A vitória da emoção

Wilson Correia*

É fato. Em 2016 a cidade maravilhosa Rio de Janeiro será sede dos jogos olímpicos. Também é fato que o Brasil e o Estado do Rio de Janeiro apresentaram projeto e campanha impecáveis para que tal êxito fosse alcançado. Um feito histórico para o nosso país, um legado para o Rio de Janeiro e um presente para a América Latina. Isso não é pouca coisa.

Um dos aspectos dessa vitória, realçado por pessoas e veículos de comunicação de diversas partes do mundo, foi a mobilização do sentimento na defesa que nossas autoridades fizeram em favor do Rio. Na verdade, o recurso ao coração soou algo bizarro e estranho para boa parte do mundo. Era de se esperar. Já em 1750 Rousseau denunciava a centralidade da razão ocidental, liderada pela Europa. Disse ele: “Os sentimentos estão sufocados pela tão admirada urbanidade que devemos ao esclarecimento deste século” (Rousseau, 1997, p. 8).**

A urbanidade de que fala o texto rousseauísta, a considerar o que a racionalidade construída por nós no pós-revoluções burguesas fez de todos nós, parece não abrir espaço para aquelas coisas humanas que se colocam fora da lógica da razão, do raciocínio asséptico e do pensamento pretensamente puro. É como se o humano pudesse alijar impunemente uma de suas características que o distinguem das demais expressões de vida: a capacidade de sentir. Mas porque nossa campanha negou essa mutilação, o que podia ser visto como um ponto forte passou a ser denunciado como uma fraqueza.

De fato, nós, os educados sob a égide dessa racionalidade lembrada anteriormente, encontramo-nos sufocados pela tirania despótica da aridez racional. Antropologicamente falando, vivemos como que diminuídos e claudicantes por conta de um recalque emotivo que nos apanha no cerne, no ôntico profundo, ou na alma, como outros poderiam registrar. É esse pigmeísmo pela adesão à lógica racionalista que Lula enfrenta desde que chegou à Presidência do Brasil. E ontem não foi diferente: “Às vezes você participa de tudo na vida e acha que não tem mais nada que te emocione. Mas hoje foi um dia sagrado para mim. Eu estava com um orgulho imenso de defender o Brasil. Se eu morresse agora, já teria valido a pena viver”, disse Lula, conforme registro da FolhaOnline**.

Aí a síntese da atualização de uma nossa dimensão a qual a cultura intelectualista européia e estadunidense rejeita, mas que coopera para que possamos nos fazer íntegros, inteiros, sem medo daquilo que de sensação e pensamento, intuição e sentimento pode concorrer para uma melhor e mais saudável expressão de nosso ser. Por isso, o choro do presidente a mim não me estranha. Concebo-o como um rasgo no absolutismo de uma lógica quem nem sempre nos levou ao melhor esperado dos seres humano. De igual modo, não me espanto com o uso da emoção como um valor agregado àquilo que se exige de uma cidade para sediar a Olimpíada.

De um modo ou de outro, a ignorância em que nos vemos mergulhados quando confrontados com a Europa parece mexida: nossa luz vem da totalidade daquilo que somos e estamos fazendo de nós, e não apenas de nossa faculdade racional, na verdade uma apenas entre tantas outras que qualificam a nossa possível humanidade. Para todos os efeitos, e na escalada rumo aos primeiros lugares entre as potências econômicas do mundo, a pobreza em que nos sentimos metidos ao sermos emparelhados aos Estados Unidos da América do Norte também fica definitivamente afetada, evidenciando que nessa perspectiva nós podemos crescer.

“Yes, we can”. “Sim, nós podemos”, repetia Lula. E podemos mesmo. À razão iluminista do nosso Ocidente estamos agregando sentimento e emoção. Oxalá essa seja uma lição. Agora, para mostrarmos ao mundo do que somos capazes, que, povo brasileiro, ousemos aliar justiça e liberdade para transformar nosso modelo societário e nosso estilo existencial. Esse é um sério desafio, mas é o que pode dignificar essa nossa vitória pela emoção.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.

**ROUSSEAU, J.-J. “Discourse on the sciences and arts” (1750). Cabridge: V. Gourevich, 1997.

***FOLHAONLINE. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u632518.shtml. Acesso em: 02.10.2009.