Pitágoras (4)

Pitágoras (4)

Incrustada no golfo de Tarento, Crotona tinha o viço da construção dórica, a virtude dos atletas dos jogos de Olímpia, a destreza da florescente medicina e mesmo assim talvez só não tenha caído no esquecimento definitivo pela descoberta de uma cripta, em 1917. Esta, a princípio encarada como capela cristã subterrânea e depois avaliada como construção dos tempos de Cláudio (41 a 54 d.C.), ganhou a conclusão de que se tratava mesmo de um templo onde se reuniam membros da seita pitagórica. Crotona, enfim, teve o tempo como próprio avalista e abrigou a “mãe da escola platônica e antepassada de todas as escolas idealistas”.

Alguém certa vez cunhou a frase: “é mais fácil um homem manter o seu caráter do que recuperá-lo”.

Um dos motivos de Pitágoras ter escolhido essa região deve-se ao objetivo de aplicar a doutrina não só aos escolhidos mas sim na educação da juventude como um todo. Sem mencionar que as cidades gregas do golfo de Tarento tinham ares bem mais arejados e por conseguinte liberais, do que as já contaminadas pela demagogia, que mais tarde provocaria o declínio do helenismo.

O Senado de Crotona ou “Conselho dos mil”, reagiu num primeiro instante com hesitação e desconfiança, para não dizer negativamente. O Mestre de Samos percorria os templos e os locais onde haviam agremiações juvenis e pela força de seu verbo conseguia arrancá-los da libertinagem. O Senado convocou Pitágoras, para explicar como ele conseguia “dominar os espíritos”, e o que poderia ter sido para ele uma ameaça transformou-se em oportunidade para pôr em prática suas idéias. Do debate com o Senado saíram as doações dos cidadãos mais ricos para a criação de um instituto.

Simbolismo dos números pitagóricos: um, a razão, dois a opinião, quatro a justiça, cinco o casamento, dez a perfeição, etc.

Vastos pórticos e belos jardins protegidos por uma cerca viva, a porta aberta durante o dia e perto dela a inscrição sob uma estátua de Hermes: Esakato bebeloi! (“Para trás, profanos”), mais ou menos assim pode ser descrito o instituto pitagórico, que em seu ápice foi três coisas ao mesmo tempo: colégio de educação, academia de ciências e cidade modelo.

“Nem toda madeira é própria para esculpir um Mercúrio”, dizia o mestre quando recusava um noviço, que sempre ali chegava ou apresentado por seus pais ou por outro mestre, e que antes de ser finalmente admitido passava por provas e testes.

Pitágoras entendia que a juventude era incapaz de compreender a “origem e o fim das coisas”. E se se debruçassem somente no raciocínio e na dialética, sem o devido senso da verdade, se tornariam “cabeças ocas e sofistas pretensiosos”.

Até o Dia de Ouro, esse senso da verdade começava pelo silêncio e pela observação.

Um dia depois do outro, no caso, porém, “um dia pitagórico”, que começava com o primeiro raio de luz solar, cantava-se hinos e executava-se passos de dança “de caráter masculino e sagrado”, fazia-se abluções, meditava-se e então, sob a sombra das árvores, o próprio mestre ou um de seus intérpretes executava a lição da manhã. O almoço era regido pela frugalidade, a tarde dedicada a práticas esportivas, seguidas ao entardecer por estudos e meditação sobre a lição da manhã. A jornada tinha seu término com a refeição noturna e leitura com comentários.

Dois anos durava a paraskeie (preparação), podendo chegar até cinco.

Mas sequer essa teria inicio, se o noviço não passasse nas provas. Uma delas consistia em deixá-lo uma noite inteira numa caverna, nos arredores da cidade, para ver como ele lidava com as impressões “fúnebres da solidão e da penumbra”. Em outra prova, lhe davam uma lousa e pediam para elucidar um dos símbolos pitagóricos. Eram provas de coragem e moral, e seria difícil imaginá-las com algum teor além desses, sobretudo quando se observa que “Pitágoras havia severamente banido a luta corpo a corpo, dizendo que era supérfluo e mesmo perigoso desenvolver o ódio com a força e a agilidade. Homens destinados a praticar as virtudes da amizade não deviam começar por se esmagar uns aos outros”.

As provas serviam como um pente fino para as reações de falta de amor próprio e de espírito esportivo, principalmente a raiva inicial que se debela em fúria.

Os que não eram convidados a se retirar começavam então a paraskeie. Decorridos dois anos, pensando positivamente, o discípulo era admitido na ordem e iria então almoçar na casa do mestre. Era o Dia de Ouro.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 27/10/2009
Reeditado em 13/02/2013
Código do texto: T1890362
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