Na cova dos leões

Afastar um prefeito das suas funções é algo muito sério. Exige, além da motivação de interessados, um motivo irrefutável. Do contrário pode caracterizar perseguição política ou articulação de grupos com outros interesses além do bem comunitário.

Ouvindo as argumentações da defesa – naturalmente bem fundamentada e consistentemente estruturada, surge a dúvida sobre se o que teria sido combinado nos bastidores ainda deveria prevalecer no júri formado pelos vereadores, pelo menos de forma unânime, se a consciência falasse alto e tivéssemos, ali, realmente um júri – onde seus membros fossem donos, naquele momento, da própria personalidade.

A denúncia inicial de "improbidade administrativa", de competência do Judiciário, teria sido desvirtuada para "quebra de decoro" - algo muito subjetivo e amplamente discutível, onde os poderes da Câmara alcançam. Por outro lado, abre precedente perigoso até para os próprios camaristas, já que nessa área a maioria está, de alguma forma, tão enrolada quanto. Contabilização transparente – já que os dados embasaram a denúncia; motivo explicável e, aparentemente, sem intenção de embolsar vantagem pessoal; devolução do gasto, embora não justifique o lançamento contábil.

Tudo indicava, com base nisso, não haver dolo no ato. Essa era a tese da defesa que solicitava, por essa razão, a votação de outros itens correlatos, além dos dois propostos pela acusação, para esmiuçar o assunto e não deixar dúvidas sobre a questão. Reivindicação razoável que sugeria atitude de bom-senso acatá-la. Após essa explanação, uma decisão política, naquele momento, poderia "queimar" ainda mais os vereadores na opção pura e simples da condenação. O simples "sim" ou o simples "não" não era, na verdade, tão simples assim. Sempre "há mais entre o céu e terra do que imagina a vã filosofia".

Assim, o cerceamento à ampla defesa talvez tenha se materializado na negativa generalizada da Mesa à solicitação da Defesa. Isso, inevitavelmente, daria margem à anulação pelo Judiciário, se comprovada a procedência da argumentação. O advogado Luiz Antonio Camargo conduziu seu trabalho com competência. Fez sua parte. Sabendo, entretanto, que não estava num tribunal comum falando para um júri imparcial... Mais parecia um personagem real numa situação hipotética ou num teatrinho de curso de Direito simulando friamente algo possível, mas não desejável – apenas para ensinar o que não se deveria fazer ou ser estimulado numa situação verdadeira.

Claro que ninguém colhe o que não se plantou e seu cliente não era realmente um bom plantador. Mas a pergunta que fica é: precisava ser assim, e agora? E, principalmente, por motivo de saúde? Talvez tenham feito a coisa certa da maneira errada... Talvez, até, porque tenha sido a única alternativa que lhes sobrou e, já que era ponto de honra pendente, os fins justificariam os meios.

No momento da votação os vereadores ficaram na situação do "se corre, o bicho pega; se fica, o bicho come". Sabiam, politicamente, o que tinham que dizer; mas a consciência os traia. O conflito transpareceu nitidamente em seus semblantes, principalmente após a reunião a portas fechadas com o advogado da Câmara. Não houve, portanto, debate aberto entre os advogados de Defesa e Acusação (como funciona a Promotoria nesses casos?) para que cada vereador decidisse por si no julgamento, após as argumentações e contra-argumentações das partes.

Os vereadores, então, não julgaram; apenas acataram uma determinação "in loco" da assessoria jurídica. Comportaram-se como um cliente junto ao seu advogado, não como um júri – pelo menos foi assim que eu, como leigo, vi as coisas ali. Que espécie de júri era esse? Por que, afinal de contas, foram isolados do público durante a seção - para não sofrer influência? Mas que tipo de influência? Pois, se assim fosse, por que, no final, dependeram de orientação sigilosa num ato público? E a quem, na verdade, compete esse direito – se é que ele existe – e com qual objetivo? Se mais tarde a Justiça, em algum nível, entendesse que julgaram mal, seriam responsabilizados na mesma proporção? A pena para quem condena indevidamente não seria a mesma do condenado injustamente? Até que ponto esse poder da Câmara é constitucional e benéfico? Não seria, na verdade, uma faca de dois gumes com abertura ampla e perigosa?

Entre os expectadores estavam duas munícipes envolvidas emocionalmente na questão. Extravasaram sua ira à Imprensa e a cobertura da mídia mostrou como reflexo do sentimento popular generalizado e isso pode, provavelmente, influir nas decisões posteriores do Judiciário. Mas a sessão foi feita num horário impróprio à sua magnitude e em recinto pequeno, limitando o acesso a apenas trinta pessoas – a grande maioria da imprensa. Nem houve, talvez por esses mesmos motivos – embora não se justifique, divulgação apropriada da sessão. O povo realmente pensa na questão e não aprova atitudes erradas de governantes e legisladores. Mas é por essas e outras que se envolve pouco e não sabe da missa a metade, por desinformação e desmotivação.

O governo que sai deixou mesmo a desejar e sua postura não era elogiável sob vários aspectos. Mas nesse caso específico parece que, se os algozes foram felizes no encaminhamento que culminou nesse desfecho, o mesmo não se poderia dizer, talvez, da finalização – com a cena (ou encenação) da votação. A impressão que se teve, naquele momento, era a de que na reta final estava proibida a ultrapassagem – pura e simplesmente. Já estaria definido quem peitaria a faixa de chegada ou levaria a bandeirada da vitória, independente de quem tivesse mais fôlego, melhor máquina ou capacidade maior de desempenho? Foi um bom trabalho de equipe. Resta saber, aqui, se era, realmente, para ser assim. Foi um júri de exceção?

O indeferimento dos itens solicitados pela Defesa caracterizaria realmente cerceamento à ampla defesa? Compete ao Judiciário essa decisão. Mas será que forças ocultas, com interesses outros, já não fazem tráfego de influência? Até onde podemos confiar na Justiça, se ela é cega? Entretanto, se esta deferisse, o tiro nágua desviaria a bala do alvo e o cetro trocaria de mãos novamente. Acusar é fácil, condenar com justiça já não é tão simples. Uma divergência entre os poderes Legislativo e Judiciário parece estar se instalando com esse caso. Destaca-se, com isso, o nível de incompetência de ambos – não o contrário; onde um acua o outro e a falta de serviço de um e o excesso de outro parece determinar diretrizes para o encaminhamento e/ou desfecho. Um erro não justifica outro e as coisas erradas não se justificam de jeito nenhum. Por que não julgaram todos os itens, conforme solicitou a Defesa? Qual era o receio? O de que os vereadores entrassem em contradição numa situação nova - sem prévio planejamento? Porque a impressão clara era essa: a de que eles estavam determinados a condenar, mas nem um pouco preparados para julgar. Não transmitiam a impressão de estarem balizados pela imparcialidade, muito menos responsáveis pelos seus atos. Preocupante isso, pois onde falta o poder de discernimento fica comprometida a moralidade da ação. Afinal, nem tudo que é legal é moral e nem tudo que se considera imoral é privilégio de poucos. "Atire a primeira pedra quem não tem o mesmo pecado..." As pedras ficariam nas mãos de cada um... Ressuscitaram o Júri da Inquisição? Se for assim, muitas bruxas vão queimar nessa fogueira!

E de onde surgiu o veredicto lido pelo secretário onde se definia a votação de seis sim, dois não e uma abstenção? A correria que se seguiu para troca do documento seria hilária se o assunto não fosse tão sério. Isso foi registrado em ata? E a Defesa, percebeu a gravidade do deslize... ou considera normal?

O Judiciário local negou liminar solicitado no mandado de segurança da Defesa. O mérito será analisado em trinta dias. Mas, o que registra a Jurisprudência para casos semelhantes? Ou será que a Promotoria simplesmente não teria interesse em desenterrar um cadáver apenas para autópsia? Eis a questão!...

Por outro lado, percebe-se que o PL já monta seu Cavalo de Tróia no Portal de Salesópolis. Não foi a troco de nada, certamente, que levou o vice, em vésperas de assumir, para a sigla. Da mesma forma, o Paulo Português – cobrança de dívida e investimento na Festa do Peão, prevendo, logicamente, o retorno que esse cabresto cultural traz nas eleições. Deslocou o Panca para o PT, numa estratégia muito clara de conquistar o segmento da Igreja. O Padre Rosalvo, é claro, está na mira; e já se comenta, inclusive, valores por conta disso. Ney, Serginho, Furacão e outros, completam o que eles mesmos já chamam de um grupo forte. Financeiramente sim, politicamente também – pelo menos da maneira como os políticos tradicionais olham para a coisa. Mas o povo anda arredio ultimamente e muito revoltado também – com tudo e com todos (inclusive com o pastor das ovelhas). Será que este é, realmente, o caminho das pedras? De qualquer maneira, o tabuleiro está montado, as pedras remanejadas e o cerco se fecha... Cavalos, peões, bispo... as torres já estão no campo de visão e os reis (e até uma rainha) se preparam...

Com essa cassação o grupo ganha uma batalha. Essa vitória, no entanto, veio tarde demais e nem foi de cabeça erguida. Para isso, ela deveria ter ocorrido no primeiro semestre do mandato, quando foi dito no artigo "Um assunto leva a outro..." que "Assim as coisas acontecem, fatos históricos se concretizam, sem que muitos entendam, sequer, como, onde, porque e por quem. Mas nada acontece por acaso e é preciso "colocar a coroa sobre a cabeça, antes que o aventureiro se apodere dela".

O fruto só cai da árvore quando apodrece. O ideal, no entanto, é não chegar a esse extremo. O fruto deve ser aproveitado, não desperdiçado! Para isso devemos cuidar da Natureza e tomar cuidado com a natureza humana. A palavra de ordem é construção e reforma faz parte dela. Principalmente quando o assunto é de interesse geral e a consciência cobra ação. De resto, é esperar para ver..." Esperamos e vimos. A natureza humana conduziu para o desfecho, o mandato está terminando - o fruto já não pode ser aproveitado e, finalmente, o aventureiro infiltra-se de mansinho enquanto o sujeito principal suja o prato onde comeu por dois anos e meio sem contestar e o toma, agora, (para comer sozinho? – é o que o povo comenta...).

Aliás, pelo que se comenta nas ruas a respeito da cassação, parece mais que transformaram o réu num mártir "colocando, com isso, azeitona na empada do Quico". Algo parecido já aconteceu em outra eleição, envolvendo o Sindicato, quando essa frase foi usada pelo Nêgo. Depois, deu no que deu... Atacar é a melhor defesa, mas se o tiro sair pela culatra... Muito se faz por conta de eleição; mas muita eleição se perde, também, por conta disso! Inclusive, o Sócrates disse, durante a Sessão, que não havia, ali, nenhuma perseguição política. Quem muito explica, se complica...

Uma semana de governo e as mudanças na Assessoria nos dá, já, uma mostra do que podemos perceber no rateio dos despojos do crucificado. Angelino, Galo e Paulo Miranda indicariam o sub-prefeito para o Distrito. Ney teria passado rasteira nos três indicando Cardosinho; além do João Batista (Educação) e Marcelo da EMPA (casado com a prima do Ney) (Obras) – e isso já está dando o maior ba-fá-fá... Zezé do Bisca, que já teria sido exonerado, retornou ao cargo após intervenção de um vereador do PL. Solange Wuo foi exonerada e seu marido recebeu acréscimo salarial para ficar tudo em família, a título de contenção de despesas... que teria a ver uma coisa com a outra? Prof. Cido foi remanejado de uma área onde seu trabalho mais se destacava para outro local – a título de que e por indicação de quem; seria do Dep. Godim? Eng. Ailton assume a pasta da Rosana – normal! É, por enquanto, o que se comenta; mas logo saberemos do restante... Vejamos quantos agüentam até o final do restinho de mandato. Até porque, dentro de poucos meses começa a próxima corrida e em ninho onde só tem cobras... Pequena amostra do que se passa nos labirintos do Poder - onde nada acontece por acaso!

A guerra continua e cada batalha é um caso a parte. Muita água ainda vai rolar sob a ponte e a sujeira acumulada nas margens irá de roldão quando a enxurrada chegar! Muito telhado de vidro ainda vai se quebrar e coisas mais sérias acontecerão... A disputa política em Salesópolis deixou de ser, apenas, entre as tradicionais famílias Camargo e Wuo. Famílias outras se manifestam e algumas vêm, realmente, com muita sede ao pote e não permitirão, se puderem, que nada atravesse seu caminho impunemente. As autoridades competentes terão, pelo jeito, muito trabalho pela frente... Que o fato de Biritiba Mirim não se repita aqui. Mas ninguém poderá evitar, se isso tiver que acontecer, porque contra as bestas humanas não há, infelizmente, o que se possa fazer. A menos que a polícia tome, antecipadamente, as devidas providências. Mas duvidamos, sinceramente, que isso ocorra onde só se coloca tranca depois da casa arrombada e se cria lobo com pele de cordeiro para enganar até o pastor.

Os leões já estão na arena! E o povo, ou seus representantes mais genuínos, entregue às feras...

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 26/10/2009
Reeditado em 29/10/2009
Código do texto: T1888007
Classificação de conteúdo: seguro