A TRAJETÓRIA DO AMOR EM DIVERSAS ESCOLAS LITERÁRIAS

“ O que o lirismo ocidental exalta não é o prazer dos sentidos, nem a paz fecunda do casal. Não é o amor satisfeito mas, sim a paixão do amor. E paixão significa sofrimento.” Dennis Rougemont.

Resumo

O objetivo deste artigo é expor a trajetória do amor ao longo de várias épocas, nas diversas escolas literárias.

PALAVRAS-CHAVE: Amor, Cantigas, Amigo, Idade Média, Humanismo, Renascimento.

INTRODUÇÃO

Na Idade Média, século XII, surgiu na França e expandiu-se pela Europa, uma poesia associada a música, que tinha como tema o “fin’amor”, ou seja, o amor cortês, uma forma de relacionamento amoroso regido por regras, onde o desejo erótico e os valores espirituais em conflito, davam o caráter platônico e utópico a essas relações.

O AMOR NAS ESCOLAS LITERÁRIAS

O Trovadorismo foi o primeiro movimento literário da língua portuguesa, num período regido pelo Teocentrismo (Deus era o centro de tudo), onde os valores espirituais estavam acima da satisfação sexual. O amor cortês era um paradoxo entre o desejo e a espiritualidade; ilícito e passional ao mesmo tempo em que elevado. Esse amor deu início a histórias de grandes tragédias amorosas, como Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa, entre outras que recheiam as páginas das literaturas românticas, sem falar nas que permaneceram na obscuridade do anonimato.

Nessa época, as mulheres casadas não logravam atenção de seus maridos, que tinham no sexo matrimonial apenas um ritual para gerar descendentes. O casamento não passava de uma instituição estável a bem da sociedade. Infelizes, elas tinham nos jovens vassalos o alento do amor proibido. Os vassalos, por sua vez, eram empregados da corte, que nutriam pelas “damas”, um sentimento de amor não correspondido ou inconcebível, onde o prazer estava intrínseco ao desejo que ambos sentiam, o qual jamais seria plenamente satisfeito. Segundo Duby (1989),

O amor cortês não era exatamente o que alguns chamavam de platônico: era um jogo perigoso, excitante, onde os riscos alimentavam a chama que ardia no imaginário dos amantes.

Os poemas entoados em forma de cantigas, expressam a dor e o sofrimento do amor não correspondido (coita), ao mesmo tempo em que o eu-lírico masculino enaltece as qualidades da amada, “divinizando-a”, como é possível perceber na cantiga de amor, de autoria de Bernal de Bonaval:

A dona que eu am'e tenho por Senhor

amostrade-mh-a Deus, se vos en prazer for,

se non dade-mh-a morte.

A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus

e porque choran sempr(e) amostrade-mh-a Deus,

se non dade-mh-a morte.

Essa que Vós fezestes melhor parecer

de quantas sei, ay Deus, fazede-mh-a veer,

se non dade-mh-a morte.

Ay Deus, que mh-a fezestes mais ca min amar,

mostrade-mh-a hu possa con ela falar,

se non dade-mh-a morte.

Atualmente, também é possível encontrar poemas e canções que exaltam as qualidades do amor e da pessoa amada, seguindo a mesma linha das cantigas de amor medievais. Uma delas é “Meu bem querer “ gravada por Djavan.

Meu bem querer

é segredo, é sagrado

está sacramentado

em meu coração

Meu bem querer

tem um quê de pecado

acariciado pela emoção

Meu bem querer

meu encanto, estou sofrendo tanto

amor, e o que é o sofrer

para mim que estou

jurado pra morrer de amor.

(Djavan)

Nas ‘cantigas de amigo”, diferentemente das cantigas de amor, o eu-lírico feminino decanta seu amor pelo amigo (amante,namorado), de forma erotizada, deixando claro que desfruta o gozo do amor pleno. A natureza também é parte da temática, e não raramente a mãe e as amigas estão presentes em diálogos na composição. É interessante lembrar que as cantigas de amigo, embora apresentem um eu-lírico feminino, supostamente eram de autoria masculina.

Ondas do mar de Vigo

Mandad'ey comigo

Mha irmana fremosa treydes comygo

Ay Deus se sab'ora meu amado

Quantas sabedes amar amigo

'En o sagrad' em Vigo

Ay ondas que eu vin veer.

(Martim Codax)

Com o declínio do Trovadorismo no final do século XIV, tem início um novo movimento cultural e filosófico denominado Humanismo, que marcou um período de transição entre a Idade Média e o Renascimento. A partir daí, ocorrem mudanças na literatura, inclusive o desmembramento entre a música e a poesia, proporcionando autonomia e liberdade a ambas. Embora conserve a mesma temática das cantigas medievais, a poesia palaciana ganha novas técnicas com a metrificação dos versos em redondilha maior (7 sílabas poéticas), ou redondilha menor (5 sílabas poéticas). Trecho de poesia palaciana:

Senhora, partem tão tristes

meus olhos por vós, meu bem,

que nunca tão tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.

(João Ruiz de Castelo Branco)

Inaugurando uma nova fase da história, o Classicismo renascentista concebe o amor segundo o modelo neoplatônico, ou seja, há o Amor (em maiúscula) que denota um sentimento idealizado, perfeito, só alcançado pela razão, o que o torna praticamente impossível ao homem já que o sentimento basta-se a si mesmo; e o amor (em minúscula) cujas características denotam um comportamento mais racional diante da emoção. O amor vem dar um novo fôlego à poesia, uma nova forma de expressão por meio de sonetos, composição poética formada por duas quadras e dois tercetos, com versos decassilábicos. Esse novo estilo de poesia foi denominado “dolce still nuovo”.

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

(Vinícius de Moraes)

O Amor segue o modelo neoplatônico, ou seja, o sentimento é idealizado e a razão prevalece sobre o desejo físico. A poesia lírica de Camões tem no Amor (escrito em maiúscula) a perfeição que o ser humano não consegue alcançar. O amor (em minúscula) é o amor físico.

A forma de expressão do amor no Classicismo é o soneto, modalidade poética que vai dar o tom de novidade à poesia, ou como foi denominado o “dolce still nuovo” Composto por versos decassílabos (medida nova), sua estrutura é formada por 2 estrofes de 4 versos (quadras) e 2 estrofes de 3 versos (tercetos), conforme vemos no soneto X de Camões:

Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho logo mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois com ele tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,

Que como o acidente em seu sujeito,

Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;

E o vivo e puro amor de que sou feito,

Como a matéria simples busca a forma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O amor tem sido a mola propulsora que impulsiona o homem na busca de seu ideal de felicidade, atravessando a história sem que os empecilhos diminuam a intensidade da busca. Foi possível vislumbrar nessas pesquisas que em alguns momentos mudam o modo e a forma de buscá-lo, porém, o objetivo é sempre o mesmo: o amor que tantos valores agregam à vida humana.

REFERÊNCIAS

DJAVAN. Meu Bem Querer. Álbum Bicho Solto –- 1998

DUBY, Georges (1989). Idade Média, idade dos homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras.

ROUGEMONT, Denis de (1988). O amor e o ocidente. Rio de Janeiro: Guanabara

MORAES. Vinícius. Soneto do Amor Total. Disponível em http://www.paralerepensar.com.br/vinicius.htm, extraído em 30/11/2007.

SITE:

www.gargantadaserpente.com/historia/classicismo/caracteristicas extraído em (30/11/2007).