A unibanização da universidade

Wilson Correia*

Começo este artigo com as perguntas que fiz a alunos no dia de ontem: “As universidades pobres vão tomar a sociedade? Estamos vivendo a fase da unibanização da educação superior brasileira?” E as respondo, em tese, afirmando que pode ser que sim, pode ser que não. Vai depender do modelo de sociedade brasileira que construiremos daqui por diante, bem como do estilo existencial que sustentarmos daqui para frente como apropriado à finalidade formativa da educação universitária em nosso país.

Caso você queira compreender essa minha afirmação, acompanhe meu raciocínio.

Você conhece a história e se lembra bem da seguinte ocorrência: Ano: 1989. Mês: novembro. Dia: 09. Hora: 19 horas. Fato: queda do Muro de Berlim. Quem protagonizou esse acontecimento histórico? Guenter Schabowski, um funcionário da Alemanha Oriental. O que ele fez concretamente? Diante de um jornalista italiano, Schabowski disse que, na condição de porta-voz do Comitê Central do Partido Comunista da Alemanha Oriental, estava anunciando ao mundo que, a partir daquele instante, quem quisesse viajar ao exterior poderia contar com vistos desburocratizados; poderia até emigrar sem as costumeiras condições impostas até então. Depois disso, aquelas pessoas, entre 300 e 500 que fugiam diariamente para fora da Alemanha Oriental, não precisariam mais da clandestinidade. O “Muro” havia ido ao chão. Qual a importância desse acontecimento? Ele é o emblema das transformações pelas quais o mundo passou com o fim da experiência socialista, na maior parte de suas ocorrências, e é o símbolo da “vitória”, conquista de hegemonia em grande escala, alcançada pelas ideias liberais. A Guerra Fria, enfim, apresentava ao mundo um vencedor: o capitalismo, amparado em suas sociedades de mercado e em suas democracias liberais. O nome da nova mundividência: neoliberalismo.

Coincidentemente, Geisy Arruda, que foi moralmente linchada na Uniban, no dia 22 de outubro de 2009, é uma garota que tem 20 anos de idade, portanto, nasceu no ano de 1989, justo quando o Muro de Berlim era destruído diante das câmeras de televisão. O caso que a envolveu se tornou relevante à medida que passou a ser debatido, evidenciando que a Uniban, com 70 mil alunos, quarta maior do Brasil em número de matriculados, é a décima sexta pior entre 195 avaliadas pelo MEC. A Uniban não é um caso isolado, mas a demonstração do que ocorreu no Brasil, desde 1996, ano em que foi promulgada a Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional de número 9394. Conforme o Censo da Educação Superior, do MEC, em 2007, o setor privado já respondia pelos seguintes números na educação de terceiro grau: 92,5% com faculdades, 96,7% com centros universitários e 47,5% com universidades Brasil afora. Geisy Arruda, os 70 mil alunos da Uniban e grande parte dos que freqüentam esses estabelecimentos privados de ensino superior são oriundos das classes “C” e “D”, pobres. Eles procuram essas empresas educacionais porque, durante a Educação Básica, não contam com formação de qualidade que os prepare para frequentar a universidade pública. Com isso, os filhos das classes populares, historicamente expropriados, são expropriados uma segunda vez no âmbito educacional superior, pois os impostos que recolheram durante toda a vida financia a universidade pública e nas privadas eles precisam pagar mensalidade para entrar. Mensalidades baratas, que custeiam professores baratos, só ensino barato, sem pesquisa ou extensão, aulas baratas e conteúdos baratos, voltados para a aquisição de habilidades e competências que atendam ao mercado de trabalho, e nada mais. Ao que parece, estamos, sim, diante da unibanização do ensino superior brasileiro. É desse contexto aí que emergiu Geisy Arruda, seus 700 companheiros embrutecidos e essa realidade das “unis pobres” brasileiras, as quais, agora, podemos debater.

Mas, onde a queda do Muro de Berlim, a estudante Geisy Arruda e a unibanização da educação superior brasileira se encontram? Em resposta curta e clara, podemos dizer: todos se encontram nas sociedades de mercado, que fazem da educação uma mercadoria a mais, não importando a questão da qualidade, nem os caminhos injustos que são colocados diante de nossa juventude para se chegar até ela.

Se for bom o fato de que os pobres estão entrando na universidade, precisamos ter presente com que grau de perversidade isso está acontecendo. De minha parte, creio que o acesso à educação universitária deveria ser universal, e se dar sem nenhum grau de perversidade, mas como expressão de nossa prática da justiça e da equidade social.

No entanto, uma vez que tais valores éticos não estão presidindo a ida da pobreza à universidade, opera-se, aí, uma falsa inclusão. A entrada na universidade apenas desloca o momento de efetivação da exclusão dos pobres já excluídos da sociedade ativa de mercado, a qual, no Brasil, é pensada para menos de 20 milhões de pessoas, pouco mais de 10% da população brasileira. É aí que a perversidade se complementa: na hora de adentrar essa sociedade ativa, a competência e a habilidade adquiridas nesse tipo de instituição de ensino superior garantirão mesmo essa inserção? Terão os estudantes desse tipo de estabelecimento de terceiro grau de se contentar com posições subalternas no mercado de trabalho? Ao que parece, a inserção significativa nessa sociedade ativa não se fará a contento e os pobres continuarão pobres, empobrecidos serviçais do mercado de trabalho, o qual nunca foi para todos, nem terá condições de fazer a mobilidade ou ascensão social tão propalada e tantas vezes prometida para essa parte da população que cursa o ensino superior numa empresa educacional semelhante à Uniban.

A coragem para admitir esse diagnóstico, amparado em estudos especializados e na observação empírica cotidiana, é a primeira atitude em face de outras decisões que cabem a toda a sociedade brasileira: que modelo de sociedade estamos a construir? É esse modelo societário que desejamos para os nossos filhos, para as novas gerações? Que modelo de homem e de mulher estamos preparando em nível superior? É realmente esse tipo de ser humano, identificado com o consumismo, com a cidadania liberal e com a instrumentalização para o mercado de trabalho, aquele que queremos para os novatos humanos, os quais, a cada dia, chegam a nosso mundo, em nossa sociedade, em nossos lares?

Tenho batido muito nessas teclas. Mas, a meu ver, essa é minha tarefa. Tentar chamar a atenção para os verdadeiros muros que existem entre nós, sobretudo para aqueles que separam os anseios por uma educação superior de qualidade dessa prática estranha que é a de oferecer uma mercadoria rotulada de educação. Ao que me consta, a unibanização do ensino superior é um fenômeno com o qual não podemos conviver pacificamente – a menos que tenhamos perdido a capacidade de pensar, valorar, julgar, decidir e agir em prol daquilo que nossas consciências dizem ser o melhor para nós, para os nossos filhos, para os filhos do Brasil.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br

ILUSTRANDO:

"Pesquisa

Professores de escolas privadas sofrem com ataques verbais e ameaças

Flávia Ayer - Estado de Minas

Publicação: 25/11/2009 06:38

Durante a aplicação de uma prova, terça-feira, Antônio Daniel Fernandes Coelho, de 42 anos, professor do curso de veterinária da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), em Juiz de Fora, na Zona da Mata, levou um soco no rosto do estudante Silvério Geraldo França, de 28, de acordo com registro feito pela Polícia Militar. A agressão reforça dados da pesquisa divulgada pelo Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG). Intitulado Rede particular: vida de professor e violências na escola, o estudo mostra que ataques verbais e ameaças também fazem parte da realidade das escolas privadas, da educação infantil ao ensino superior.

São, geralmente, atos violentos praticados por jovens, aqueles mesmos donos da responsabilidade de ser o futuro da nação. Os mesmos jovens vítimas de violência, como o estudante da PUC Minas baleado segunda-feira depois de sair da faculdade. A vulnerabilidade dessas pessoas à violência também fora da escola é tão grave que foi foco de relatório divulgado terça-feira pelo Ministério da Justiça.

É a primeira vez que as portas de instituições particulares de ensino se abrem para o tema violência, comprovando que esse cenário não se restringe às escolas públicas. Sessenta e dois por cento dos professores entrevistados disseram ter presenciado agressão verbal em estabelecimentos de ensino. Quase um quarto revelou ter visto agressão física, como a do professor da Unipac. Mais de um terço deles já viu situações de intimidação e ameaças. Um quinto dos profissionais comprovaram a existência de tráfico de drogas nas escolas. Mais da metade já testemunhou episódios de danos ao patrimônio da escola e um quinto presenciou danos ao patrimônio pessoal. Não foi perguntado aos entrevistados se já foram alvo de violência.

Embora tenham sido entrevistados 686 professores de todo o estado, a pesquisa tem como pano de fundo um universo de 70 mil professores de 4.484 escolas particulares de Minas. A amostragem foi escolhida entre os 25 mil sindicalizados. A maioria das instituições está na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foram investigados mais de 30 tipos de violência, desde indisciplina, passando por roubo, discriminação até homicídio. Grande parte das respostas se refere à relação professor-aluno. Além de escancarar um quadro de violência em locais onde se paga por educação, a pesquisa também aponta supostas causas para o problema. Para a maioria dos professores (75%), a omissão familiar é uma das principais responsáveis por atitudes violentas de alunos. Pouco mais de um quarto (27%) concordam que uma vizinhança violenta tende a influenciar o ambiente escolar.

Segundo o presidente do Sinpro Minas, Gilson Reis, o estudo evidencia que a violência fora dos muros das escolas particulares é também reproduzida nesses ambientes. Ele acrescenta que o fenômeno tem se aprofundado ao longo da década. 'Desde então, a relação cliente-serviçal está se sobressaindo à relação professor-aluno. Vemos também que a família transfere completamente para a escola a educação dos filhos. Percebemos, entretanto, que este problema ainda está muito internalizado, pois instituições escondem casos de violência e professores ficam intimidados, temendo a perda do emprego', afirma.

Na pele

Diretor do Sinpro Minas e professor do Centro Universitário UNI-BH, Marco Eliel de Carvalho é dos poucos que têm coragem de falar sobre a realidade violenta nas escolas particulares. Há dois anos precisou sair escoltado por seguranças do prédio, temendo a ameaça de um aluno. 'Ao contestar uma nota baixa, começou a gritar. Pedi para se retirar da sala e ele se recusou. Quando decidiu sair, estava transtornado', diz. Carvalho é um dos que acreditam que o problema esteja centrado na fragilidade das relações familiares. 'Ela também passou a ser uma relação de troca. Dentro da sala de aula o estudante reproduz esse quadro, sob o discurso de quem paga o salário do professor é ele. Para resolver, é necessário que haja diálogo entre professores, família e sociedade sobre como conviver com a diferença'.

Embora o alvo das pesquisas seja o professor, há estudante que reconheça a gravidade da situação. Uma aluna de uma escola particular do Bairro Buritis, na Região Oeste de BH, que pediu anonimato, conta que há poucos dias uma de suas professoras saiu da sala chorando, depois de ser insultada por um aluno. 'Soltam peido-alemão (barbante embebido em substância química, que, quando queimado, libera forte mau cheiro), conversam muito alto. Já houve até roubo de celular em sala. De mais de 40 alunos, só 10 salvam na turma', conta.

Para a vice-presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis, esse retrato está longe daquele percebido pela instituição, que representa mais de 700 escolas em Minas. 'O professor é a pessoa mais valorizada na escola. A direção nunca permitiria que houvesse qualquer tipo de agressão. Quando isso ocorre, imediatamente as famílias são chamadas, além dos serviços de orientação psicológica'."

Fonte desta notícia:

http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2009/11/25/noticia_minas,i=137316PROFESSORES+DE+ESCOLAS +PRIVADASn+SOFREM+COM+ATAQUES+VERBAIS+E+AMEACAS.shtml