O mercado de Trabalho para os Assistentes Sociais Masculino no Estado do Amazonas

Resumo

Este artigo aborda o retrospecto histórico no contexto das ações do Serviço Social, para

marcar a repercussão do trabalho masculino nesse espaço de lutas, divergências, mas

também novas possibilidades e perspectivas. Seu desenvolvimento teve como objetivo geral,

refletir sobre a trajetória do Serviço Social tomando como referência a participação

masculina no seu desenvolvimento como categoria profissional, e como objetivos específicos,

expor a gênese e desenvolvimento do Serviço Social, identificando os momentos mais

importantes da sua consolidação como profissão; abordar a questão de gênero e sua

repercussão e desenvolvimento do Serviço Social e refletir sobre os limites e possibilidades

de atuação do profissional do sexo masculino levando em conta esta trajetória que permite

identificar seu caráter de profissão que está continuamente redefinindo a si mesma. O estudo

demonstra que as mudanças que, no plano teórico-metodológico e prático, têm marcado a

profissão, influenciado o modo como Assistente Social é visto e como se percebe enquanto

profissional, fatores que contribuem para a menor presença do homem no Serviço Social.

Demonstra que novas possibilidades de inserção e atuação do Assistente Social masculino

dependem do resgate da profissão num aprofundamento das bases de ação e superação das

limitações inerentes ás diferentes mudanças que têm repercutido no espaço de atuação da

categoria.

Palavras-chave: Serviço Social; Gênero; Trabalho.

1. Introdução

Sabe-se que historicamente a profissão de Assistente Social foi construída basicamente

para o sexo feminino, e nessa trajetória destacaram-se formas de organização social do

trabalho que estabeleceram sua identificação com os valores associados à feminilidade, de tal

forma que a figura do profissional remete de imediato à mulher.

O estudo ora apresentado lança um olhar sobre os diferentes momentos da profissão,

no contexto da sua origem e afirmação enquanto prática integrante da divisão social do

trabalho. Nessa perspectiva, o Assistente Social masculino aparece como elemento

dissonante, estranho mesmo no contexto das idéias e princípios que orientaram a

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desenvolvimento do Serviço Social e que reproduzem as mesmas bases de organização da

vida social, sob a orientação da divisão sexual de papéis que tem definido os espaços de

atuação e trabalho de homens e mulheres.

Nesse sentido, o presente estudo constituiu também um desafio, pela pretensão de

tratar de uma temática ainda pouco explorada, embora rica em materiais pelos sentidos e

significados relativos à presença masculina num espaço de trabalho socialmente definido

como feminino.

Definiu-se assim como objetivo geral da pesquisa, refletir sobre a trajetória do Serviço

Social tomando como referência a participação masculina no seu desenvolvimento como

categoria profissional.

Seus objetivos específicos foram expor a gênese e desenvolvimento do Serviço Social,

identificando os momentos mais importantes da sua consolidação como profissão; abordar a

questão de gênero e sua repercussão no desenvolvimento do Serviço Social e refletir sobre os

limites e possibilidades de atuação do profissional do sexo masculino levando em conta esta

trajetória que permite identificar seu caráter de profissão que está continuamente redefinindo

a si mesma.

Com relação à metodologia utilizada, a coleta de dados implicou na seleção prévia de

obras para subsidiar o estudo proposto. Para o seu desenvolvimento, foram adotados os

procedimentos apresentados por Minayo (2001), constituindo referência para melhor subsidiar

as ações e garantir a consistência das atividades conforme as exigências científicas,

destacando-se como momento importante o emprego da técnica da leitura Salvador (1986).

Também teve embasamento em pesquisa de campo, realizada com 05 Assistentes Sociais

masculinos, sendo utilizado como instrumento de coleta de dados um formulário de

entrevista.

O trabalho teve como orientação o método crítico-dialético, considerando que permite

pensar as contradições da realidade enquanto movimento, conjunto de relações e interações

onde podem ser destacadas idéias, conceitos, categorias enquanto referências para a

compreensão do real (SEVERINO, 1993).

A temática abordada neste trabalho é atual, envolvendo questões que marcam a

contemporaneidade do Serviço Social, particularmente quanto ao trabalho do Assistente

Social masculino e seu espaço de atuação nesta categoria profissional.

2. Breve Histórico do Serviço Social no Brasil

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Segundo Iamamoto e Carvalho (2004), para situar o significado e origem da

profissão do Serviço Social, é preciso primeiro apreender o significado do movimento

no qual se estruturam as relações sociais que caracterizam o modo específico da

produção capitalista.

Desse modo, o momento de constituição da profissão inscreve-se num contexto

histórico em que se apresentaram diversas requisições

A profissionalização e o desenvolvimento do Serviço Social são fruto do padrão de

desenvolvimento do pós-guerra, sob a hegemonia norte-americana, tencionado pela

guerra fria, ante as ameaças comunistas. Esse padrão de desenvolvimento de marca

um largo ciclo expansionista da economia internacional, sob a liderança do setor

industrial (IAMAMOTO, 2004, p. 29).

Nesse cenário, a profissionalização do Serviço Social veio responder a uma dinâmica no

campo econômico, cujas repercussões para a categoria se apresentaram como um momento de

redefinição do modo de trabalho e seus propósitos, que haviam sido delineados durante o seu

surgimento.

Retrocedendo às origens, o Serviço Social no Brasil constituiu-se, num primeiro

momento, como a expressão de uma articulação da Igreja Católica e das classes abastadas da

sociedade, num projeto social orientado por objetivos definidos num plano idealista e pelos

valores cristãos da caridade e justiça, onde ganhou força a atuação da mulher pois foram

senhoras católicas da alta sociedade que se envolveram com o trabalho social desenvolvido

pela Igreja, destacando-se a Associação das Senhoras Brasileiras (1920), fundada no Rio de

Janeiro, e a Liga das Senhoras Católicas (1923) criada em São Paulo (IAMAMOTO;

CARVALHO,. 2004).

Segundo esses autores, nessas associações teve início um trabalho mais sistemático de

intervenção social, pautado não em ideais e valores religiosos, mas em ações planejadas,

financiadas com recursos do Estado. Nota-se, igualmente, a natureza essencialmente feminina

na militância desses movimentos organizados.

Não se tratava de uma mobilização de caráter puramente idealista, uma vez que se

fazia presente num cenário socialmente conturbado, marcado pela organização do

operariado nacional, que nas décadas anteriores já havia mostrado sua força e presença

pela realização de greves e ações de enfrentamento do capitalismo nacional. Suas

reivindicações crescentes evidenciavam o agravamento do confronto entre os interesses

dos detentores dos meios de produção, e dos trabalhadores que exigiam melhores

condições de vida.

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Em decorrência, esses movimentos tornaram visível a “questão social1 e a

necessidade de procurar soluções para resolvê-la, senão minorá-la” (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2004, p. 166).

De acordo com Iamamoto e Carvalho (2004), nesse cenário passou-se

progressivamente de ações isoladas e caritativas, sob iniciativa de grupos ligados à Igreja

Católica, para ações mais decisivas na mediação das demandas dos trabalhadores.

Isso ocorreu quando o Estado se colocou como mediador dos conflitos sociais

buscando, com a oferta de algum tipo de atendimento ao operariado, evitar a eclosão de

conflitos, preservando o modelo de produção capitalista a ele associado a partir de formas

de controle social eficazes.

A Ação Social Católica, por exemplo, desenvolveu intenso trabalho junto ao

operariado, tendo por base diretrizes e sistemáticas de ação, afirmando Iamamoto e

Carvalho (2004, p. 169) que o “seu núcleo articulador partia da consciência de vivenciar

um período de profundas transformações políticas e sociais e da necessidade de intervir

nesse processo a partir de uma perspectiva ideológica e de uma prática hegemônica.”

Enquadrava-se assim a atuação desse movimento no contexto da intervenção na

questão social sob a ótica do capital, ou seja, visando eliminar a força reivindicatória das

massas populares por intermédio da assistência planejada e de mecanismos de inserção da

população nesse trabalho a partir de conhecimentos e formação especializada.

A mesma diretriz foi seguida pelo movimento populista do governo Vargas, que

substituiu a elite cafeeira e agrária, então o suporte do Estado brasileiro. A partir de

1930, instalado no poder, estabeleceu uma nova orientação ao governo, voltando-se para

os grupos que o apoiavam, isto é, industriais e empresariado. Foi o início de um

processo de modernização de base industrial e estímulo ao mercado interno, que por sua

vez definiu a orientação do trabalho na área social e firmou a figura do Assistente Social

como profissional.

O primeiro momento importante foi a criação do Centro de Estudos e Ação Social

de São Paulo (CEAS), em 1932, que tinha como objetivos dar à ação social um caráter

científico, envolvendo uma intervenção planejada, menos idealista e mais próxima da

realidade por meio de seu conhecimento e da construção dos instrumentos de

intervenção.

1 A questão social pode ser entendida como “expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe

operária e do seu ingresso no cenário da sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do

empresariado e do Estado” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2004, p. 77).

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Também nesse momento de definição das bases de atuação do Serviço Social,

aparece a mulher como figura central no atendimento à população, sendo realizado pelo

CEAS o “Curso Intensivo de Formação Social para Moças” (IAMAMOTO; CARVALHO,

2004).

Nesse cenário, surgiu em 1936 a primeira Escola de Serviço Social, momento que se

estabeleceu um processo formativo e a profissionalização da categoria, o que permitiu a

tender às requisições do Estado no intuito de desenvolver projetos e programas orientados

para a Assistência Social.

Nas décadas subseqüentes, o Serviço Social constitui-se em categoria profissional

fundada em políticas públicas marcadas pela trajetória de um Estado cada vez mais

voltado para a regulação da vida social, o que determinou uma atuação profissional a

partir de instituições públicas sobretudo, de caráter pontual, fragmentado.

As empresas também passaram a incluir o Serviço Social, como forma de responder

às demandas dos seus empregados, mas também neste caso a atuação profissional estava

condiciona às estratégias de mediação das demandas dos trabalhadores, num sentido de

acomodação, sem real intenção de mudança em sua condição. Como observa Yazbeck

(1999, p. 93), o Serviço Social atua

[...] como mediador, obtendo legitimidade no conjunto de mecanismos reguladores,

no âmbito das políticas sócioassistenciais, desenvolvendo atividades e cumprindo

objetivos que lhe são atribuídos socialmente e que [...] ultrapassam sua vontade e

intencionalidade.

Para Netto (1998) o Serviço Social se articula em torno de estratégias que visam

impedir a emergência e consolidação de forças contestadoras no interior da sociedade, daí

o recurso ao assistencialismo e a políticas que buscam reproduzir situações de

dependência e sujeição às ações sociais por ele desenvolvidas.

Essa orientação iria se manter até os anos 50, momento em que um novo projeto

político-ideológico tomou forma no Brasil, o desenvolvimentismo, na visão de uma

mudança estrutural que permitiria a superação do atraso nacional.

Preconizava-se para o Serviço Social um papel importante, na conscientização e no

desenvolvimento de projetos locais favorecendo a modernização com a inserção da parte

atrasada do país a uma integração nacional.

Nesse momento, o Serviço Social privilegia a atuação profissional junto à comunidade

considerando a “necessária remoção de obstáculos e solução dos problemas [da comunidade]

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para elevação das massas subdesenvolvidas.”(GUEDES, 2005, p.138) e sua integração à

harmônica sociedade.

Chamado a atuar num projeto nacional de desenvolvimento, o Serviço Social

adotou essa visão estrutural da sociedade, o que não impediu que setores da categoria

pudessem colocar em questionamento essa ótica da questão social.

Essa postura ocorreu paralelamente ao chamado movimento da reconceituação latinoamericana,

com repercussões no Brasil, com perspectiva crítica sobre a metodologia,

objetivos e conteúdos da formação profissional. A proposta que surgiu foi a necessidade de

superar a prática profissional atrelada aos interesses de grupos dominantes, buscando-se

novos caminhos teórico-metodológicos (NETTO, 1998).

Nesse contexto, a visão funcionalista e a perspectiva de integração das classes

“atrasadas” para que todos pudessem contribuir para o desenvolvimento nacional, foi

substituída pela consciência política dos profissionais do Serviço Social.

Percebeu-se que o verdadeiro objeto da prática não era responder às demandas do

Estado, mas aos problemas estruturais da sociedade, a partir de um novo modo de fazer e

pensar, caracterizando a renovação do Serviço Social (NETTO, 1998).

Definiu-se assim , também nos anos 60, uma visão crítica do conservadorismo e o

compromisso do Serviço Social com uma verdadeira transformação da sociedade. Todavia,

com o início da ditadura militar, em 1964, definiu-se um outro caminho, chamado de

modernização conservadora, que nada mais era do que um esforço na constituição de técnicas

e métodos de intervenção para atender às estratégias de desenvolvimento sob a ótica dos

grupos que tomaram o poder.

Foi nesse período que ocorreram os Seminários de Teorização de Araxá (1967) e

Teresópolis (1970), quando se procurou renovar as bases metodológicas do Serviço Social

para superar as práticas tradicionais. Foi o momento da emergência de propostas que se

diziam modernizadoras, todavia, não houve rupturas significativas que pudessem caracterizar

maior autonomia do Serviço Social.

Assim, apesar de definir-se uma nova tendência teórico-metodológica , na prática o

Serviço Social apoio o novo regime sem contestação como observa Netto (1998, p. 154) ao

falar da perspectiva modernizadora, afirmando que “o núcleo central desta perspectiva é a

tematização do Serviço Social como interveniente, dinamizador e integrador, no processo de

desenvolvimento”, o que significou, na prática, que esta concepção aceitou de forma

inquestionável a ordem sociopolítica dos militares.

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Mas ainda no regime militar surge uma outra corrente, voltada para a reatualização

do conservadorismo, valorizando a produção teórica, rejeitando os postulados teóricometodológicos

de base positivista anteriores, visando uma compreensão da sociedade com

vistas ao desenvolvimento de uma intervenção voltada, sobretudo, para o indivíduo, e não

para um todo genérico.

Porém , no entender de Netto (1998), isto resultou em uma abordagem

assistencialista, já que o esforço de reatualização fez-se com base no estreitamento das

relações com as classes dominantes e no contexto das políticas e estratégias estatais

baseadas em um paternalismo que buscava amplo apoio popular ao regime militar.

Foi somente com a corrente da intenção de ruptura, baseada numa crítica sistemática

ao trabalho tradicional do Serviço Social e aos seus fundamentos teóricos e

metodológicos, impulsionada primeiramente no campo acadêmico, que se apresenta uma

crítica à organização político-econômica nacional, resgatando-se o sentido da atuação do

Assistente Social quanto a suas responsabilidades para responder às requisições da

sociedade como um todo.

Conforme Netto (1998, p. 159)

Na sua evolução e explicitação, ela recorre progressivamente à tradição

marxista e revela as dificuldades da sua afirmação no marco sociopolítico da

autocracia burguesa: sua emersão inicial (configurada no célebre “Método Belo

Horizonte”), na primeira metade da década de setenta, permaneceu longos anos

um signo isolado.

Verifica-se então, a partir dos anos 80, uma trajetória do Serviço Social marcada

pelo debate sobre seus rumos, no processo de mudanças políticas que culminou com o fim

da ditadura. A profissão acompanha as novas tendências e busca responder aos desafios de

um trabalho social no contexto das transformações sociais, políticas e econômicas

contemporâneas.

Torna-se evidente a necessidade da atualização profissional, de novas estratégias e

procedimentos, assim como de uma posição mais autônoma da categoria para aproximar-se da

sociedade e contribuir para as mudanças que a população reivindicava e que constituíam a

expressão de uma questão social até então não enfrentada.

Em 1986, foi instituído o novo Código de Ética Profissional do Serviço Social, dando início

aos debates sobre os rumos da profissão, definindo-se o compromisso ético com a superação do

conservadorismo, para concretizar a emancipação dos indivíduos, enquanto projeto

voltado para a construção de uma ordem social baseada na ampliação e efetivação da

cidadania (BONETTI et al., 1996).

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Esse momento definiu a busca da legitimidade do Serviço Social frente à sociedade,

estabelecendo de forma expressa um compromisso com a busca de mudanças concretas na

realidade social injusta e historicamente excludente.

A afirmação desse compromisso e dos princípios orientadores das práticas no campo

teórico-metodológico tornou-se o foco dos debates nesse período. Segundo Iamamoto

(1998, p. 141) ficou manifesta a necessidade de

[...] reconhecer a liberdade como valor ético central, o que implica desenvolver

o trabalho profissional para reconhecer a autonomia, a emancipação e plena

expansão dos indivíduos sociais, reforçando princípios e práticas democráticas,

devendo desdobrar-se na defesa intrangisente dos direitos humanos, o que tem

como contrapartida a recusa do arbítrio e de todos tipos de autoritarismo.

Nos anos 90, aprofunda-se a reflexão sobre a prática sob influência das teorias

marxistas. Debates, congressos e um intenso diálogo entre os profissionais levam a novas

formas de pensamento sobre a prática do Serviço Social, um processo que tem continuidade

diante de grandes transformações que redefinem o campo de trabalho do Assistente Social e

tornam mais relevante seu objeto: as expressões da questão social (FALEIROS, 2000).

Na contemporaneidade, os desafios que se apresentam para a profissão ocorrem no

espaço de novas modalidades de produção e reprodução social da força de trabalho. Segundo

Sarmento (2000, p. 101):

As mudanças históricas que estão hoje alterando a divisão social e técnica do

trabalho materializados em mudanças nas relações Estado/sociedade e nas formas

de organização e gestão do trabalho, afetam diferentes especialização do trabalho

coletivo, inclusive o serviço Social.

Portanto, cabe ao Serviço Social posicionar-se frente a essa realidade dinâmica, onde se

apresentam novas tendências políticas, sociais, materiais e culturais, com reflexo sobre a

atuação do Assistente Social, que precisa acompanhá-las e desenvolver novas estratégias para

sua prática.

Faleiros (1996, p. 11) sintetiza os desafios e perspectivas para a profissão,

observando que

As considerações que, hoje, se podem fazer sobre o Serviço Social situam-se dentro

dos limites do próprio capitalismo e das mudanças que se vêm impondo nessa fase

de desenvolvimento de nova forma de acumulação, assentada no capital financeiro,

na globalização, na revolução trabalho/emprego, aos seguros sociais, à

universalização das políticas sociais e ao modelo organizacional de gestão de

serviços sociais, que inclui a privatização e a terceirização.

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O cenário é marcado nesse momento pela reestruturação produtiva, quer dizer, uma nova

forma de produção e de organização do trabalho que marca uma nova fase do

capitalismo mundial. Trata-se de um processo de modernização de base tecnológica,

onde também se insere um novo discurso por parte do capital.

A reestruturação produtiva é uma nova forma de acumulação capitalista, voltada

para o corte de custos, inclusive com mão-de-obra, buscando na modernização

tecnológica a possibilidade de produzir mais com menos trabalhadores. Também se

baseia em novas formas de organização do trabalho, por meio de técnicas que exigem

qualificação e treinamento constantes, tornando-se requisito para o mercado de trabalho a

formação educacional e conhecimentos diversificados (POCHMAN, 1999).

Nesse cenário, os trabalhadores perdem força, pois o uso de tecnologias na produção

reduz a dependência do elemento humano. Além disso, as empresas ampliam suas bases de

atuação, com a abertura e integração das economias mundiais, sendo mais fácil se transferir

para onde os custos são menores, o que aumenta a ameaça do desemprego .

Ganhou força nesse contexto de mudanças que ameaçam o trabalhador, o discurso da

solidariedade social e a emergência do chamado Terceiro Setor, envolvendo entidades nãogovernamentais,

o voluntarismo e outras formas de organização do trabalho na área social

sob iniciativa privada, redefinindo o espaço de ação do Serviço Social, que vê o mercado de

trabalho ser reduzido tanto na esfera pública, como privada (MONTAÑO, 2002).

Cumpre destacar nesse cenário contemporâneo de emergência de limites para a

profissão, a questão de gênero e seu reflexo para o trabalho do homem no Serviço Social.

3. Gênero, Papéis sociais e Sexuais: Repercussões no Mundo do Trabalho

Não se pode confundir gênero com diferença biológica que caracteriza a identidade

sexual, distinguindo-se entre macho e fêmea. As diferenças entre homens e mulheres não se

reduzem, portanto, a um conjunto de características físicas que definem supostas naturezas

distintas para cada sexo.

Essas naturezas ou características atribuídas a homens e mulheres são uma construção

cultural, ou seja, é um produto social que dá forma aos gêneros. Como conceitua Saffioti

(2001, p. ) “A construção do gênero pode, pois, ser compreendida como um processo infinito

de modelagem conquista dos seres humanos, que tem lugar na trama de relações sociais entre

mulheres, entre homens e entre mulheres e homens.”

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Portanto, o gênero é produto de construção social e histórica, e a distinção entre homens

e mulheres não é uniforme, mas muda ao longo da história, em diferentes regiões e

sociedades.

O gênero, como explica Saffoti (2001) tem relação com valores atribuídos a mulheres e

homens, e com padrões de comportamento associados a esses valores, transmitidos pelas

instituições sociais (família, escola).

Esses valores se definiram historicamente, ao longo do processo de organização da vida

familiar e social. Desta forma, Saffioti (2001) aponta para a formação de uma identidade

social baseada em papéis, ou atribuições, para homens e mulheres.

De acordo com essa autora, o papel de cuidadora do lar derivou da estruturação da

família com a mulher exercendo sua função de mãe e de responsável pelos afazeres

domésticos.

Desse modo, no processo histórico de estruturação da família patriarcal, o homem

assumiu o poder exclusivo de mantenedor do grupo familiar e, no contexto da divisão social

do trabalho no regime capitalista, separando o espaço da produção da reprodução, restrita à

família, definiu-se de forma precisa o papel de responsável pelo trabalho fora do espaço

doméstico, definindo-se definitivamente as atribuições de cada sexo.

O que se verifica é que essa diferenciação é apontada como algo natural, o que justifica

e reforça o poder masculino como afirma Saffioti (2001, p. 11):

É de extrema importância compreender como a naturalização dos processos

socioculturais de discriminação contra a mulher e outras categorias sociais constitui

o caminho mais fácil e curto para legitimar a “superioridade” dos homens, assim

como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos.

A naturalização dos papéis sociais envolve, portanto, a negação do gênero como

construção social que se desenvolve ao longo de determinados processos no decorrer da

história.

Como comenta Saffioti (2001, p. 11), “Quando se afirma que é natural que a mulher se

ocupe do espaço doméstico, deixando livre para o homem o espaço público, está,

rigorosamente, naturalizando um resultado da história” (SAFFIOTI, 2001, p. 11,

Definem-se então os papéis e respectivas condutas para homens e mulheres, a partir de

parâmetros ou referências para a identidade do gênero. Desse modo, estabelece-se o

estereótipo dominante masculino, com características atribuídas à pretensa diferença das

naturezas, masculina e feminina.

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Nesse contexto, o homem é dotado de personalidade agressiva e competitiva,

intransigência, dureza e firmeza, ao passo que para a mulher os referenciais de conduta são

baseados na docilidade, passividade, cordialidade e sentimento materno (SAFIOTTI, 2001).

Transpondo essas características para o campo sexual, definem-se também formas

específicas de posição para homens e mulheres, afirmando essa autora que o homem

[...] ocupa a posição de marido, companheiro, namorado, cabe-lhe, segundo a

ideologia dominante, a função de caçador. Deve perseguir o objeto de seu desejo,

da mesma forma que o caçador persegue o animal que deseja matar. Para o

poderoso macho importa, em primeiro lugar, seu próprio desejo. Comporta-se, pois,

como sujeito desejante em busca de sua presa. Esta é o objeto de seu desejo. Para o

macho não importa que a mulher objeto de seu desejo não seja sujeito desejante.

Basta que ela consinta ser usada enquanto objeto (p. 18).

Observa-se então, que os papéis sexuais também são construídos em torno do gênero,

onde se fazem igualmente presentes a diferença e, com ela, a idéia da subordinação

feminina ao masculino.

Para Saffioti (2001)

A construção social da supremacia masculina exige a construção social da

subordinação feminina. Mulher dócil é a contrapartida de homem macho. Mulher

frágil é a contraparte de macho forte. Mulher emotiva é a outra metade de homem

racional. Mulher inferior é a outra face da moeda do macho superior (p. 29).

Por conseguinte, contrapondo-se à imagem do homem macho, viril, forte e superior,

situa-se a mulher como ser frágil, dócil, dependente, inferior, presa às emoções ao passo

que ao homem atribui-se a racionalidade.

O gênero define também os papéis sexuais, como uma forma de controle social

sobre os corpos de homens e mulheres. Observa-se então que o gênero também se reflete

em limites e possibilidades de expressão da sexualidade, onde os papéis dos homens se

sobrepõem igualmente aos das mulheres.

Saffioti (2001) analisa o poder do macho nessa perspectiva da sexualidade, identificando

a mulher não na condição de sujeito do desejo masculino, mas como mero objeto, numa relação

de sujeição em que o papel socialmente valorizado é o da procriação, da submissão à vontade

do macho que não é determinada efetivamente pelo indivíduo, mas socialmente estabelecida e

que nega à condição feminina um papel ativo, atribuído ao homem.

Os papéis sexuais definem assim uma perda de autonomia para a mulher, que se

estende para outros espaços. A mulher, na sua função procriadora, destinada à

maternidade, deve se manter casta, afastada do espaço social, “preservando-se” na

intimidade do lar. Os papéis sexuais negam a ela, portanto, a possibilidade de uma vida

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sexual ativa, como algo que é inerente a sua condição feminina, ao contrário do homem.

Ao assumir esses papéis, deixa de assumir uma postura ativa, capaz de escolhas e sujeito

de desejo, tendo sua sexualidade definida pela ótica e pelo poder dos homens.

Esses papéis se confundem com a diferenciação de gênero que remetem à construção

social de espaços de domínio e sujeição, onde se define a subordinação da mulher no

campo sexual. Freire (1990) retrata o papel da mulher negra no período da escravidão,

tendo o papel não somente de trabalhadora, mas também de objeto sexual dos seus

senhores e filhos. Identifica assim uma vitimização no sistema econômico e no modelo

familiar onde deve responder pelas tarefas domésticas e atender aos impulsos sexuais do

patriarca ou de sua prole masculina.

Freire (1990) deixa explícita a relação entre o empreendimento colonizador e a potência

do macho que emergiu como fundamento da conquista das terras brasileiras, impondo-se aos

indígenas e encontrando nessa relação de poder e subordinação um campo fértil para a própria

sexualidade como expressão de domínio masculino tendo como alvo as índias.

Esse autor observa que os colonizadores portugueses, ao aportarem nas terras

brasileiras, deparavam-se com os corpos nus das índias, num ambiente de “quase intoxicação

sexual”, onde nem mesmo os religiosos podiam resistir ao contágio dessa devassidão (p. 209).

Portanto, mais que vangloriar o poderio masculino, a virilidade do colonizador vai além

da dimensão biológica do sexo, para deixar em evidência a relação entre homens e mulheres

mediada por valores relacionados ao gênero que penetram no espaço socio-econômico.

Ao retratar a questão das relações de poder, do senhor, e de subordinação, da mulher,

índia ou escrava, aponta para a diferenciação do gênero que historicamente foi construída de

maneira a ampliar e reforçar a dominação ao entrelaçar-se, também, com a questão racial, o

que continua ainda hoje pela permanência das relações de poder na organização da vida

social. Por isso afirma Saffioti (2001, p. 16) que “a supremacia masculina perpassa todas as

classes sociais, estando também presente no campo da discriminação racial. Na sociedade

brasileira, a ultima posição é ocupada por mulheres negras e pobres”.

Portanto, as relações sociais entre homens e mulheres nessas condições tornam-se

desiguais, base para o exercício do poder masculino, condição que vai além das relações entre

macho e fêmea, pois também se estende para as relações de classe e de raça como afirma

Saffioti (2001). Para essa autora, a inferiorização da mulher é essencial às relações desiguais no

trabalho em proveito do homem, uma vez que “quanto mais discriminada uma categoria social,

tanto mais facilmente ela se sujeitará a trabalhar em más condições e por baixos salários”.

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No campo do trabalho, as distinções de gênero também se fazem observar, delimitando

os espaços possíveis de ação e produção social. Como afirma Saffioti (2001, p. 8)

A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da

atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas

diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante precisão, os

campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos

em que pode atuar o homem.

Observa-se então que o espaço do trabalho reproduz as relações de poder e diferenças

entre homens e mulheres, tornando visível a construção histórica e social das diferenças e os

discursos que sobrepõem o poder do macho sobre a fêmea, ao mesmo tempo em que criam

categorias e condições sociais diferenciadas.

Remetendo a Saffioti (1979, p. 30):

[...] sendo o trabalho o momento privilegiado da práxis por sintetizar as relações dos

homens com a natureza e dos homens entre si, constitui a via por excelência através da

qual se procede ao desvendamento da verdadeira posição que as categorias históricas

ocupam na totalidade dialética da sociedade capitalista e das relações que elas mantêm

entre si e com o todo social no qual se inserem. Mesmo que, aparentemente,

determinado contingente populacional seja marginalizado das relações de produção em

virtude de sua raça ou de seu sexo, há que se buscar nas primeiras (relações de

produção) a explicação da seleção de caracteres raciais e de sexo para operarem como

marcas sociais que permitem hierarquizar, segundo uma escala de valores, os membros

de uma sociedade historicamente dada

Deve-se observar que no contexto da manutenção de uma força de trabalho dócil,

submissa, desvalorizada em proveito do capital, como ocorre com as trabalhadoras

femininas, também se constrói uma estrutura de continuidade das idéias e valores que

fundamentam essa estrutura social.

Para Iamamoto (2004), com relação à reprodução das relações sociais, estas

dependem de um conjunto ideológico que dá suporte e mantém a diferenciação e relações

de poder na vida social, constituindo “formas de consciência social: jurídicas, religiosas,

artísticas ou filosóficas, através das quais se toma consciência das mudanças ocorridas nas

condições materiais de produção envolvendo o cotidiano da vida em sociedade” (p. 72).

Compreende-se então que o poder do macho não decorre de características naturais

que definem diferenças entre homens e mulheres, pelo contrário, estas só se constituem a

partir de situações ou condições históricas, onde papéis sociais, sexuais e de trabalho são

elaborados dando forma a um sistema de dominação e exploração em benefício do

homem, ao mesmo tempo que nega à condição feminina a autonomia e a possibilidade de

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exercício autônomo da vontade, em formas de sujeição que têm determinado as

possibilidades de ação e expressão da mulher.

Oportuno abordar nesse contexto, a posição masculina no plano dessa divisão social

do trabalho, mais especificamente do Serviço Social enquanto categoria profissional.

4. O Trabalho do Assistente Social Masculino: uma Reflexão sobre a Prática

Profissional no Amazonas

4.1 O Serviço Social no Amazonas: Uma Retrospectiva

Quando se aborda a gênese e desenvolvimento do Serviço Social no Amazonas,

observa-se que sua trajetória acompanha a mesma dinâmica histórica da categoria no

Brasil.

Assim, de acordo com Costa (1998), o Serviço Social no Amazonas teve início nos

anos 40, envolvendo atividades em resposta às estratégias do Estado que requisitaram a

profissão para o atendimento à população no plano assistencial.

No Amazonas as demandas eram expressivas, diante da crise econômica que

assolava o Estado desde o fim do ciclo econômico da borracha, determinando uma

decadência econômica e um agravamento da questão social, marcada pela miséria, pelo

desemprego e pela decadência dos serviços essenciais (saúde, educação, entre outros).

A Escola do Serviço Social, fundada por André Araújo em 1940, surgiu no

contexto de formação da Divisão de Serviço Social do Estado do Amazonas, buscando

responder às requisições da ação social planejada e sistemática, mas que se configurava

num sentido de intervenção imediata, sem questionar ou transformar a realidade, pois

não se coloca em jogo as forças sociais e os fatores determinantes da questão social.

Segundo Costa (1998), organizou-se o Serviço Social com base em uma visão

positivista, quer dizer, pressupondo a intervenção planejada, sistemática, como forma de

ajustar os indivíduos à sociedade, concebendo o conhecimento e a técnica do

profissional como base para um progresso moral, sendo vista a pobreza não enquanto

produto de forças e relações sociais, mas como um problema individual a ser tratado

como tal.

Ainda de acordo com o autor acima, a trajetória do Serviço Social foi marcada, no

Amazonas, pela pouca participação masculina, observando ser muito inferior às

mulheres o número de homens formados para o exercício da profissão. Conclui não ser

uma visão social discriminatória, baseada na idéia de que ser Assistente Social é

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atribuição da mulher, o fator determinante para que a profissão seja marcadamente

feminina.

Todavia, quando se adentra na questão de gênero, é possível vislumbrar outras

compreensões sobre a presença masculina no Serviço Social, o que motivou o presente

estudo e a pesquisa de campo a seguir relatada.

4.2 A Presença Masculina no Serviço Social do Amazonas

A pesquisa de campo, realizada com 05 Assistentes Sociais masculinos, com

emprego de formulário de entrevista, permitiu obter dados significativos envolvendo seus

relatos, para compreender suas perspectivas quanto à atuação do trabalhador masculino

nesta categoria profissional.

Com relação à motivação para a escolha da profissão, as respostas dos entrevistados

são elucidativas para compreender a visão pessoal sobre a categoria:

“Já trabalhava com o público, pesquisei o curso e relacionei o meu cotidiano

com a mudança...” (Entrevistado 1).

“Escolhi a profissão por ser uma área que se preocupa com as necessidades

humanas.” (Entrevistado 2);.

“Pelo fato de gostar de me relacionar e contatar as pessoas.” (Entrevistado 3).

“Por considerar que o trabalho como Assistente Social pode ser gratificante,

pois está envolvido com as pessoas e suas necessidades.” (Entrevistado 4).

Identifica-se nessas falas uma perspectiva sobre o Serviço Social como profissão

que envolve uma relação subjetiva entre o trabalhador social e seu objeto. Isso significa

que os entrevistados se posicionam como integrantes de uma categoria, mas também

construindo sentidos e significados quanto ao seu trabalho.

Remete-se ao que afirma Faleiros (1996) quando fala que o Serviço Social dá

sentido ao seu trabalho quando os Assistentes Sociais se percebem como sujeitos

dotados de conhecimento que podem atuar sobre a realidade a partir da visão que

elaboram sobre sua prática.

Observou-se ainda, que alguns dos entrevistados referem-se ao preconceito que

sofrem como trabalhadores em uma categoria profissional predominantemente formada

por mulheres:

“Sofri preconceito sim, tanto pelos colegas de trabalho, como pelos outros

profissionais.” (Entrevistado 1).

“O preconceito existe, é uma questão cultural.” (Entrevistado 2).

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O preconceito, como observa Gofmann (1988) se traduz em uma construção social

criando referências para reportar-se a certas características subjetivas do indivíduo (raça,

sexo, religião, status social) que se tornam critérios diferenciadores, depreciativos e

mesmo de exclusão.

Embora na visão de Costa (1998) a pouca presença do homem no Serviço Social seja

decorrência de uma trajetória histórica, e não questão de preconceito social,.nos relatos

dos entrevistados transparece essa problemática de uma visão social preconceituosa

vivenciada por eles no dia-a-dia.

Desse modo, se o Serviço Social é uma profissão feminina por excelência, em razão

da presença e participação ativa das mulheres na sua formação e desenvolvimento,

também não pode ser negada uma perspectiva social que tende a ver negativamente a

presença masculina nessa categoria profissional, o que marca uma situação de

preconceito.

Observa-se ainda que a inserção masculina no Serviço Social também envolve

demarcações de classe que imprimem significados distintos à escolha da profissão,

depreendendo-se dos relatos dos entrevistados que as oportunidades de profissionalização

ou acesso ao ensino superior não são as mesmas entre estes profissionais, definindo assim

para uns a necessidade de uma formação acadêmica como possibilidade de adentrar no

mercado de trabalho, enquanto que para outros, já possuindo educação superior, essa

escolha deu-se pelo desejo de ampliar conhecimentos e experiências, além das outras

motivações antes apontadas.

Por outro lado, ficou evidenciado que a opção pelo Serviço Social muitas vezes

apresenta-se como uma transitoriedade, frente a novas possibilidades profissionais, que

para os entrevistados se apresentaram como alternativas no intuito de realizar atividades

que consideraram mais valorizadas socialmente:

Remete-se aqui à perda de perspectiva sobre o valor da profissão, abstraindo-se de

uma comparação com outras profissões, o que é algo que tem ocorrido na categoria em

face das mudanças no mercado de trabalho que se refletiram sobre o Serviço Social.

Novas tendências, como a redução do espaço de trabalho no contexto das mudanças

na forma de atendimento às demandas coletivas pela via da privatização do trabalho

social, já comentada, que têm gerado opiniões errôneas sobre a profissão, entendendo-se

que isso significa uma limitação imposta ao Serviço Social e sua desvalorização social

(IAMAMOTO, 2004).

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Dessa forma, compreende-se que a inserção do trabalhador masculino no Serviço Social

tem se situado numa dinâmica de mudanças que caracteriza a categoria como profissão, onde

não é estranha a constante reconfiguração do sentido e significado do trabalho social, numa

trajetória envolvendo diferentes concepções teórico-metodológicas, que historicamente têm

definido os espaços e significados de ação para homens e mulheres, refletindo uma trajetória

comum a outras atividades profissionais no contexto da divisão social e sexual do trabalho.

5. Conclusão

Refletindo sobre a trajetória do Serviço Social, e tomando como referência a

participação masculina no seu desenvolvimento, observa-se que historicamente a mulher

sempre foi uma referência para a identificação social dessa categoria como profissão, em

princípio por ser, desde suas origens, uma área aberta à atuação feminina.

Essa predominância da participação feminina, sob a ótica da questão de gênero e divisão

social e sexual do trabalho, pode ser compreendida, ao se verificar que o trabalho social

envolveu em seus primórdios ações de ordem caritativa, assistencial, filantrópicas, em

princípio amparadas nos valores cristãos da caridade e solidariedade, um espaço

historicamente marcado pela presença feminina provedora. No caso do Serviço Social, a ação

da Igreja Católica deu-se pela via da contribuição das senhoras da elite, e nesse caminho

definiu-se um espaço para o trabalho social feminino.

Num segundo momento, já sob as orientações do Estado, o Serviço Social ganha corpo

como profissão, igualmente voltado para a mulher, também refletindo a visão assistencialista,

mas em um sentido mais técnico e sistemático. Mas a sua atuação junto à sociedade não perde

o sentido de acolhimento, amparo, no contexto assistencialista, valorizando ainda a mulher

como trabalhadora social, o que reflete uma visão coletiva do “ser” feminino e dos seus

atributos, por oposição ao masculino.

Observa-se que, apesar das transformações sociais e da própria concepção de Serviço

Social, repercute ainda na profissão esse olhar que associa a feminilidade à profissão de

Assistente Social.

A pesquisa demonstrou que existe preconceito à presença masculina no Serviço Social,

mas também é preciso considerar a percepção subjetiva dos próprios profissionais,

influenciando sua decisão de optar pela profissão, como também de nela permanecer.

Nesse contexto, mudanças em termos de novas requisições e limites à atuação do

Assistente Social no mercado de trabalho contribuem para uma perda de perspectiva sobre a

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profissão, o que muitas vezes resulta em uma opção por outras atividades no mercado de

trabalho onde os homens percebem oportunidades que, na sua visão, não podem encontrar no

Serviço Social.

Isso remete à possibilidade de maior inserção masculina no Serviço Social, à medida

que a categoria redefine sua forma e espaço de atuação frente às mudanças no mercado de

trabalho e as próprias bases teórico-metodológicas que orientam a prática profissional. A

construção de novos projetos de ação para superar as restrições impostas à categoria pelas

novas formas de divisão social do trabalho, poderá contribuir para que o homem tenha maior

participação, superando-se a questão do gênero e da divisão sexual do trabalho nesse espaço

de ação.

Desse modo, o conhecimento do retrospecto histórico, no contexto das ações do Serviço

Social, permite observar que a repercussão do trabalho masculino nessa categoria profissional

envolve tanto restrições inerentes à forma como se estruturou a profissão, como possibilidades

e perspectivas no contexto das mudanças que, no plano teórico-metodológico e prático,

tornam a profissão dinâmica, histórica e socialmente em evidência por seus objetivos e pelo

significado que pode ser conferido a suas ações.

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Sebastião
Enviado por Sebastião em 27/10/2009
Reeditado em 27/10/2009
Código do texto: T1890050