Despertar da Alma

Despertar da alma

Existe um dia na vida dos seres em que se defrontam em uma tênue linha os seus sucessos e fracassos, situações que se avolumam em uma imensa balança de dois pratos (é o que convenientemente chamamos de vitórias e derrotas). Neste dia, por poucos segundos, a mente humana se liberta dos grilhões que a retém desde o contato mais vivo com o que titulamos de civilização. Tempo e espaço se fundem neste momento, aquele período que costumamos medir com o uso de relógios se perde em um profundo silêncio da alma, que se recolhe dentro de sua própria imensidão para calcular aquilo que desconhecemos desde o dia que despertamos para uma nova existência: a verdade universal.

Algumas pessoas ao se defrontarem com esse momento sentem um verdadeiro medo que não conseguem explicar. Difícil é conviver uma vida com máscaras que em um dado momento caem de nossas faces sem nosso consentimento direto, em períodos que estamos mais fragilizados por descobrir o vazio com que preenchemos nossos sentidos.

Corremos diariamente em busca de sonhos, muitas vezes corremos sem saber caminho ou direção, quem sabe apenas correndo em busca de um abrigo que desconhecemos ou fugindo de medos seculares introjetados n’alma, frutos de nossas obras ao longo de nossas existências. Corremos todos, atônitos, em uma velocidade cada vez maior. O que chamamos de modernidade nos impõe um ritmo alucinante que não nos permite sentir a essência dos seres, dos ambientes e das relações. Coisificamos os laços afetivos, minimizamos a importância das relações, esquecemos a simplicidade das trocas afetivas.

O homem corre. Permite-se voar sem sair do chão. Com a cabeça pesada e os sentidos destorcidos, busca seu céu nos pedaços carcomidos de matéria que encontra no caminho. Não há tempo para avaliar o que conquista, muito menos para pesar o que deve buscar. Tudo é vago e distante, até o momento que o tempo rompe consigo mesmo e delineia um novo despertar.

Para algumas pessoas, a questão de resposta mais difícil em suas vidas é “o que é a felicidade?”. Estamos muito apressados para obter a resposta dessa pergunta, o mundo está muito exigente de nós em relação ao tempo, que cada vez mais, corre de forma que não conseguimos acompanhar. Desejos, sonhos, ambições. Da realidade humana a palavra que mais se aproxima de felicidade parece ser a última. O ser humano ambiciona ser feliz, ambiciona conquistar “coisas” que atribui valor incomensurável sem medir realmente a importância.

Ambição, motivadora se utilizada na medida certa e direcionada para um foco sublime; arrebatadora se condicionada ao materialismo extremo. Alguns dizem que é condição humana, fruto de sentimentos de seres que coexistem com valores próprios de uma sociedade corrompida. Outros, que é fruto de uma busca exigida como padrão de vida de uma sociedade desorientada.

Esse breve segundo de confronto chegou em minha vida no momento em que comecei a traçar essas linhas, motivado pelo vazio que se despertou ao poder ver em mim mesmo a figura de minha verdade, obscurecida diariamente pela fantasia que me imponho desde o dia em que comecei a sonhar com uma vida que imaginei melhor.

Pergunto-me que vida é esta em que deixamos para trás as coisas que realmente valem para buscar a frieza das relações sem sentido. Quem somos nós ao longo dos tempos e dos trajetos que trilhamos. Quantas vezes já nos perguntamos sobre isso ou fingimos não ouvir essa pergunta da voz mais sublime de nossos seres: a voz dos sentimentos, a que atribuímos ao coração.

Há quanto tempo dormimos um sono profundo sem despertar? Por que motivos estão todos acreditando estar acordados para uma nova era? Há quanto tempo destruímos o mundo com a desculpa de construir um novo amanhã que nunca chegará? Fomos embriagados ao longo dos séculos por gerações de nós mesmos que nos sucederam e deixaram como herança o amargo fel da ganância, inveja e ambição que atordoa nossos sentidos.

Crescemos ao longo da vida e das vidas, aprendendo que existem perguntas que não devem ser feitas, que há perguntas para as quais não existem respostas e ensinamos aos filhos e netos que para certos males o remédio é deixar o tempo correr. Esquecemos ao longo dessa brincadeira de ensinar e aprender sobre a sublime lição acerca da verdadeira felicidade.

Mas existe esse dia. Um dia como outro qualquer, dia em que a luz brilha de forma tão intensa aos nossos olhos que é impossível fingir que não a vemos. Diariamente permanecemos surdos, cegos e insensíveis ao chamado constante. É muito simples para aceitar. É muito vivo, mas parece pouco frente à ganância. Como atribuir o valor de “tesouro” a algo cujo brilho cega nossos olhos por ser o reflexo fiel da verdade e que o peso não pode ser medido pelas balanças terrestres por possuir toneladas de significação? Estamos imunes a verdade sem saber que estamos.

Mas não há surdez que enfrente a voz da consciência, não há escuridão que ofusque a luz da razão e não há armadura que nos impeça de sentir a dor da verdade que fingimos não perceber mesmo quando somos golpeados por nossa maior rival: a razão. Não será ela nossa maior aliada também? Estamos correndo em círculos, perdidos no tempo, passando pelas gerações uma sensação de angústia disfarçada em lindas vestes de uma “alteza real” que governa o reino das perdições.

Não existem palavras para traduzir a felicidade. Não existe um dicionário que possa nos traduzir com fidelidade esse vocábulo. Não há quem a explique, no entanto, não existe ninguém que não a entenda. Mas a condição humana fantasia a felicidade e a veste de ouro e esplendor. Cheia de jóias, de sedas e em traje de baile, a felicidade brilha aos olhos do cego e entoa uma canção aos ouvidos que não sabem ouvir. Ao tentar traduzir essa palavra, o homem conta uma lenda em que a felicidade enche os salões de pessoas solitárias, que continuam solitárias ao som de uma canção de despedida. Como convidados e anfitriões dessa festa, tentamos inutilmente acreditar que nosso vazio será preenchido no balanço da próxima dança. Estamos todos sem um par e queremos dançar a melodia da alegria...

Mas o tempo apaga o brilho das jóias, as traças comem o tecido das sedas, o dia finda com o baile quando a luz se faz. A felicidade encontra-se consigo mesma ao final de tudo, se despe vagarosamente analisando quem realmente é. Sem o peso dos trajes sociais consegue ser ela própria, consegue andar com leveza e percebemos que o dicionário de sinônimos da humanidade é assinado por um péssimo autor. O Próprio Homem.

Deixar a Divindade invadir nossas vidas e ser realmente autora de nossas trajetórias é algo sem explicação.

Permita que Deus seja sempre nosso guia fiel.

Permita-se ser feliz, aceita na simplicidade da vida a plenitude do viver.

Abandona aos poucos tudo que pesa e retarda o progresso.

Usa da máxima de Antoine de Saint-Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos, sendo perceptível apenas ao coração”.

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Edison Barlem
Enviado por Edison Barlem em 18/09/2009
Código do texto: T1818148
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