração presenciados após 1500, de exclusão social. Por isso mesmo, o jornalista enviado pelo Estado de São Paulo logo percebeu que o conselheiro e seus seguidores não constituíam um foco de resistência monárquico, mas, travavam, acima de tudo, uma luta contra a estrutura de desigualdade que se arrastava por quatro séculos.

No dia cinco de outubro de 1897, os cinco mil soldados do exército brasileiro venceram os últimos quatro defensores de Canudos: um velho, dois homens feitos e uma criança. O sertanejo permaneceu mais estrangeiro para a jovem república do que os imigrantes europeus recém chegados.

Percebemos, depois de mais de um século da barbárie republicana em nome da civilização e do progresso, a continuidade da mesma sensação de tensa ambigüidade. Nossa República, mais uma vez, enfrenta o dilema de confrontar-se, por um lado, com problemas que podem decidir sua inserção no mundo globalizado e, por outro lado, com a superação de uma herança de exploração que relegou milhões de brasileiros à condição de indigência. Resta saber se prevalecerá a barbárie civilizada ou se “o sertão vai virá mar”.

Matheus Marques Nunes

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 18/09/2009
Código do texto: T1817676
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