HÁBITOS ESTRANHOS.

Sempre que a situação me permitia eu visitava o amigo Manoel Esteves, na Cidade de Antônio Carlos, numa localidade chamada Vila do Espraiado. Entre bate papos, umas músicas cafés e comidas gostosas, eu observava o jeito daquele pessoal que de vida modestíssima, deixava o tempo passar sem que o lugar mudasse e na verdade eles não estavam nem ai.

Os mais achegados que eu tinha eram além do Mané, o Zé Maria, Um ás no violão dentro do estilo do Amado Batista , o Joviano e o Lucas, esses dois inclinados para a música mas pendendo para o lado que não lhes conferia o talento e nem assim desistiam do intento, mas sabiam que jamais deveriam tentar isso como meio de vida. Ah! O Mané, eu esqueci de mencionar, faleceu no mês passado era sanfoneiro e se deu melhor com um teclado, cheguei a gravar alguma coisa dele num CD e depois numa velha filmadora que tenho e ficará de lembrança desse velho amigo.

Muito bem, numa dessas idas, antes da morte do Mané, na verdade umas quatro visitas, notei que eles estavam sem se falar e consegui arrancar do Mané o motivo da cara virada:

Teve um baile que eles foram contratados para tocar, o Mané o Zé Maria, e um outro Zé que era cantor, num canto escondido chamado "Os Araújos", conheço a região mas nunca escorreguei praquelas bandas, mas soube que era difícil de chegar e mais difícil ainda de sair, e tanto pior em caso de confusão que foi o que por lá aconteceu.

Começaram baile e a coisa ia bem quando um sujeito foi pilhado dando uns tapas numa mulher que não revidava em franca situação vexatória que obrigou uma providência do pessoal da casa até mesmo porque tinha crianças no lugar.

Pediram ao moço que parasse mas esse, "alto" pela bebida ameaçou quem impedisse e tentou continuar a covardia. A turma do deixa disso entrou em ação sem querer problemas mas um deles tomou do moço um soco na boca do estômago e ai juntaram uns dez e sem violência o arrastaram até um quintal e o amarraram num coqueiro numa tentativa de ver se a cabeça esfriava e a cachaça evaporava. A mulher tratou de cair fora, com umas conversas que não voltava mais pra casa, e parecia também um pouquinho alta.

Pois bem. O baile continuou e o moço lá, amarrado. Chamava um e outro e todos se afastavam não querendo problemas com o dono da festa. Quando alguém entendeu de tirar-lo de lá na promessa de que ele iria embora e não traria mais problemas, todos concordaram receosos mas uma vez desamarrado ele numa fala fria e sombria exclamou.

- Vou lá em casa e volto já com uma coisinha pra todo mundo aqui.

Ninguém deu pela coisa mas tempos depois ele aparece de novo com uma arma de fogo e primeiro que chama na gritaria é o dono da festa cuja intenção era interromper:

- No que depender de mim acabou a brincadeira, já brincadeira que não me cabe precisa ter um fim e é na bala.

Nisso deu um tiro pro lado de uma cerquinha de bambu que quase acerta uma galinha que voou fogueteada empoleirando no alto de uma embauba asusustando todo mundo que tratou de esconder. Sem preocupar e sabendo onde tinha bebida por habitos de frequentar a casa em situação amigável, agarrou uma garrafa de cachaça e sentou num sofá matendo o terror por ali com munição sobrando, já que naqueles matos quem tem arma de fogo com apenas as balas do tambor apanha feio quando esvazia a carga, por isso, ele dividia o passatempo entre dar um tiro pra cima e virar o gargalo da garrafa de pinga goela abaixo numa diversão de um homem só para desespero do dono da casa que encolhido atrás de dois caixotes de bananas deitado num comodo com lenha pensava em alguma coisa.

O barulho dos tiros entretanto chamou a atenção de pessoas em um sítio vizinho e alguém foi sem demora chamar a polícia, que chegou para acabar com a arruaça do valentão que ainda enxarcado de mé passou a trocar tiros com os homens da lei.

Na confusão o Mané preocupado chamou o Zé para ajudar a recolher os equipamentos e o Zé que não quis arriscar a ser atingido por uma bala perdida nem mexeu do lugar e o Mané arriscou tomar um tiro para pegar o teclado e uns microfones mas conseguiu enquanto o Zé que não saiu do esconderijo por nada ainda enfiou mais pra dentro de uma portinha de estante onde aqueitou até a coisa acabar, fazendo com isso um desafeto pro resto da vida.

Pra encerrar a coisa, a polícia deixou o sujeito baleado que correndo risco de morte, foi levado para o hospital, Ibiapaba em Barbacena onde demorou um tempão para recuperar e ser preso. quanto ao Zé Maria mais o Mané Estevo, com essa eles jamais se falaram e no velório do Mané eu sai de BH para lhe render minhas homenagens e acabei não vendo Ze. O Zezé, filho do Mané me falou que ele deu uma passada lá mas tratou de cair fora, sem jeito de lidar com a coisa. Eu estive com a mãe dele e ela me chamou para ir na casa dele mas o momento não me pareceu conveniente, porque aquela era mesmo uma gente de hábitos estranhos.

Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 08/12/2009
Reeditado em 02/02/2010
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