Divagações durante o Dia do Médico - Edgard Steffen

ARTIGO - [ 24/10 ]

Notícia publicada na edição de 24/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.

“A modéstia é a virtude dos tolos” (Nietzsche)

Diploma de médico na mão parecia chance de dormir em esplêndido berço, no exercício de profissão supost amente rendosa. Ledo engano

Perdoem-me a imodéstia no que vou escrever. Confesso minha dupla vaidade: haver estudado na Faculdade de Sorocaba e exercido a profissão médica. No exato dia em que completei 50 anos de formado, segui ritual inusitado. Retirei placas indicativas de minhas salas de consulta, e fui à Prefeitura cancelar minha inscrição no ISS. Diferente do que fazem velhos doutores quando param, não cancelei meu CRM.

Não nasci médico. Para sê-lo, muitas lutas, percalços, noites em claro (gozadores vão dizer que eu esquecia de apagar a luz...), pálpebras desabando de sono em cima de livros de Física, Química e História Natural, para fazer jus a uma das 50 vagas que a recém-criada Faculdade de Medicina de Sorocaba oferecia. Vencida a barreira do Vestibular viriam - em línguas diferentes do português - tratados de Anatomia, Histologia, Fisiologia, Patologia e outros tantos compêndios, que faziam livros e apostilas do “Científico” assemelharem-se a suaves cartilhas de alfabetização. Diploma de médico na mão parecia chance de dormir em esplêndido berço, no exercício de profissão supostamente rendosa. Ledo engano. Nem tão rendosa nem tão tranquila. Vieram novas noites mal dormidas. No hospital, cuidando de pacientes graves (não existiam unidades de terapia intensiva); em casa, procurando nos livros atualização dos conhecimentos ou solução para casos intrincados. Por tudo isso, resolvi: não mais exerço a honrada e honrosa atividade, porém, não abdico de minha condição profissional. Vou morrer médico.

Só para aproveitar a rima... entrei na vagabundagem (Não foi assim que FHC chamou a aposentadoria?) para entrar em dias de homenagem.

Da Câmara Municipal de Boituva recebo Moção de Congratulações pelo meu trabalho como pediatra, professor, epidemiologista e articulista. A proposta partiu do Vereador Fabrício Amaro Andrade, a quem tive a honra de cuidar nos primeiros anos de sua vida. Aproveito este espaço para agradecer a honrosa menção. No Cruzeiro do Sul*, nova surpresa: Jorge Luiz Cabral “com quem nunca troquei uma palavra”, coloca-me entre sorocabanos ilustres que influenciaram sua vida e conduta; termina dizendo-se esperançoso de “um dia apertar minha mão”. Até que isso aconteça e, agradecido, possa abraçá-lo, vai aqui meu aperto de mão.

Desde que me aposentei, telefonemas, telegramas e e-mails, em comemoração ao Dia do Médico, foram escasseando até ficarem reduzidos a dois ou três cartões formais das Sociedades de Pediatria e dos Bancos, estes últimos interessados em manter, sob sua guarda, os caraminguás a que faço jus pela condição de aposentado. Este ano, ligaram-me: Pedro Silvestrini, porque é amigo, e Don’Ana, senhora portuguesa, cujo filho atendi há 51 anos. Dentro de meu orgulho médico, iluminaram o dia.

Na Veja**, li entrevista com Ben-Hur Ferraz Neto, “um dos maiores nomes do transplante de fígado no Brasil”. Ben-Hur formou-se em Sorocaba.

Ainda na semana, trabalhei num resumo biográfico sobre José Mussi, colega de classe na Faculdade. Mussi foi grande incentivador para que a primeira turma da Medicina de Sorocaba se reunisse, anualmente, em sua magnífica chácara. Aos últimos encontros, agora em restaurantes, mesmo preso à cadeira de rodas, nunca deixou de comparecer.

Estive presente na justa homenagem que a cidade de Londrina (Pr) prestou a meu primo germano dr. João Henrique Steffen Jr.; outorgaram-lhe o título de Cidadão Londrinense. Foi o primeiro, em nossa família, a formar-se em Medicina. Diferente deste aposentado e pretenso escrevinhador, João Henrique (84 anos) continua na ativa, militando no Hospital Evangélico (que ajudou a criar e desenvolver), no Conselho Regional de Medicina do Paraná, no Rotary e na Igreja Batista. Órfão de pai, seus irmãos trabalharam em empregos humildes - marcenaria, fábricas e escritórios - para que o caçula atingisse o objetivo de cumprir o sublime mandamento “amar ao próximo” através do exercício da Medicina. Seu exemplo foi um dos estímulos na minha vez de escolher a profissão.

Médicos ou não, permitam-me dedicar estas digressões a todos os citados nestas linhas.

(*) C. do Sul - Coluna do leitor - (18/10/2009, pág. A3)

(**) Veja - 12/10/2009, pág. 17 a 21.

Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 24/10/2009
Código do texto: T1884925