Estupidez intolerável na Uniban

Wilson Correia*

No dia 22 de outubro de 2009 uma estudante do curso de Turismo precisou de escolta policial para sair do prédio da Universidade Bandeirante de São Paulo, Capital. Motivo: ela usava um vestido qual uma minissaia, que deixava parte das coxas à mostra, e chegou a ser hostilizada por conta disso. A vestimenta perturbou de tão maneira seus colegas que uma récova deles começou a xingá-la com nomes inapropriados para serem escritos aqui.

No fundo, uma intolerância intolerável (na era da tolerância, precisamos saber que nem tudo é tolerável). Uma estupidez sem tamanho. Estúpido, oportuno lembrar, vem do latim, “stupidus”, e significa “sem inteligência”, “rude”, “grosseiro”, “violento”, “brutal”. O termo deriva do verbo latino “stupere”, que nomeia a perplexidade diante daquilo que não foi analisado e compreendido. O estúpido surge desprovido de inteligência e delicadeza de sentimentos, e se faz desagradável, aborrecido, sem razão de ser, grosseiramente errôneo, mal, mau, covarde, inepto e insano.

Como se vê, a estupidez é uma coisa tão horrenda que fica difícil suportá-la onde quer que seja. Contudo, é mais difícil compreender a razão pela qual ela eclodiu justo em uma universidade, instituição que deve ser e estar aberta ao universo, ao diferente, a quem quer que seja; um espaço onde a informação, o conhecimento e o saber podem e devem ser mobilizados para que o ser humano se humanize sempre e cada vez mais rumo à compreensão, ao mútuo entendimento, ao respeito, à convivência e à companheiridade.

A récua poderia ter julgado a moça na perspectiva estética e, aí, o máximo a que chegaria seria nos limites do gosto: “acho bonito”, “acho feio”, “gosto”, “não gosto”. Porém, tais apreciações ficariam restritas ao âmbito do entendimento. No máximo, chegariam à comunicação interpessoal. No entanto, o magote enveredou pelo julgamento ético: “é mal”, “é mau”. Aí, nazisticamente falando, lançaram toda sorte de impropérios contra a estudante, expulsando-a da universidade, onde todos (todos!) devem ser acolhidos, independentemente de suas condições físicas, econômicas, sociais, culturais e assemelhadas. Machisticamente, chegaram a dizer que “ela provocou”. O simples estar sentada em uma cadeira vestindo um vestido curto pode ser entendido como provocação? E provocação deve ser respondida na mesma medida? (O curioso é que, embora positivo o ato de a polícia proteger a agredida, pouco foi feito para conter os agressores. O gás de pimenta foi no sentido de proteger a moça. Ali, no ato, não vejo nos vídeos ninguém tentando proteger os covardes da própria violência e covardia que demonstravam).

Aliás, medida, equilíbrio, bom senso foram exatamente os norteadores que faltaram no episódio. E não estranha em ocorrências assim o fato exasperador da brutalidade, porque se a inteligência encontra no ignorar a fonte de seus limites, a estupidez, exatamente por não ser qualificada pelo bom senso, termina motivando atitudes, gestos, comportamentos e ações sem limites. Sim, a estupidez, quando quer ser com toda força, nem chega a se tocar para o fato de que existe um ponto que ninguém tem o direito de ultrapassar. Por isso, o que se viu ali na Uniban foi a violência sem a menor justificativa, o linchamento moral gratuito e o inominável, esse acontecimento que a razão sequer tem recursos para nomear.

Daí os gritos! E Wilde estava certo: “O povo grita contra o ‘pecador’, e, todavia, não é o pecador, mas o estúpido, que é a nossa vergonha. Não há outro pecado além da estupidez”. Não, Wilde, não há! E ali não havia nem pecado nem pecadora. Havia, sim, um ser humano, uma mulher. Logo uma mulher? “A mulher perdoa a fealdade, os cabelos brancos e até as doenças repugnantes; mas o que nunca perdoa é a estupidez” (Paolo Mantegazza). Tomara que assim seja!

“Contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão”, disse Friedrich Schiller, motivo pelo qual eles não a perdoam. Tomara que aquela moça lá da Uniban encontre forças para superar a agressão sem pé, nem cabeça de que foi alvo. Às avessas, ela protagonizou a demonstração de um tipo de intolerância que nós, em sã consciência, não devemos tolerar. Repitamos: a estupidez é intolerável e até os deuses não transigem com ela.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br