ROTINA E MONOTONIA NO CASAMENTO

"Vamos falar sério. Quando dá certo, o casamento é uma das melhores coisas que podem acontecer na vida de um homem. E de uma mulher, claro. O problema é dar certo. “Defina ‘dar certo’”, poderia dizer o leitor. Ok, você sabe que seu casamento deu certo se ele lhe fornece mais, muito mais, que a simples função tradicional de “constituir família”. Essa é uma idéia histórica, ligada ao equilíbrio da sociedade e à continuidade da espécie humana, defendida pela Igreja e pelas tradições. Em pleno século 21, às favas com as tradições! O que queremos é a felicidade. E se isso vai colaborar com a sociedade e com a perpetuação da espécie, ótimo.

Então vamos concordar: seu casamento deu certo quando ele é fonte de felicidade, e ela emana da relação que você tem com sua mulher ou seu marido, e não da segurança, dos filhos, do patrimônio, das aparências. Casamento é uma relação, não uma instituição, e uma relação que vale a pena não é coisa de amadores. Se deu certo, ou você tem muita sorte ou fez uma opção pensada, adulta. É isso mesmo, o casamento, em primeiro lugar, depende da escolha certa da pessoa que vai viver ao seu lado, misturando a vida dela com a sua. E essa história de que os diferentes se atraem vale para a física, não para a psicologia. Não é necessário que os dois pensem sempre igual, concordem em tudo, mas é fundamental que tenham escalas de valores compatíveis, hábitos que não se choquem e, principalmente, projetos comuns.

É simples, mas não é fácil. Mesmo que todas essas condições sejam respeitadas, o casamento ainda tem lá seus inimigos, e não estou falando da inveja dos vizinhos, e sim dos capetinhas que se acomodam nos cantos da casa e que não são varridos com firmeza com a vassoura composta de piaçaba de sensibilidade e cabo de inteligência. O casamento precisa ser cuidado, polido, arrumado, temperado; senão murcha, mofa, sofre, escorre pelo ralo da indiferença e pelo esgoto da acomodação.

A rotina é, com imensa freqüência, acusada de ser a grande vilã. “Nosso casamento não resistiu à rotina”; “a monotonia acabou com o sonho”, alegam os recém-separados, como se a responsabilidade estivesse fora deles. A monotonia não bateu na porta e entrou sem ser convidada. Ela nasceu das vísceras da relação. É um câncer que não foi detectado a tempo ou não foi tratado com competência. Mas deixe eu ver se estou entendendo: rotina e monotonia são a mesma coisa?

Rotina e monotonia

Pois vamos começar esclarecendo que estou falando de duas coisas diferentes. Rotina é a repetição sistemática de uma conduta. Monotonia quer dizer que essa conduta é chata, sem sabor.

Rotina não é necessariamente ruim e, para algumas coisas, é até necessária. Para obter bons resultados no estudo, no trabalho e na ginástica, por exemplo, é necessário que as atividades sejam repetidas sistematicamente, pois é de sua constância e somatória que aparece o resultado. Eu, por exemplo, juro que gostaria de ter mais rotina em minha vida. Atualmente meu trabalho me obriga a viajar muito, variando imensamente meus dias, o que significa que minha vida não tem rotina nenhuma. E, acredite, eu me ressinto disso. Gostaria de poder escrever todos os dias; isso faria com que eu produzisse textos mais sofisticados. Adoraria poder praticar um esporte regularmente ou, pelo menos, poder freqüentar a academia três vezes por semana durante o ano todo. Isso teria um impacto positivo em minha saúde. E por aí vai. Há várias atividades rotineiras que não são monótonas, antes pelo contrário; tornam-se desgastantes exatamente porque são feitas esporadicamente, sem a regularidade necessária à boa prática.

Casamento também é assim. Estar casado com alguém é conviver diariamente com um sem-número de pequenas rotinas que podem ser maravilhosas. Ou não? Talvez a maneira como nós encaramos a rotina seja a chance de avaliar se temos ou não um bom casamento. Ou, pelo menos, se estamos precisando fazer alguns ajustes. Estar casado com alguém significa dormir com essa pessoa todas as noites e acordar ao lado dela todas as manhãs. Gostar disso significa ter um bom casamento.

A rotina de um bom casamento é composta por um imenso conjunto de minúcias adoráveis. Beijar as costas do outro antes de dormir; levantar primeiro de manhã para ir ao banheiro e deixar a escova dele já com pasta de dente em cima da pia; servir, um para o outro, a primeira xícara do dia de café com leite; secar a louça enquanto o outro lava; ligar do trabalho no meio da tarde... São rotinas, sim, mas são maravilhosas rotinas, quando nelas há o tempero adocicado do amor em oposição ao amargo sabor da obrigação.

Estar casado com alguém é dividir os momentos que se repetem e, por isso mesmo, se aprimoram. Já a monotonia, esta é a vilã não só do casamento, mas da própria vida. Ela mata a criatividade, afoga a alegria, sufoca as relações, amaldiçoa a felicidade. Monotonia significa manter o mesmo tom, mesmo tendo à disposição uma grande variedade de tantos outros. A palavra monotonia remete à metáfora auditiva, então vale a pena lembrar que o ouvido humano normal é capaz de perceber sons de freqüências entre 15 mil e 25 mil hertz, o que lhe permite passar ao cérebro uma quantidade imensa de sons ­ porque este precisa disso para conectar-se com o ambiente e compreendê-lo. Não é justo nem com a biologia nem com a psicologia, muito menos com a poesia, aprisionar alguém a poucos tons. A monotonia, via essa metáfora, é desumana e destrutiva."

Texto de Eugenio Mussak, no http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/056/pensando_bem/conteudo_256695.shtml

Paola Bittencourt
Enviado por Paola Bittencourt em 15/11/2009
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