UMA DEMOCRACIA NADA PARTICIPATIVA

Dimas Paixão

Este presente artigo tem a finalidade de analisar os conceitos de democracia, cidadania e coronelismo (mandonismo), para que seja possível compreender os mecanismos que foram historicamente utilizados na construção da democracia e da cidadania, e, que por conseguinte, manteve a maioria da população longe do poder e das decisões políticas.

A etimologia da palavra “democracia” é de origem grega. “Demo” significa “povo” e “cracia” é igual a “poder”. Isto é, “poder do povo”; “governo do povo”; “soberania popular”, etc. ou seja, na Grécia Clássica a democracia expressava-se pelo “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Desse modo, naquele sistema havia uma relativa participação popular no governo, pelos menos daqueles que eram considerados cidadãos.

Na Grécia antiga, Sólon, em seu governo no século VI a.C, adotou uma série de medidas democráticas, e mais tarde, com Clístenes, em 510 a.C., a democracia foi consolidada, daí, atribui-se a ele o título de “o pai da democracia”. Tal democracia contemplava a participação do cidadão grego nas decisões políticas do Estado. Portanto, tratava-se de uma “democracia direta e participativa”.

No entanto, no ocidente, séculos depois de Cristo, inventou-se um novo modelo de democracia, denominada de “representativa”. Segundo alguns teóricos, a referida mudança se deve ao fato de a sociedade ocidental ter sido submetida à grandes transformações políticas, econômicas, sociais e culturais, e dessa nova realidade social advêm também novos conceitos de democracia e cidadania. Além disso, ambas passaram a assumir papéis políticos muito importantes, por isso a democracia foi bastante divulgada durante o século XX, e foi neste contexto que os conceitos de democracia foram modificados, passando a se chamar “democracia representativa”, não significando mais uma cidania ampla e ativa, já que a maioria, na figura do eleitorado, passaram a eleger seus representantes legais em detrimento da “participação popular nas tomadas de decisões”. Assim, uma parcela da sociedade, “o eleitorado”, passou a participar mesmo foi de um “processo eleitoral” para eleger representantes, os quais irão decidir entre eles, “supostamente atendendo aos anseios do povo”.

Nessa perspectiva, será analisado o artigo de Aline Néri Nobre, intitulado: “Democracia, Cidadania e participação social: uma estreita relação”, (Nobre, 2007). No qual a autora utiliza-se de outros autores como forma de conceituar democracia/cidadania. Segundo a autora, na primeira metade do século XX a Europa experimentou regimes totalitários. A partir daí a democracia passou a ser aceita como sendo a melhor opção contra tais regimes autoritários. Porém, sob a concepção de uma “democracia representativa”. Com efeito, os cidadãos foram afastados da participação do sistema político. Pois para muitos teóricos, no início do século XX, uma ampla participação popular remetia aos regimes facistas europeus, devendo haver, portanto, ressalvas em relação às teorias “clássicas” de democracia. (Nobre, 2007). Para Schumpeter, “democracia é um método político, um procedimento, caracterizado muito mais pela concorrência organizado pelo voto do que pela soberania popular, como afirmava a teoria clásica. (Schumpeter, 1961 apud Nobre, 2007). Ou seja, para o autor a democracia desvinculou-se de qualquer ideal passando a vincular-se ao método. E ainda, ressalta o mesmo autor: “a vontade da maioria é apenas a vontade da maioria e não a vontade do povo”. (Schumpeter, 1961 apud Nobre, 2007). Assim, para Schumpeter, a democracia caracteriza-se mais pelo poder que as pessoas têm de decidirem num processo eleitoral, expressa pela “vontade da maioria” através do voto e isso não significa a vontade total do povo. Assim, a democracia apenas faculta ao povo a oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão. Desse modo, os candidatos à lideranças políticas passam a disputar os votos tal qual os empresários disputam seus cliente no mercado. Mesmo assim, Schumpeter considera que o processo eleitoral não é um meio para atingir a democracia, mas sim a própria democracia, e que a participação direta dos indivídudos seria prejudicial à democracia. (Schumpeter, 1961 apud Nobre, 2007). Desse modo, entende-se que em uma sociedade democrática há a possibilidade do exercício da cidadania, mesmo que não seja de maneira ampla e irrestrita.

E por falar em cidadania, esta possui uma estreita ligação com a democracia. “A origem do termo “cidadania” está relacionada ao desenvolvimento das cidades gregas, entre os séculos VIII e VI a.C.”, (Nobre, 2007). A finalidade da Educação ateniense era formar bons cidadãos, aptos para governar. Cidadania significa um conjuntos de direitos e deveres atribuído aos membros de uma determinda comunidade. No entanto, assim como a democracia, o conceito de cidadania também está sujeito às transformações históricas. Segundo Marshall, a cidadania abrange três modalidades de direitos: direitos civis: surgidos no século XVIII, diz respeito às liberdades individuais. No século XIX sugiram os direitos políticos, que faculta ao cidadão o direito de participar do poder político. E por fim, a partir do século XX, temos os direitos sociais que estão relacionados à participação dos cidadãos na riqueza socialmente produzida. (Marshall, 1963 apud Nobre, 2007). Para Marshall, numa construção histórica, os direitos são ampliados tanto no âmbito da sociedade quanto no âmbito estatal. Ou seja, o desenvolvimento da cidadania está subordinado à questão das relações entre classes sociais antagônicas”. Em suma, a construção da cidadania se deu em três momentos. Primeiro, no século XVIII, através da luta pelos direitos individuais das pessoas. Depois, no século XIX, a conquista pela garantia do direito de participar do poder político, para que, finalmente, a partir do século XX todos pudessem usufruir das riquezas sociais produzida no Estado. Mas será que os diireitos civis, políticos e sociais são realmente garantidos e estendidos a todos os cidadãos dos quatro cantos do mundo? Provavelmente não. Porém não deixa de ser uma importante conquista histórica. Dessa forma, para alguns teóricos a democracia é necessária para garantir os direitos individuais, que são a base de um Estado liberal.

Um outro autor, Santos (2000 apud Nobre, 2007), afirma que “os atuais protagonistas das lutas sociais, vão além das diferenças de classes sociais”. Assim, os interesses sociais desses grupos extrapolam as condições materiais, caracterizado-se por um novo arranjo societário diferentes do mundo do trabalho. Neste sentido, o termo “nova cidadania” está intimamente ligado aos diferentes espaços públicos, onde os conflitos e as diferenças se expressam. (Nobre, 2007). Já Dagnino (2004 apud Nobre, 2007), afirma que a “nova cidadania” ou “cidadania ampliada” surgiu no contexto da redemocratização, dos movimentos sociais a partir do final da década de 70, oriunda da própria crise da democracia representativa. Percebe-se que para os autores acima destacados, a democracia caracteriza-se pelo processo eleitoral e que há concenso na defesa da democracia representativa. Assim, argumenta Nobre, (2007), “a ideia é que a democracia direta, tal como na Grécia Antiga, é impossível em decorrência tanto do tamanho do território quanto da multiplicidade dos problemas das sociedades atuais”.

E por fim, o último conceito a ser analisado é o coronelismo, uma invenção genuinamente brasileira. O coronelismo apesar de ter tido sua expressão máxima na Primeira República, surgiu de forma embrionária, no Período Regencial brasileiro com a criação da Guarda Nacional por Feijó, que era um tipo de milícia armada dirigida por ricos fazendeiros e proprietários de terras. Tais mandões utilizavam-se desse instrumento de governo para reprimir os levantes populares. O comando da milícia de cada município cabia ao coronel, patente comprada do governo pelos poderosos fazendeiros, que os possibilitavam assumir o poder do Estado e defender seus interesses pessoais.

O historiador José Murilo de Carvalho, em seu artigo: Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma discussão conceitual, cita que na visão do autor Victor Nunes Leal, o coronel fazia parte do sistema e da estrutura das relações do poder desenvolvido na Primeira República, a partir do município, (Leal, 1980 apud Carvalho, 1997). Assim, o coronelismo transformou-se em um sistema político, uma complexa rede de relações e compromisso recíprocos envolvendo desde o coronel até o presidente da República. O federalismo implantado pela república, em substituição ao centralismo imperial, criou a figura do governador de estado, antigo Presidente da Província, passando a ser eleito pelas máquinas partidárias oligárquicas estaduais. Em torno do governador girava os coronéis, principais representantes do poder local, (Carvalho, 1997). Com a decadência econômica dos fazendeiros, houve um enfraquecimento do poder político dos coronéis, o que passou a exigir a apresença do Estado para manutenção de tal poder. Partindo dessa premissa, o coronelismo caracterizava-se por um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governador e os coronéis. Desse modo, num verdadeiro toma lá dá cá, o coronel vinculava seu apoio ao governador, através de votos. Este por sua vez, apoiava o presidente da República em troca do reconhecimento do prestígio e domínio do governador em seus respectivos Estados (currais eleitorais).

No Brasil, o coronelismo só deixou de existir, simbolicamente, após a prisão dos grandes coronéis baianos, em 1930, e definitivamente enterrado em 1937, com a implantação do Estado Novo e a derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhos gaúchos. (Carvalho, 1997). Porém, o mandonismo e o clientelismo ainda reina em muitas regiões brasileiras, convertendo-se em votos para determinados caciques políticos regionais.

Portanto, a partir da análise acima citada, pode-se perceber que a democracia, a cidadania e o coronelismo, de uma maneira ou de outra, sempre mantiveram uma estreita correlação com poder político e com as oligarquias cosmopolitas. Já o coronelismo, um caso específico do Brasil, fica claro que reinou por aqui também mecanismos locais tais como “ o mandonismo”, que aliado “ao clientelismo”, serviram de sustentáculos e ponte de ligação entre o poder local e o federal, tendo como pano de fundo a questão latifundiária, a propriedade de terra e o curral eleitoral local. Estas relações tiveram suas expressões máximas a partir do coronelismo desenvolvido na Primeira República, e que, ainda na atual política brasileira, continua traduzindo-se por uma ampla e irrestrita caça aos votos, através de novos mecanismos assistencialistas-eleitoreiros, desenvolvidos e popularizdos por políticos, exclusivamente para angariar votos de uma clientela comprometida que os mantêm no poder o máximo possível. Mecanismos como esses são visíveis tanto na esfera federal como na estadual e municipal. Manobras políticas como essas sempre existiram e existirão. E com efeito, é dessa maneira que a maioria da população sempre foi mantida afastada do palco do poder e das grandes decisões do país. Definitivamente, enquanto o eleitor brasileiro continuar vinculando o seu voto a um tipo de favorecimento político qualquer, ele estará exercendo seu direito de cidadania de forma capenga e ao mesmo tempo contribuindo para a deformação da democracia brasileira.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, José Murilo, (1997). Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext

Acesso em 23/10/2009.

NOBRE, Aline Néri, (2007). Democracia, cidadania e participação social: uma estreira relação.

Disponível em:

http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/105

Acesso em 23/10/2009.

PAIVA, Denise; SOUZA, Marta Rovery; e LOPES, Gustavo de Faria, (2004).. As percepções sobre democracia, cidadania e direitos.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762004000200008&script=sci_arttext

Acesso em 23/10/2009.