A miséria também evoluiu

A MISÉRIA TAMBÉM EVOLUIU

No Brasil das últimas décadas, a “miséria” (Estado deplorável; Indigente; Penúria), teve diversas caras. Houve um tempo em que a miséria era romântica, ela batia à nossa porta. Pedia-nos apenas um prato de comida. Algumas vezes, suplicava por uma roupinha velha. Conhecíamos os nossos mendigos. Cabiam nos dedos de uma das mãos. Eram partes da vizinhança. Ao alimentá-los e vesti-los, aliviávamos nossas consciências. Dormíamos o sono dos justos.

A urbanização do Brasil deu à miséria certa impessoalidade. Ela passou a apresentar-se como um elemento da paisagem. Algo para ser visto pela janela do carro, ora esparramada sobre a calçada , ora refugiada sob o viaduto.

A modernidade trouxe novas formas de contato com a riqueza. Logo a miséria estava batendo, suja e esfarrapada, no vidro de nosso carro. Os semáforos ganharam uma inesperada função social. Passamos a exercitar nossa infinita bondade pingando esmolas em mãos de crianças e velhos. Continuamos de bem com nossos travesseiros.

Com o tempo, a miséria conquistou os tubos de imagem dos aparelhos de TV. Aos poucos, foi perdendo a docilidade. A rua oferecia-nos algo além de água encanada e luz elétrica. Os telejornais passaram a despejar violência sobre os tapetes de nossas salas, e aos pés de nossos sofás. Era como se dispuséssemos de um eficiente sistema de miséria encanada. Tão simples quanto virar uma torneira ou acionar o interruptor, bastava apertar o botão da TV. Embora violenta, a miséria ainda nos excluía. Vivia-se, nesta fase, a utopia da cesta básica. Tentava-se remediar anos de omissão com programas oficiais paternalistas.

Súbito, a miséria cansou de esmolar nos semáforos ou de porta em porta. Ela agora não pede: exige. Ela já não suplica: toma. A miséria não bate mais à nossa porta: invade nossa casa. Não estende mais a mão diante do vidro de nosso carro: arranca os relógios dos braços dos distraídos. A miséria também se modernizou. Se as pessoas que deveriam dar um fim na miséria, transformaram o Brasil num país “miserável” (Digno de compaixão; Próprio de quem é muito pobre; Sem valor; Perverso, malvado), ela, a “miséria”, seguiu o exemplo à risca.

Vilmar Bitencourtt – vilmarbitencourtt@ibest.com.br

Anjo
Enviado por Anjo em 17/07/2006
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