A ética e o poder

     O Brasil vive uma crise ética sem precedentes, o poder, não raras vezes, seduz e corrompe. Reflexo de sua pouca idade, imaturo e mimado? Ou culpa de seu indefectível complexo de colônia? É possível que as respostas se confundam, embaralhando-se no conjunto de intrigas, corrupção e desmandos, encimados pela chibata dos algozes usurpadores, através dos séculos incipientes de sua formação. É provável que não se possa formular a resposta derradeira, afinal, buscá-la é reverenciar a má vontade e o descaso com que a própria história de sua civilização é narrada.
    
     Desde os primórdios de sua colonização branca, convive-se com incontáveis exemplos de desmandos, corrupção e luta insana pelo poder, oriundos da necessidade de possuir a chave do cofre nacional. Na Carta do Descobrimento, primeiro documento oficial das terras brasileiras, o Escrivão Caminha menciona:

     “De ponta a ponta é toda praia muito chã e muito formosa e do mar nos      pareceu ser o sertão tão extenso que com a vista o não podíamos alcançar.”

     Em outro trecho:

     “De tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo em      virtude das suas boas águas...

     Pronto! Estava lançada a pedra fundamental de nossa colonização.
    
     Entretanto, o que de fato corrobora nossa aquiescência, está registrado no seguinte trecho da citada carta:

     “A inocência desta gente, Senhor, é tal que a de Adão não seria maior quanto      ao pudor. Veja V.A. que quem em tal inocência vive, ensinando-lhe o que é      dado para sua salvação, se se converterão ou não”.     

     Precisávamos da salvação de nossas almas? Só isso? Sendo assim, já estávamos prontos para sermos governados.
    
     O que se seguiu foram invasões de nações interessadas no espólio, aproveitando-se dessa generosidade pueril da gente de então.

     Não devemos acreditar que nossa formação étnica é a responsável direta por esse complexo de colônia, mas a bondade, a parcimônia, a alegria, a pureza dos nativos, aditados à esperteza, à vilania e ao caráter predador dos primeiros, segundos e sabe-se lá quantos mais colonizadores, moldaram a face cicatrizada de uma nação, “País do Futuro” cujo futuro nunca chega. Ainda assim não aprendemos com o passado as lições necessárias para vivermos livres e em paz com nossas consciências.
    
     Em todos os segmentos veem-se exemplos da falta de ética que indigna o Brasil: no Executivo, no Legislativo e no Judiciário; na sociedade civil, nas religiões, nas relações interpessoais, em que se critica e paradoxalmente se aceita o QI, não o que mede a inteligência, antonímia de indignidade, mas o “Quem Indica”, parônimo de favorecimento, improbidade, injustiça e nepotismo.
    
     Antes, ao menos, sabíamos de quem reclamar e contra quem lutar: os invasores da metrópole cerceando a colônia; agora, o próprio nativo coloniza sua gente, numa inequívoca demonstração de que ética é apenas uma palavra de efeito, e não mais sinonímia de valor moral, boa conduta.

     O Senatus (antiga casa da magistratura, representado por cidadãos qualificados) hoje bem poderia ser renomeado de bellaco - indigno adjetivo espanhol para "velhaco", ou seja espertalhão!

     Caminha conclui, fiel serviu:

     “Beijo as mãos de V.A. Deste Porto Seguro da vossa ilha da Vera Cruz, hoje,      sexta-feira, primeiro de maio de 1500.”

     Nada é muito diferente, ainda se beijam mãos como filhos bons e obedientes, só não mais de Altezas e Majestades, mas as do Sr Asdrúbal, vizinho duas casas adiante, dono de um mercadinho de bairro, a fim de auferir alguma migalha do pão nosso de cada dia.

     Ou o gigante adormecido desperta, ou dormiremos o profundo pesadelo da subserviência varonil.