CELIBATO: 1000 anos de polêmica

Existem atualmente no Brasil alguns milhares de padres católicos(presbíteros) casados. Mas, todo este potencial cristão é rejeitado, discriminado e evitado pela instituição oficial da Igreja Católica. A maioria dos bispos católicos, por exigência de Roma, procura dificultar a ação cristã destes padres casados, proibindo que tenham qualquer participação na vida da comunidade católica. São vistos como perigosos para a Instituição. E, até, de forma totalmente anticristã, procura-se caluniá-los e rebaixá-los perante os leigos. E os leigos, teologicamente ignorantes, repetem os esquemas de seus pastores. Há alguns anos um bispo explicava a seus seminaristas: "Padres casados? Que nada, amancebados!". Isto, embora a maioria deles tenha recebido do Vaticano a dispensa do celibato para receberem o sacramento do matrimônio. Diante desta atitude inquisitorial, de grande parte da hierarquia oficial da Igreja contra os padres casados, é oportuno perguntar pelas raízes de tal discriminação, pois não é de supor que uma atitude assim remonte a Jesus Cristo e aos seus Apóstolos. Interessante que o atual Papa Bento XVI, há pouco, convidou os pastores (padres!) anglicanos, não satisfeitos com algumas liberalidades de sua igreja, a voltarem à Igrerja Católica. Mesmo casados poderiam atuar em comunidades cristãs católicas. Isto gera um paradoxo: padres católicos casados, sempre fieis ao catolicismo, são proibidos de qualquer atuação ministerial, enquanto nada obsta que "antigos herejes", na mesma situação, possam exercer

a pastoral sem restrições. Por isto, penso que, em algum tempo do futuro Roma pedirá desculpas aos padres casados ofendidos em nossa época, assim como já absolveu e pediu desculpas por diversas condenações em tempos de inquisição.

Recorrendo aos textos do início do cristianismo, verificamos que todos os apóstolos, com exceção de João e depois Paulo, foram casados. Relata-se que Jesus curou a sogra de Pedro (o primeiro Papa!). Portanto, Cristo não colocou o celibato como condição para a escolha de seus discípulos e apóstolos. Nem os apóstolos fizeram tal exigência para ordenar presbíteros, diáconos e epíscopos (bispos). Para ordenar alguém: "... o candidato deve ser irrepreensível, esposo de uma única mulher, e seus filhos devem ter fé, e não serem acusados de maus costumes, nem de desrespeito" (Ti 1,6). E a Timóteo o apóstolo Paulo recomenda que somente sejam escolhidos como bispos (epíscopos) homens irrepreensíveis, esposos de uma única mulher, ajuizados, equilibrados, educados... homens que saibam dirigir bem a própria casa e cujos filhos lhes obedeçam e respeitem (cf. 1 Tm 3,1-7). E no capítulo quarto da mesma carta a Timóteo, Paulo considera doutrina demoníaca proibir o casamento a alguém.

Diante da atitude de Jesus e do ensinamento dos Apóstolos, como então entender que a Igreja Católica proíba o casamento aos presbíteros (padres e bispos)? Como se pode observar, o celibato não é uma exigência teológica, mas questão puramente histórica e de legislação eclesiástica. Portanto, segundo as conveniências, o Papa simplesmente poderia mudar a legislação e acabar com o celibato obrigatório para os padres exercerem suas funções. É preciso também notar que o celibato obrigatório para os padres só existe na Igreja Católica Romana de rito latino, isto é, aquela parte da Igreja que antigamente rezava missa em latim. Há, por exemplo, os padres maronitas do Líbano, unidos a Roma, que em sua maiorioa são casados.

Coloquei como título desta reflexão: "celibato: 1000 anos de polêmica". De fato, esta polêmica já é mais antiga. Em diversas religiões há sacerdotes celibatários. Além dos sacerdotes há na história da humanidade outros líderes religiosos, políticos, cientistas, filósofos que optaram pelo celibato. Muitos deles sublimaram suas energias sexuais, e deixaram um testemunho de vida como grandes benfeitores da humanidade. Com o historiador Arnold Toynbee poderíamos, por isto, assinalar que entre os celibatários se encontram grandes personalidades, mas também grandes frustrados. Mas, sem dúvida, a humanidade de hoje seria mais pobre sem muitos dos seus celibatários, que honraram sua história. Por isto mesmo, na imitação do celibato de Jesus Cristo, de São Paulo e de outros grandes celibatários cristãos, nunca o cristianismo deixará de ter seus monges, religiosos e outros dirigentes celibatários. Mas a polêmica histórica do celibato nunca arrefecerá na Igreja enquanto Roma não deixar de considerar o sacramento do matrimônio inferior ao sacramento da ordenação presbiteral. Casamento e ministério cristão não se excluem. Ainda mais porque, em primeiro lugar, todos os cristãos participam do sacerdócio comum dos fiéis, isto é, cada cristão deve mediar em sua vida sinais de Deus aos seus irmãos. Para isto, ele mesmo é, em primeiro lugar, o seu sacerdote. O padre nada mais é do que um sacerdote a serviço de sua comunidade. E como, sendo o casamento um sinal visível de Deus no mundo, como então proibir a alguém que deve colocar sinais de Deus, que em sua própria vida assuma um destes sinais, que é o casamento?

Não acho que os padres casados devam necessariamente rezar missa, perfeitamente podem viver o seu sacerdócio no exercício exemplar de alguma outra profissão. O sacerdócio cristão não se resume à administraçãop dos sacramentos. O que considero lamentável é que estes padres casados, em vez de serem animados, como irmãos, a viverem seu sacerdócio no ambiente de sua profissão e de sua comunidade, sejam discriminados, caluniados, rejeitados, e quase demonizados por pessoas pertencentes à hierarquia da Igreja.

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