Como você vê a escola?

Wilson Correia*

Não me esqueço da fala de uma professora que tive no mestrado, Selva Fonseca, na qual ela explicitava a ideia de que o desafio do pesquisador e do professor é o de colocar o sininho no pescoço do tigre. Focar o local, mas não se esquecer do global. Ver a escola tanto da planície quanto do alto da colina. Já percebeu que quanto mais você aproxima o nariz da parece menor é a visão que você tem dessa parede? Já notou que se você se afastar demais da parede a visão que você obtém dela pode chegar a nenhum significado? Então, é importante ver a escola, mas igualmente importante é observar o contexto em que ela está inserida.

Não são poucos os reducionismos relativos à escola. Às vezes, temos a ilusão de que esmiuçando a escola nós vamos nos aproximar da realidade da educação escolar. Aí, então, deparamos com os “elementos” que fazem a escola: professor, aluno, conteúdo, ensino, aprendizagem, avaliação, tempo, metodologia, técnicas e por aí vai, circunscritos ao âmbito da sala de aula. Porém, isolar um desses aspectos para procurar entendê-lo e, por meio dele, compreender a escola, sem prestar atenção à estrutura que exerce injunções sobre ele, pode tornar obtusa a visão que temos da escola.

Sustentando toda a rede de instituições sociais, e a escola entre elas, há um sistema econômico, um regime político, um amplo espectro de bens simbólico-culturais e uma ideologia a justificar todos eles. Mas essa realidade, às vezes, é negligenciada. Muitos pensam que discutir a escola em si é o suficiente para compreender a escola e se entregam ao trabalho de pesquisa sobre ela. Mas a escola nasceu por autogênese? Ela se produziu a si mesma ou ela é produto da sociedade em que vivemos, na qual aqueles aspectos econômicos, políticos, culturais e ideológicos se entrecruzam para possibilitarem a impressão dessa ou daquela feição à instituição escolar?

Debater a escola de maneira contextualizada, parece-me, é essencial para sermos minimamente coerentes com a realidade com a qual travamos o corpo-a-corpo diário. O esvaziamento do debate em torno do sentido social da escola agrada a quem está se beneficiando com o estado de coisas por nós instaurado. Daí o silenciar-se de alguns diante do contexto. Os poderes nas mãos dos setores e classes hegemônicas em suas diversas expressões (econômica, política, cultural e ideológica) forjam essa postura de ver a escola pelas lentes da escola. Daí a visão obtusa que podemos ter sobre essa instituição social tão importante no processo de construção de um projeto de nação, do qual, no Brasil, ainda estamos a carecer.

Assusta-me, por isso, o silêncio de setores responsáveis por formar a nossa mundividência sobre os rumos da nação brasileira. Tornou-se um crime questionar o modelo de sociedade no qual nos encontramos, ao qual damos sustentação e o qual sofremos simultaneamente. Tornou-se um pecado colocar em xeque o estilo existencial posto à educação escolar como sua finalidade formativa. Por esses motivos, para algumas mentes existentes entre nós, se você discursa argumentando que a escola tem de formar para a cidadania, para o mercado de trabalho, para o individualismo, para o materialismo e para o consumo, tudo bem, você está politicamente correto, atualizado e sintonizado com o que de mais avançado há em questões educacionais.

Contudo, se esse discurso hegemônico é minimamente questionado, você é um anacrônico, um fora de lugar, um “descontextualizado”. O discurso único do e sobre o mercado, entendido como o ser plenipotente que deve regular a existência de tudo e de todos é esmagador. Ele é tirânico, despótico, imponderável. Ele, o mercado como o valor de todos os valores, como valor absoluto, como uma divindade inatacável, regida pela racionalidade incrustada no real e conduzido pelas mãos invisíveis do mercado como propôs Adam Smith, que viveu entre 1723 e 1790.

Mas ver a escola sob a ótica do mercado é apenas mais um reducionismo que grassa entre nós. É por essas e outras que podemos afirmar que o alcance da minha visão delimitam o alcance da minha escola. A propósito, qual a visão que você cultiva sobre a instituição escolar?

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br