A QUEDA DA BASTILHA PERNAMBUCANA

Finalmente, após 118 anos de existência aterradora, plantada às margens do Capibaribe e circundada por um muro alto, encimado por estratégica cerca de arame eletrificado, desaparece a famigerada CASA DE DETENÇÃO DO RECIFE, talvez uma das mais antigas prisões do Brasil contemporâneo.

Mandada ser erigida nos tempos do Imperador Dom Pedro, constituiu-se no terror dos bandidos. Suas grades aprisionaram criminosos de toda a espécie, desde os cangaceiros de Lampião aos punguistas e assaltantes comuns dos nossos dias que, condenados, lá iam cumprir suas penas.

O velho prédio tem um espectro sinistro e dava medo só de passar em suas proximidades. De vez em quando, o rosto de um detento espiava através as grades de suas janelas altas, tomando o pouco de sol que até ali chegava.

A sua localização, que com o progresso foi se tornando indesejável, bem no centro da cidade, as alterações no sistema penitenciário brasileiro (prisões sob formas de colônias agrícolas penais), a campanha negativa movida pelos jornais, pelos intelectuais, tudo isso contribuiu para a sua queda.

E ela agora acaba de ser totalmente esvaziada, nas comemorações do segundo aniversário do Governo Eraldo Gueiros, transferindo-se todos os seus presos para locais com um mínimo de dignidade humana. Alguns condenados, que após mais de vinte anos não saíam do seu interior, foram às lágrimas, num misto de alegria e incredulidade. Era como se saíssem do Inferno de Dante!

Após as solenidades que marcaram o encerramento das suas atividades, o prédio foi aberto à visita da curiosidade popular, antes das reformas que o transformarão num centro de cultura e turismo pelo Governo do Estado.

Fui lá, num sábado desses, para constatar “in loco” as miseráveis condições em que vegetavam milhares de reclusos. Celas onde mal cabiam dois presos eram habitadas por seis ou mais elementos. Cubículos outros, de tamanho diminuto, para os mais perigosos, os mais ferozes, diziam, em que apenas uma réstia de luz penetrava pela grade da janela bem alta. Eram as temidas solitárias.

Coladas nas paredes folhas de jornais e revistas, mostrando mulheres nuas, artistas de cinema, equipes de futebol famosas, automóveis. Desenhos por todos os lados, garatujas, textos bíblicos, inscrições patéticas:- “O bom comportamento é a chave do sucesso. Sofra sem esmorecer”, “Viva e deixa-me viver”, “A Caverna do Diabo”, “Aqui é o paraíso dos pilantras”, “Cristo derramou seu sangue para salvar pecadores”, “Mulher nenhuma merece confiança”, e muitas outras de que não me recordo agora, passado o impacto da visita.

Num canto, uma latrina fétida, imunda. E só… Nenhuma cama, colchão, mesa ou banco que fosse. Autênticas jaulas para animais selvagens.

Com o coração pequenino, de lá saí abatido. É bom, às vezes, ver a miséria de perto e até onde pode se degradar o ser humano! ...

-o-o-o-o-o-

Recife, 21/03/73

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 19/10/2009
Código do texto: T1874314
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.