VIEIRA E OS JUDEUS

Nos tempos de Antônio Vieira (1608-1697) a inquisição religiosa e política perseguia os judeus em vários países da Europa, prendendo-os, forçando-os a se converterem ao cristianismo, ou expulsando-os de seus territórios. Isto fez com que em Portugal surgissem os "cristãos novos" - judeus convertidos ao cristianismo. Mas estes convertidos continuavam sob a mira da Inquisição, pois desconfiava-se de que muitos se haviam convertido por meras conveniências.

A história, muitas vezes, nos repassa a impressão de que todos os católicos da época concordavam com a perseguição aos "filhos de Abraão". De fato não foi assim. O P. Antônio Vieira representa aqueles muitos humanistas cristãos que repudiavam a ofensa aos judeus. O empenho extraordinário de Vieira em favor dos judeus está registrado em seus escritos. Vieira distinguiu-se especialmente na defesa dos cristãos novos, denunciando as arbitrariedades do Santo Ofício. Junto aos reis de Portugal lutou pelo convite aos judeus dispersos pela Europa, para formarem, com seu capital, duas companhias de comércio, a Oriental e a Ocidental, que, à semelhança dos holandeses, desenvolvessem o comércio português nas Índias e no Brasil. Vieira estava convicto de que Portugal ganharia muito se abrigasse os judeus perseguidos também em outros países. Por isto denunciou ao mundo a "cegueira de delírio e desatino intolerável" do tribunal da Inquisição, e alertou para as calamidades que este tribunal causava a Portugal. Seus escritos, a favor dos judeus e contra a Inquisição, são documentos preciosos que revelam situações históricas densas. Permitem, por isto, reconstruir opiniões de sua época, e retratar a moral do povo português.

Entre os escritos de Vieira a favor dos judeus destacam-se: uma "Carta aos judeus de Ruão"; a "Defesa perante o tribunal do Santo Ofício"; o "Desengano católico sobre a causa da gente de nação hebreia"; "Comentários aos escritos de Bandarra sobre as esperanças de Portugal"; "Memorial a favor da gente de nação hebreia"; "Memorial proclamatório ao Sumo Pontífice Inocêncio XI a favor da gente de nação hebreia"; escritos vários nas "Obras Completas" e "Obras inéditas" (1856-1857) sobre "Os judeus e a inquisição".

Em Roma, Antônio Vieira se pronunciou contra o "Breve da Inquisição de Lisboa", que permitia ao Rei Dom João IV confiscar os bens dos judeus depois de julgados e sentenciados. Também em Roma, Vieira se pronunciou a favor dos cristãos novos contra os castigos que o regente D. Pedro mandava aplicar a eles. Ao Rei Dom João IV Vieira propôs admitir os judeus mercadores, dispersos por várias partes da Europa, para que em Portugal ajudassem a recuperar a situação miserável do Reino. Em 1646 Vieira fez a proposta ao mesmo Rei que se mudasse o estilo do Santo Ofício com relação aos judeus. Solicitou também ao Rei que revogasse o decreto do confisco dos bens dos cristãos novos.

Em resposta a um suposto amigo, Vieira demonstra que a Inquisição não avaliava adequadamente as questões dos cristãos novos, condenando, muitas vezes, pessoas inocentes. Isto, inclusive, segundo Vieira, justificava a moção dos cristãos novos junto ao Papa contra o Santo Ofício de Portugal.

Como se vê, Vieira, além de clássico da literatura portuguesa, demonstrou-se um humanista exemplar em defesa dos direitos humanos. Fez isto consciente que a sua atitude provocaria suspeitas em relação à sua ortodoxia religiosa. O que, de fato, ocorreu, fazendo com que ele mesmo tivesse que enfrentar o Tribunal da Inquisição, tendo que cumprir penas, que somente com a intervenção direta do Papa foram revogadas. Assim, Vieira é um exemplo de luta contra injustiças e discriminações para todas as gerações.

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