Um Presidiário em Liberdade

Em depoimento recente, o ex-presidiário dizia que descobrira ser o tempo o mais valioso que existe. Naqueles trinta anos de cárcere tornara-se um escritor. A vontade de escrever e o amor por uma mulher que o esperava mantiveram-no vivo. Embora preso, pudera realizar um grande vôo de liberdade construindo em si mesmo uma nova pessoa. Compreendera que o maior presídio é a ignorância; que os barrotes dos preconceitos mantêm os homens atados a tradições inúteis, mergulhados numa inércia mental e volitiva que prostra a inteligência e endurece os corações, mesmo que caminhando em aparente liberdade pelas ruas. Soubera que Cervantes havia criado o Quixote na prisão. E Borges sua obra na escuridão. E que Mandela lembrava do cárcere com gratidão por aqueles longos anos em companhia de si mesmo programando uma liberdade sonhada para sua querida África do Sul. Tornara-se amigo do tempo e soubera usá-lo para transformar a sua vida, seu passado, seu presente e seu futuro. Pudera pensar e planejar, viver por antecipação o encontro com a mulher amada fora daquela pequena cela, do casulo onde a crisálida se transformava.Aprendera que a verdadeira liberdade é a de pensar, de criar, de respirar com os pulmões, com a inteligência e com o coração. Conhecera Fernando Pessoa e Cesário Verde, o poeta – camponês que andava preso em liberdade pela cidade, “e triste como esmagar flores em livros e por plantas em jarros”, pois na cidade tudo é falso e antinatural. Compreendera que a fuga do tempo existe para quem não consegue retê-lo e multiplica-lo, pois o tempo passa muito rápido e escraviza a pessoa que julga que tempo seja dinheiro e, como tal, sempre lhe falte; que os dias que se sucedem monotonamente são noites mentais, pedaços de vida que se desprendem da pessoa deixando o saldo do vazio interior, a sensação de inutilidade, o esquecimento, o temor pela morte que caminha em sua direção a passos largos; que o tempo de vida do ser humano pode transcender a mensuração limitada das horas, dos dias e dos anos que se somam na trajetória definida entre o instante do nascimento e a transição para a morte; que os tempos de evolução se caracterizam pelo esforço continuado na busca do conhecimento e na ampliação da consciência; para aproveitar o tempo deveria aprender a pensar com liberdade e criar para si mesmo uma nova vida com a qual pudesse se encontrar no futuro livre dos barrotes físicos e mentais.

Naquele presídio descobrira que a paciência era irmã do tempo; que no mundo real dos anônimos heróis que lutam no dia-a–dia nada era fácil, nada se conseguia magicamente; e que a paciência era uma arma poderosa.

Ser paciente como o Sol e como a Natureza que se defende das agressões humanas; como a mãe que espera o tempo certo da gestação e a semente que chegará um dia a florir. Aprendera a lutar e a esperar; que o tempo e a vida se confundiam numa dimensão onde não existia o passado, o presente e o futuro, senão uma eloqüente eternidade.

Nagib Anderáos Neto

www.nagibanderaos.com.br

Nagib Anderáos Neto
Enviado por Nagib Anderáos Neto em 12/07/2006
Reeditado em 18/07/2006
Código do texto: T192460