DEMOCRACIA INGÊNUA

Parece que muitos não sabem o que significa etimologicamente “democracia”. Significa simplesmente “poder do povo”. Portanto, na democracia o povo está empoderado. É o povo que, em última análise, fixa as regras do jogo. A democracia se diferencia da anarquia justamente porque possui regras. Regras que são convencionadas com a participação do povo. Pela forma de participação do povo se diferenciem os diversos sistemas democráticos. Na antiga Atenas e Esparta a participação era direta. O que era possível porque os cidadãos livres destas cidades-estado não passavam de alguns milhares. As considerações sobre as democracias modernas já têm em vista populações maiores. No entanto Rousseau, no século XVIII, ainda imagina suas teorias do pacto social em função de populações reduzidas. A nossa democracia é participativa. Apenas em alguns momentos o povo é chamado para exercer o seu poder: o poder do voto, o poder da opinião pública, o poder dos protestos, das greves, das críticas... Infelizmente, nestes momentos de exercício do poder, muitas vezes se imiscuem elementos pouco democráticos, pois as convocações para os votos, a construção da opinião pública, a convocação para greves e protestos acontecem sem a devida formação e consciência política do povo. Os discursos são sofísticos e falaciosos, não há suficiente esclarecimento e transparência em relação às circunstâncias e conseqüências do que se pretende decidir. O povo transfere o seu poder a políticos, muitas vezes, sem o compromisso de receberem este poder para unicamente exercitá-lo para o bem comum de quem os muniu de poder. E quais as conseqüências deste estado de coisas? Vivemos numa democracia frágil, caduca e ingênua. O povo deveria poder esperar de seus representantes, portadores do poder que receberam, que eles identificassem as necessidades de uma vida humana saudável, sem fome, sem violência, sem exploração, com justiça, saúde, educação, saneamento, habitação, trabalho e lazer. E uma vez identificados os caminhos para uma vida verdadeiramente humanizada, os poderosos conduzissem a política, incentivando os projetos do bem e atacando as causas da injustiça, da miséria e de tudo que diminui a dignidade dos cidadãos. Isto seria o mínimo que o povo deveria exigir de quem recebeu o poder para isto. Mas nem o povo está alerta para exigir isto, nem os políticos se lembram que somente possuem o poder que o povo lhes delegou, e apenas terão este poder enquanto o povo deixar. Neste jogo conhecem-se, em geral, as causas de nossos males e os caminhos para melhorias, mas por conveniências se prefere esconder estas causas, alimentando o povo com explicações falaciosas. E esta é a grande ingenuidade de nossa democracia.

Tenta-se justificar nossas mazelas alegando que em todo o mundo há miséria, exploração, homicídios, falcatruas, corrupção, lentidão na justiça, etc.,etc. Certo, onde há seres humanos tudo isto acontece. Mas, as proporções podem ser muito diversas do que as que encontramos entre nós. Por isto, se entregamos o nosso poder a representantes, exijamos deles que o exerçam dignamente para o bem estar de todos os cidadãos, e não apenas para o seu bem e o bem de minorias. Só assim nossa democracia será verdadeira e não ingênua.